quarta-feira, 22 de maio de 2024

“O Dia Em Que A Terra Parou” (Warner,1977), Raul Seixas

 



Em 1977, Raul Seixas estava em um momento significativo em sua carreira musical. Ele já era um nome consagrado na cena musical brasileira, conhecido por suas letras provocativas e estilo único que misturava rock, blues e elementos da música brasileira. Raul havia lançado álbuns importantes nos anos anteriores, como Krig-ha, Bandolo! (1973) e Gita (1974), que foram bem recebidos pelo público e pela crítica. 

No entanto, em 1977, Raul Seixas enfrentava alguns desafios pessoais e profissionais. Raul passava por problemas de saúde, como a pancreatite, causada pelo seu abuso em bebidas alcoólicas. O seu segundo casamento, desta vez com Glória Vaquer, chegava ao fim. Além disso, sua relação a gravadora Philips estava desgastada devido às diferenças criativas e contratuais. E para completar, a bem sucedida parceria Raul Seixas/Paulo Coelho chegava ao fim. Por outro, nascia a parceria de Raul Seixas / Cláudio Roberto.

Enquanto isso, a recém chegada gravadora WEA fazia naquele ano os seus primeiros lançamentos de discos de artistas nacionais. A companhia interessou-se trazer Raul apara o seu cast. Este por sua vez, deixou a Philips e assinou contrato com a WEA, que tinha no comando André Midani (1932-2019), o mesmo que havia sido presidente da gravadora Philips.

E o primeiro álbum lançado por Raul pela Warner, O Dia Em Que A Terra Parou. Produzido por Marco Mazzola (produtor que já havia trabalhado com Raul na gravadora Philips), o disco contou com elenco de músicos fantástico, dentre os quais o baterista Ivan “Mamão” e o tecladista José Roberto Beltrami (ambos, músicos da banda Azymuth), os baixistas Paulo César Barros e Liminha, a Banda Black Rio entre outros. Os arranjos ficaram por conta Miguel Cidras e Eric da Silva (arranjos de cordas). A capa é uma arte do ilustrador Roberto Magalhães.

Após o fim da parceria com Paulo Coelho, Raul Seixas encontrou
um novo parceiro musical, Cláudio Roberto.

Se por um lado, O Dia Em Que A Terra Parou manteve a vocação de Raul de fundir estilos musicais com o rock presentes nos álbuns anteriores, neste álbum, a temática mística está ausente. As dez faixas que compõem o repertório de O Dia Em Que A Terra Parou trazem temas mais realistas, mais voltados ao cotidiano. E o interessante é que todas as faixas foram compostas por Raul Seixas e Cláudio Roberto.

A novidade em O Dia Em Que A Terra Parou talvez tenha sido Raul experimentar o funk, que está presente em duas faixas, como a que abre o álbum, “Tapanacara”, um funk cuja base é executada pela banda Black Rio. O naipe de metais chama a atenção do ouvinte, são bem destacados. A letra faz citação a Nara Leão, uma das primeiras artistas da música brasileira a dar oportunidade a Raul. Em alguns versos, Raul dá um recado indireto a Caetano Veloso, numa citação a “Odara”, canção do baiano tropicalista: “O Tapanacara/ Que eu levei de Odara / Odara, menina / Que era filha de Nara / Que era neta / Prima-Dona de Raul”. Numa outra parte, é citado o astro de Hollywood dos anos 1940 e 1950, Randolph Scott (1898-1988): “Randolph Scott / Que era um cowboy retado / Tipo Touro Sentado / Mugiu e levantou”.

A faixa seguinte é “Maluco Beleza”, canção que virou a representação do próprio Raul Seixas, cujo título virou o apelido do artista e hino de mobilização dos seus fãs mais ortodoxos.

Na sequência, outra canção emblemática na carreira do Raul e que dá nome ao álbum. Em “O Dia Em Que A Terra”, o eu lírico sonhou que o mundo havia parado, que ninguém saía de casa. O título do disco foi tomado emprestado do filme O Dia Em Que A Terra, de 1951, e dirigido por Robert Wise.

A faixa seguinte, “No Fundo do Quintal da Escola” é um rock empolgante e divertido sobre um eu lírico prefere seguir os seus próprios instintos, que prefere pular o muro do quintal da escola com o amigo Zezinho para ter liberdade e viver as suas experiências, a ter que fazer coisas para ele muito comuns como jogar bola com os colegas de escola.

O lado A chega ao fim com “Eu Quero Mesmo”, canção que a princípio, teria sido composta por Raul e Cláudio especialmente para Odair José, cantor brega que fazia muito sucesso nos anos 1970. Os versos são confessionais e mostram um Raul com desejo de cantar versos simples, populares, banais, falando o amor, e onde ele faz uma citação a “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”, um grande sucesso de Odair José: “Nunca falava eu te amo com medo de alguém me gozar /Eu gosto de Besame Mucho, e eu gosto, eu vou tirar você desse lugar/ Pra que mentir?”.

Cartaz do filme O Dia Em Que A Terra Parou, (The Day The Earth Stood Still,
no original), e que inspirou Raul Seixs a compor a canção de mesmo nome.

“Sapato 36” abre o lado B do álbum, uma canção sobre um filho que é forçado pelo pai a usar um sapato de número 36, embora o jovem calce o número 37. A letra desta canção sobre o jovem forçado a calçar um sapato apertado por imposição do pai, é na verdade uma metáfora sobre imposição, restrição e autoritarismo. O jovem confronta o pai, ele quer seguir o seu próprio caminho, tomar as suas próprias decisões.

As duas próximas canções são baladas românticas. “Você” é um bolerão com ares melodramáticos em o eu lírico destaca a importância de ser autêntico, questionar padrões sociais e buscar a verdadeira satisfação na vida, em vez de sustentar um relacionamento a dois monótono, sem amor e desejo por medo ou conformismo.

“Sim” é aquela típica balada cafona brasileira dos anos 1970. Raul canta num tom de voz tentando se passar como um cantor brega da época, acompanhado de vocais de apoio bastante melodramáticos. Os versos transmitem uma mensagem positiva e otimista, encorajando as pessoas a enfrentarem os desafios da vida, celebrarem os momentos de alegria e manterem uma atitude afirmativa diante das experiências.

Em “Que Luz É Essa”, Raul conta a participação especial de Gilberto Gil no violão e na segunda voz. A faixa é um baião começa com Gil contando de um a quatro para dar início à música, seguido pelo seu dedilhar ao violão, remetendo à mesma maneira que fez em “Irene”, de Caetano Veloso. Nesta canção Raul canta sobre uma luz misteriosa vinda do céu, que brilha mais do que o sol.

O álbum termina com “De Cabeça Pra Baixo”, mais uma incursão de Raul no funk, e mais uma vez acompanhado pela banda Black Rio, e onde ele conta como seria viver numa cidade que de cabeça para baixo.

Gilberto Gil, Marco Mazzola e Raul Seixas durante as sessões de gravação
da faixa "Que Luz É Essa", do álbum O Dia Em Que A Terra Parou.

Para este primeiro álbum de Raul Seixas na Warner, a companhia fez um grande plano de divulgação. Dois meses antes do lançamento do disco, em outubro de 1977, a TV Globo exibiu no programa Fantástico, o videoclipe de “O Dia Em Que A Terra Parou”. Em dezembro, mês em que o álbum foi lançado, o videoclipe de “Maluco Beleza” foi exibido no mesmo programa, e trazia como curiosidade, Raul Seixas sem barba, totalmente com a cara raspada. 

Uma parcela da crítica recebeu o álbum O Dia Em Que A Terra Parou com sutil frieza, talvez esperasse o Raul místico dos discos antecessores.  O álbum não teve uma vendagem razoável, embora distante das vendas dos discos campeões em vendas no seu período na Philips.

Em 27 de dezembro de 1977, Raul Seixas estreou com sua banda uma turnê promocional do álbum no Teatro Bandeirantes, em São Paulo, que percorreu outras cidades brasileiras até começo de 1978.

O Dia Em Que A Terra Parou foi provavelmente o último relevante da fase áurea de Raul Seixas. Depois disso foi só “ladeira abaixo”. Em 1978 começou declínio de Raul, marcado pelo agravamento de uma pancreatite. As vendas do dois discos seguintes, Mata Virgem (1978) e Por Quem Os Sinos Dobram (1979), foram pífias, fazendo com que Raul não renovasse seu contrato com a Warner e migrasse para CBS, onde lançou em 1980, o disco Abre-te Sésamo.

Faixas

Todas as faixas foram compostas por Raul Seixas e Cláudio Roberto

Lado 1

1. “Tapanacara”

2. “Maluco Beleza”

3. “O Dia Em Que A Terra Parou”

4. “No Fundo do Quintal da Escola”

5. “Eu Quero Mesmo” 


Lado 2

6. “Sapato 36”

7. “Você”

8. “Sim”

9. “Que Luz É Essa?”

10. “De Cabeça-Pra-Baixo”             


“Tapanacara”

"Maluco Beleza" 
(videoclipe oficial, exibido no
"Fantástico", TV Globo, 18/12/1977)

"O Dia Em Que A Terra Parou" 
(videoclipe oficial exibido no "Fantástico",
TV Globo, 09/10/1977)

“No Fundo do Quintal da Escola”

“Eu Quero Mesmo”

“Sapato 36”

“Você”

“Sim”

“Que Luz É Essa?”

“De Cabeça-Pra-Baixo” 

 

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