Fool marca o regresso de Joe Jackson aos discos. Uns pontos bem acima em relação ao anterior Fast Forward (2015), o recente trabalho do músico inglês joga com as sortes e os azares da vida. E se o tom do disco tende para o lado da soturnidade, também é verdade que o brilho do nosso good ol’ Joe nunca nos deixa às escuras.

Desenganem-se aqueles, e serão muitos, que continuam à espera que Joe Jackson volte a fazer um novo Look Sharp (1979), ou um segundo Jumpin’ Jive (1981) ou ainda uma sequela sonora ao nível do primeiro Night and Day (1982). Mais vale não pensarem nisso. A insistência na chegada desses tão desejados momentos seria sinal de pouco conhecimento em relação à obra do músico britânico. É que Joe Jackson não gosta de se repetir, e o que passou passou, mesmo que o encanto desses três discos nunca se tenha perdido ou diluído face aos muitos outros (e alguns de excelente qualidade) que foi produzindo desde finais dos anos 70. Em jeito de balanço, há que dizer que em nome próprio são já vinte os álbuns de estúdio, isto se não contarmos com as bandas sonoras de Mike’s Murder (1983) e Tucker, The Man and His Dream (1988). Ao vivo, para que conste, contam-se cinco, três deles, pelo menos, de excecional calibre.

Daí que um regresso aos discos por parte de Joe Jackson seja sempre um acontecimento, embora se saiba já não ser, como foi outrora, um músico de referência para as mais novas gerações. No entanto, e como o mundo não começou ontem, os ouvidos mais idosos e inquietos procuram sempre notícias frescas do homem que se deixou fotografar de sapatos bicudos e brancos para a icónica capa do disco de estreia.

Fool é um bom regresso. Parece claro que o recente trabalho do velho Joe não envergonha o músico, muito menos a sua história, mesmo não tendo um único potencial hit nas oito canções que o compõem. Já lá vai esse tempo e Jackson terá perfeita consciência disso. É, há muito, um músico de culto, e o seu público gostará tanto de sucessos como de sarna para se coçar. Fool começa com a excelente “Big Black Cloud”, e com ela abre portas ao lado mais denso e obscuro (trágico até, no sentido teatral do termo) do álbum. É uma canção sobre a classe média que nunca consegue fugir aos maus tratos do mundo, entalada que está nos opostos da vida. Mas o disco também dá espaço ao risível e ao espanto. Não será por acaso que a imagem da capa de Fool mostra as máscaras usadas como símbolo ancestral na dramaturgia. A grande piada, se assim quisermos entender, consiste em constatarmos que a vida é, ao mesmo tempo, tragédia e riso. No entanto, essa verdade não nos diz nada de novo. Sempre foi assim a existência humana, embora nos dias que correm esses termos sejam cada vez mais incertos e permeáveis e por isso mesmo mais sujeitos à diluição das circunstâncias ditadas pela própria vida, tão estranha e sinistra como o mundo em que vivemos.

Mas falemos de canções. Depois da referida “Big Black Cloud”, “Dave” é outro fantástico momento. O piano que a inicia não deixa dúvidas sobre quem o toca. Uma curiosa circunstância é a voz de Joe Jackson soar, a espaços, à de Michael Stipe, dos saudosos R.E.M.. Se a ambas juntarmos a bonita “Strange Land”, talvez tenhamos encontrado o trio de temas de maior destaque. É lindíssima, pois claro. Mas para que não acabemos o álbum (e a crítica) sem uma última surpresa, a bossanovista “Alchemy” revela-se esplendorosa nos seus quase sete minutos de duração. Nos primeiros sessenta segundos, uma incorporação, um milagre: Tom Jobim faz-se ouvir através de Joe Jackson! E por isso perguntamos, que maneira mais feliz poderia haver para se terminar um disco tão ajuizado como Fool?