Primeira antologia de cantores e compositores andaluzes, com Joaquín Sabina, Javier Ruibal, Raúl Alcover, Carlos Cano, Paco Ortega e Jose María Maldonado, entre outros.
Baixa
MUSICA É VIDA
Em 1999, já Beck se mostrara bem acima da concorrência, já mais que assentara os alicerces para a carreira que nunca deixou de solidificar e os riscos seriam sempre mais à reputação que a qualquer outra coisa. Talvez por isso, Beck voltou a lançar-se fora de pé. Afinal até tinha avisado, logo após o lançamento de Mutations em entrevista à Rolling Stone, que o disco seguinte seria um “disco de festa, com sons burros, canções burras e letras burras”.
Em Midnite Vultures, o senhor de “Loser” instala uma festa e nem se preocupa em ser levado a sério. A música de arranque, serve de aviso – “Sexx Laws”, as que promete mudar e onde se assume como um ‘full grown man”, mas nem por isso com medo de chorar. Há mais, “Mixed Bizness” e “Hollywood Freaks”, roçam a paródia, mas nem por isso deixam de ter, bem marcado, o cunho de Beck. Em “Broken Train”, a elasticidade sonora, torna-se ainda mais evidente e chegando a “Peaches and Cream” e “Debra”, o tom é mesmo de homenagem a Prince.
Há letras sobre menage à trois, aventuras de uma noite só e sobre os excessos e as futilidades das estrelas norte-americanas, mas a mais importante mensagem de Midnite Vultures passou despercebida. À época, ouviu-se um disco inesperado, não necessariamente bom, pouco coerente com o trabalho até então apresentado, apalhaçado até. Hoje tudo é mais claro. Midnite Vultures tinha um aviso sério – Beck nunca seria um artista normal, carta dentro de um baralho, o caminho que ali ainda nem a meio chegara seria próximo dos maiores dos camaleões, ali perto, eventualmente como nenhum outro da sua geração, de Lou Reed, David Bowie ou Prince.
Serão necessárias apenas algumas audições para perceber que Dedicated to Bobby Jameson é o álbum mais coeso e contido deste estranho habitante das colinas de Los Angeles — não ouvimos aqui o frenesi e o desfilar de freaks que marca pom pom, antecessor deste último álbum. Também por isso, é um dos seus melhores nos últimos anos, suplantado apenas por Before Today, na nossa opinião. É que neste registo, Ariel Pink, sem perder nunca o seu charme tão próprio, encontra uma nova voz. Ou melhor, une toda a esquizofrenia de personagens que marca a sua discografia numa só: ele próprio.
Se tivermos em conta quem foi Bobby Jameson, a quem Ariel tão explicitamente dedica este disco, esta ação aglutinadora faz todo o sentido. Numa época em que a Beatlemania estava a espalhar-se como uma doença por toda a América, surgiu na Cidade dos Anjos um tal de Bobby Jameson. Ao longo de várias campanhas e manobras publicitárias foi construída à volta do jovem cantautor a imagem de “próxima grande cena”. O seu primeiro single acabou por ser um grande insucesso, e, mesmo o lançamento de outras faixas sob diferentes pseudónimos de modo a provocar o efeito de novidade, Bobby não conseguiu lançar a sua carreira musical.
Nesta história de um artista sozinho contra o mundo, conseguimos ver porque é que Ariel Pink decide dedicar a Bobby Jameson este último álbum: à exceção do falhanço na carreira musical, Ariel sempre se mostrou invariavelmente só. Com todas as implicações que isso tem, uma é certa: atribui um caráter único a todos os seus registos; e Dedicated to Bobby Jameson não é diferente: é Ariel Pink do primeiro ao último segundo. Aquela maneira de modelar a voz logo no início de “Time to Meet Your God” remete-nos de imediato para o universo do artista americano — como se, de repente, não se tivessem passado três anos desde pom pom. A power pop enérgica da música de abertura faz de ponte com a sonoridade que pauta esse álbum.
Na segunda música passamos para uma bela canção que nos fala das coisas bonitas que um novo amor traz à nossa vida vida: em “Feels Like Heaven” cantam-se os anseios e expetativas, mas, sobretudo, a celestialidade que marca esta experiência da vivência humana. O terceiro single de Dedicated to Bobby Jameson emerge impregnado de influências dos 80s, entre as quais as mais gritantes são as sonoridades da pop lo-fi dos Cleaners from Venus e do twee dos The Wake, algo que ouvimos na escolha dos acordes, no borbulhar da guitarra carregada de chorus e nos sintetizadores brilhantes como raios de sol que espreitam por entre árvores num nascer de dia frio de inverno.
Nesta faixa somos confrontados com uma das grandes qualidades de Ariel: a sua enorme capacidade para escrever canções que ressoam fácil, embora profundamente, com qualquer ser humano. “Here I go again / Falling in love again” é uma maneira simples de falar sobre estar apaixonado, mas é na maneira como o artista desenvolve esta ideia que encontramos a magia de Ariel Pink enquanto autor. Como também se percebe ao escutar as letras ao longo de Dedicated to Bobby Jameson, esta perspicácia é temperada com doses muito bem medidas de ironia, humor e situações caricatas. Se em “Death Patrol” temos um vislumbre disso, em “Santa’s in the Closet” ouvimos a história de um Pai Natal feito gangster: “Santa Claus is at the bar / Santa wants to break the law / Santa’s goin’, goin’ down / And Santa wants to go to hell”. A versatilidade de Ariel como escritor de canções é, portanto, imensa: não é que seja algo novo — vem desde os seus primeiros lançamentos como Ariel Pink’s Haunted Graffiti —, mas não deixa de surpreender.
Quem segue Ariel há algum tempo sabe que a sua música oscila claramente num eixo entre dois registos sonoros: um lado mais doce e amoroso, com composições pop a variar entre sonhadoras e psicadélicas, e outro algures entre o garage rock dos anos 60 e um glam eletrizante, por vezes agressivo. Na primeira categoria, encontramos canções como “Another Weekend”, o fantástico primeiro single de Dedicated to Bobby Jameson, que nos fala de uma maneira muito bela sobre incontáveis fins de semana perdidos para a inércia, e outras como a super lo-fi “I Wanna Be Young” ou a balada “Do Yourself a Favor”. Já na segunda categoria, podem incluir-se faixas como “Dreamdate Narcissist” (que, por vezes, lembra The Electric Prunes), “Time to Live” e “Bubblegum Dreams”.
No meio de tanta música fantástica, há, a meu ver, três que se destacam. A primeira é a faixa-título “Dedicated to Bobby Jameson”. Nela, o que há de mais incrível é a transição entre um verso cujo órgão lembra o de Ray Manzarek e o refrão que explode numa pop soalheira. Com uma mudança de acordes nada esperada e o súbito pulsar da bateria, cria-se um curtíssimo, ainda que enorme, crescendo que termina tão rápida e epicamente como começou. Mais perto do final do álbum está a misteriosa e bela “Kitchen Witch”, que surge como enorme surpresa pela sua beleza invulgar. Envolta numa atmosfera nebulosa, este portento goth/dream pop é construído por uma guitarra que grita notas soltas através de uma parede de reverb e um teclado que vai seguindo o riff principal. Contudo, a grande magia está na bonita e etérea voz de Charlotte Coe a.k.a. Charles (namorada do cantor), que surge como uma suave brisa que afasta momentaneamente a música da sua carga invernal. Por último, a faixa que mais sai dos registos normais de Ariel Pink: “Acting”, a sua colaboração com D?M-FunK (que previamente tinha aparecido em Invite the Light, álbum de 2015 deste último). O groove desta fantástica canção parece quase tomar posse do nosso corpo: é impossível não abanar as ancas ao som da sua batida e baixo. Deste encontro já antes experimentado (em Mature Themes com “Baby”) resultou esta música sensual, situada claramente no mundo musical de Damon Riddick (nome do artista convidado) e ainda assim tão Ariel Pink.
Neste ótimo registo, Ariel deixa-nos mais um grande pedaço de arte, tão genuinamente bom como honesto. Ajuda a isto o facto de as músicas, apesar das distinções referidas, formarem uma estrutura muito coesa entre si, que não diverge muito em desvairos de loucura (como por vezes acontece em outros álbuns do artista), despindo-se de qualquer elemento menos necessário. Tudo o que aqui está aqui precisa de estar — e nada faz falta. Mantém-se aqui alguma da alta fidelidade que tem vindo a marcar os álbuns de Ariel desde a sua passagem pela 4AD, embora a música nunca deixe de declarar o amor eterno do artista por uma sensibilidade e estética lo-fi. Apesar dos traços tão reconhecíveis do seu estilo, há algo na música que Ariel Pink apresenta de álbum para álbum que faz com que cada obra seja o seu próprio mundo. Em Dedicated to Bobby Jameson somos convidados por Ariel para ouvir uma sitcom que não é sobre nada, mas que, pelo contrário, é sobre tudo: sobre a vida, sobre a morte, sobre ressurreição, sobre amor, sobre perda, sobre solidão. Sendo dedicado a Bobby Jameson, este álbum é uma imersão profunda em Ariel Pink e é sobre ele que tudo nos fala neste disco.
Aqui, as letras mais humorísticas e alucinadas são trocadas por textos mais simples, honestos e pessoais. Aqui, há muita viola e muito piano, uma voz em perda, resultado do final de um longo relacionamento – mais a mais em resultado de uma traição da companheira de nove anos.
Do resultado de dissabores pessoais surgem, não raras vezes, transformações artísticas de fino recorte. Beck trouxe angústia e tristeza para Sea Change, disco saído tinha o músico perto de 30 anos. Ainda hoje tem algumas das melhores canções do Beck introspetivo: “Guess I’m Doin’ Fine”, queria ele fazer-nos crer, é sublime e delicada, “Sunday Sun” raro vislumbre de luz em plena mina bem funda, “Lost Cause” é um clássico.
Sea Change é um disco de detalhe, que escutado 15 anos depois do seu lançamento – e dezenas, centenas de vezes depois da primeira – permanece mágico e encantador. É um trabalho robusto, sóbrio, difícil de parir mas que agora nos traz um sorriso: Beck superou esta fase e, no meio da tristeza e da mágoa, gravou um dos seus discos históricos. Tomara cada dor de corno e de desamor redundar em tamanha elegância.
Ao oitavo álbum, ou sexto se não contarmos com Stereopathetic Soul Manure e One Foot in the Grave (muitos não o fazem), Beck não cria um mundo à parte. Antes revisita-se e cria o seu próprio “Best Of” de carreira mas apenas de temas originais. Sendo assim, não terá Beck voltado a fazer das suas? Uma viagem entre os seus, já longos, dez anos de carreira, como que uma introspecção pelo que fez durante esse mesmo tempo. Há bandas que lançam colectâneas ao fim de uma década. Beck lançou Guero.
De volta ao estúdio com os produtores de Odelay, os mágicos Dust Brothers, Beck começa Guero com “E-Pro”, melhor exemplo dessa mesma fase. Riffs desgarrados e beats a acompanhar a fazer lembrar “Devil’s Haircut”. Várias outras semelhanças com Odelay podem ser encontradas em “Earthquake Weather”, “Farewell Ride” e “Hell Yes”.
Do outro lado da moeda conseguimos encontrar o tal best of da carreira de Beck no country blues (“Farewell Ride”) ou na bossa nova psicadélica de “Missing”.
A abrir o disco temos ainda “Qué Onda Guero”, jargão mexicano, que serve de mote para o Sr. Hansen dar uma volta pela Los Angeles hispânica e “Girl”, com a sua onda pop descomprometida, a trazer mais luz para Guero.
Podíamos, então, crer que Guero seria, à data, o melhor disco de Beck. Um álbum que juntava as influências de Odelay, Mutations e Sea Changes não poderia dar errado. A resposta é óbvia. Guero nunca teve qualquer chance de lutar contra os discos referidos; no entanto, e ao contrário das opiniões da altura que consideravam que Guero era o primeiro álbum sobre o qual alguém deveria ter tido a amabilidade de aconselhar Beck a metê-lo na gaveta, o oitavo álbum de originais do Sr. Hansen revela-se um projecto de experiências anteriores mais amadurecido. É verdade que Guero não tem a aspereza artesanal de Odelay, nem o delirante fogo-de-artíficio de Midnite Vultures, muito menos a melancolia em plano aberto de Sea Change, mas convenhamos, também Beck já não era o mesmo jovem que criou Odelay, muito menos o excêntrico de Midnite Vultures. Não somos certamente os mesmos aos vinte e quatro anos do que somos uma década depois. A idade e as experiências pessoais fazem com que a nossa música também se transforme.
Relembre-se que Hail to the Thief dos Radiohead também criou celeuma por se tratar de um regresso a certas fórmulas anteriores. Guero não é certamente o melhor disco de Beck, mas não envergonhou a sua carreira de modo algum.
Fui apanhado desatento. Nem lhes conhecia o nome quando, em 2014, ouvi pela primeira vez Lost in a Dream. Sem nunca os ter ouvido, soaram familiar e, ao mesmo tempo, atuais. Soavam acima do tradicional formato da canção, mas sem nunca lhes descurarem o carinho. Soavam elaborados, mas sem exibicionismos; soavam requintados, mas nunca arrogantes. Ganharam prémios e, além de mim, mais um punhado de fãs. Dois ou três, poucos mais que as distinções entre os álbuns do ano.
Se depois descobri que não era disco de estreia, desde então que fiquei à espera. Dos primeiros ensaios para Lost In A Dream o salto tinha sido gigante – quase tão gigante como “Red Eyes” – mas o que seguiria? Tiro no pé? Um sinal de que já tinham gasto a sua melhor música? Também podia vir uma curva no sentido errado. Não veio.
A Deeper Understanding não deslumbra. Não será sequer tão bom quanto o antecessor de que, quase, podia ser lado B. Dizem, a banda é de um homem só. O Adam, homem da produção, capaz de tocar todos os instrumentos, senhor da produção e dos comandos no que aos War on Drugs diz respeito. Talvez. Sendo verdade, os últimos três anos correram-lhe bem. Não deixou estragar a música, não se desviou só aprimorou, tão pouco cedeu à fácil tentação do single.
Mais que pelo hit fácil – “Holding On” e “Nothing to Find” ou “Thinking of a Place” e “Pain”, Deeper Understanding distingue-se pela solidez, pela ausência de pontos fracos, pela música que oficializa o que, na verdade, já todos tínhamos ouvido – a mudança de divisão. Em ano de música nova de Arcade Fire e LCD Soundsystem, Deeper Understanding não será o disco do ano. Melhor que isso é o disco que prova que Lost In A Dream não foi um feliz acidente, o disco que assegura aos War On Drugs um lugar entre os melhores da geração.
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