quinta-feira, 29 de junho de 2023

“That’s The Way Of The World” (Columbia, 1975) Earth, Wind & Fire

 



Em 1975, a banda norte-americana Earth, Wind & Fire tinha seis anos de carreira, cinco álbuns de estúdio no currículo e um modesto sucesso. Mas a partir daquele ano, a situação da banda iria mudar após um convite do diretor de cinema Sig Shore (1919-2006) para que a mesma atuasse no seu filme, That’s The Way Of The World, filme que aborda os bastidores da indústria fonográfica e do show business, desde o glamour ao lado podre. Shore já havia dirigido o filme Super Fly, de 1972 que fez um grande sucesso na época, assim como a sua trilha sonora, composta pelo cantor, compositor e músico Curtis Mayfiled (1942-1999) e que se tornou uma obra-prima do R&B e da soul music. Nesse novo filme de Shore, além de comporem a trilha sonora, os membros do Earth, Wind & Fire fariam o papel da banda fictícia The Group. O filme foi um tremendo fracasso de bilheteria, mas em compensação, a trilha sonora composta e executada pelo Earth, Wind & Fire fez um enorme sucesso e alavancou a carreira da banda tornando-a conhecida no mundo inteiro a partir de então.

That’s The Way Of The World , o álbum, é o sexto da carreira do Earth, Wind & Fire. Mostra uma banda madura musicalmente, numa explosão criativa, explorando todo o seu potencial vocal e instrumental, e fazendo uma impecável fusão do som negro norte-americano como a soul music e R&B com ritmos latinos e africanos, tudo bem amarrado numa costura pop.

Poster do filme That’s The Way 
Of The World.
“Shining Star” é um funk que abre o álbum, foi lançado como single em janeiro de 1975, antes de o álbum chegar à lojas. No seu final, Maurice White e Philip Bailey proporcionam ao ouvinte um incrível vocal a cappela. “That’s The Way Of The World”, faixa que dá nome ao álbum, é uma bela e elegante balada com um ritmo suave, com destaque para os vocais da banda e do falsete de Philip Bailey. A contagiante “Happy Feelin’” traz uma linha de baixo vigorosa de Verdine White e mais uma vez, o falsete de Bailey se destaca. A kalimba, instrumento musical africano  executado por Maurice White, dá um tempero diferenciado à música. Fechando o lado, “All About Love”, balada com direito a uma narrativa romântica de Maurice White e um interlúdio ao final da música no qual Larry Dunn mostra toda a sua habilidade como tecladista.

Com vocais de Maurice, o funk “Yearnin’ Learnin’” abre o lado B do álbum e traz uma linha de baixo bem marcada e os metais presentes no refrão e sustentando o restante da música. Em “Reasons”, Bailey demonstra todo o seu romantismo com o seu falsete e a banda mostra a sua vocação para baladas românticas. Uma das melhores faixas do disco, a instrumental “Africano” começa com sons de flauta e kalimba, seguidos de uma breve pausa que é rompida por um ritmo dançante de percussão e bateria, e depois todo o restante da base instrumental: baixo, guitarra, teclados e metais. “See This Light” flerta  discretamente com a música latina e o jazz na sua introdução. Nesta faixa, as harmonizações vocais da banda são incríveis, onde Bailey solta com todo vigor o seu falsete. É talvez a música com os arranjos mais complexos e mais trabalhados do disco.

Lançado em 15 de maio de 1975, That’s The Way Of The World ficou três semanas em 1º lugar na parade de álbuns pop da Billboard. O álbum vendeu mais de 3 milhões de cópias. O single de “Shining Star” vendeu mais de 1 milhão de cópias e atingiu o topo da parada de singles de R&B da Billboard, enquanto que o da faixa-título ficou em 12º. O ótimo desempenho comercial de That’s The Way Of The World fez o Earth, Wind & Fire ganhar em 1975 o American Music Awards na categoria “Melhor Banda, duo ou grupo de soul/R&B”, e em 1976, o prêmio Grammy de “Melhor Interpretação Vocal R&B Por Dupla, Grupo Ou Coro.


Capa dupla: a capa aberta (frente e verso de That’s The Way Of The World .

O som polido e bem acabado deste disco teve uma “peça-chave” muito importante: Charles Stepney. Ao lado de Maurice White, Charles Stepney produziu e fez os arranjos das músicas, sobretudo os dos metais que se tornariam uma das marcas registradas do Earth, Wind & Fire. Charles Stepney ainda produziria mais dois álbuns do Earth, Wind & Fire, Gratitude (1975) e Spirit (1976). Infelizmente, Stepney faleceu durante o período de gravação do álbum Spirit. Apesar da sua morte, a banda parece que assimilou muito bem o que aprendeu com Stepney e empregou todo o aprendizado nos álbuns seguintes que também fizeram um grande sucesso de público e crítica.

Faixas:

Lado A
"Shining Star" (Philip Bailey - Larry Dunn - Maurice White)         
"That's the Way of the World" (Charles Stepney - Maurice White - Verdine White)      
"Happy Feelin'"                (Verdine White - Philip Bailey - Larry Dunn - Maurice White - Al McKay)             
"All About Love" (Larry Dunn - Maurice White)

Lado B
"Yearnin' Learnin'" (Philip Bailey - Charles Stepney - Maurice White)    
"Reasons" (Philip Bailey - Charles Stepney - Maurice White)     
"Africano" (Larry Dunnm - Maurice White)        
"See the Light" (Louise Anglin - Philip Bailey - Larry Dunn)  

Earth, Wind & Fire: Maurice White (vocais e percussão), Philipe Bailey (vocais e percussão), Verdine White (baixo e vocais), Larry Dunn (teclados), Al McKay (guitarra), Johnny Graham (guitarra), Andrew Woolfolk (saxophone e flauta), Ralph Johnson (percussão) e Fred White (bateria).  



Aberturado do filme That’s The Way 
Of The World.



“Shining Star”



“Happy Feelin’” 




“Yearnin’ Learnin’” 



"Reasons"


“See This Light” 



“That’s The Way Of The World”

10 discos essenciais: glam rock

 


No começo dos anos 1970, John Lennon havia decretado que o sonho havia acabado. Toda aquela onda festeira do paz & amor hippie da década anterior era coisa do passado. Os Beatles haviam chegado ao fim, Janis, Hendrix e Morrison estavam mortos. A Guerra do Vietnã prosseguia – assim como a Guerra Fria também – atentados terroristas pipocavam em vários cantos e ditaduras se alastravam pela América Latina. O mundo se mostrava mais sombrio. O rock se tornava mais burocrático (com rock progressivo ditando virtuosismo ) e um negócio lucrativo.

Em meio a tudo isso surgia o glam rock ( rock glamour), trazendo um pouco mais de alegria, fantasia e androgenia. Também conhecido como glitter rock, o glam rock foi um fenômeno essencialmente inglês, mas que acabou se espalhando pelo mundo. Na nova tendência que despontava, o visual era tão importante quanto a música. E valia tudo: maquiagens pesadas, muita purpurina, plumas, paetês, sapatos plataforma e os figurinos mais espalhafatosos que se pudesse imaginar. Musicalmente era bem diversificado, englobando desde hard rock ao pop descartável. O glam rock caiu no gosto do público jovem, principalmente o adolescente, emplacou grandes astros talentosos como David Bowie, T. Rex, Elton John, Mott The Hoople, Slade, Sweet, mas também alguns aproveitadores de plantão que costumam pongar no que está na moda.

Mesmo tendo durado um prazo curto, entre 1971 e 1975, o glam rock deixou o seu legado: influenciou o punk, os neorromânticos (leia-se Adam & The Ants, Culture Club, Duran Duran, Visage entre outros), glam metal dos anos 1980 (Mötley Crüe, Bon Jovi, Poison e mais dezenas de bandas) e bandas mais contemporâneas com Marilyn Manson, The Darkness, Placebo e Suede.

Neste “10 Discos Essenciais”, confira alguns dos álbuns mais emblemáticos do glam rock.

Electric Warrior (Fly, 1971), T. Rex. Entre 1967 e 1970, a Tyrannosaurus Rex era uma banda de sonoridade folk que tinha à frente o guitarrista e vocalista Marc Bolan e o percussionista Steve Peregrine Took. Mas em 1970, Bolan deu uma grande guinada na banda: troca Took por Mickey Finn, o som do grupo fica mais elétrico carregando referências de Chuck Berry, rhythm´n´blues e hard rock, adota um visual mais extravagante e abrevia o nome da banda para T.Rex. Com o álbum Electric Warrior, o T.Rex ganha projeção na Inglaterra e inaugura a era do glam rock. Marc Bolan se torna a própria personificação do glam rock. "Bang A Gong (Get It On )" foi o grande hit do album.


The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars (RCA, 1972), David Bowie. David Bowie já tinha quatro álbuns no currículo, dois deles, The Man Who Sold The World (1970) e Hunky Dory (1971) com algum reconhecimento da crítica, mas sem grade repercussão comercial. Foi então que em 1972, lançou The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars, no qual Bowie encarnou Ziggy Stardust, um extraterrestre que vem à Terra e se tornar um astro do rock. Com um visual andrógino e o cabelo laranja, Bowie virou ídolo de toda uma geração e conquistou finalmente a fama que tanto almejava. O álbum se tornou um clássico graças a hits como "Starman", "Ziggy Stardust" e “Rock 'n' Roll Suicide", e também a uma banda "matadora" por trás de Bowie, os Spiders From Mars, que contava com o guitar hero  Mick Ronson.


All The Young  Dudes (CBS, 1972), Mott The Hoople. Após os quatro primeiros álbuns que foram um fracasso em vendas, o Mott The Hoople decidiu encerrar atividades em 1971. Sensibilizado, entrou em cena David Bowie que decidiu ajudar a banda convencendo os seus membros a retornarem com o grupo. Para isso, Bowie e seu guitarrista, Mick Ronson, produziram o álbum All The Young Dudes, cuja faixa-título é de autoria do próprio Bowie. All The Young Dudes se tornou o primeiro grande sucesso comercial do Mott The Hoople e que traz ainda rocks afiados como “One Of The Boys”, “Jerkin' Crocus”, "Ready For Love/After Lights" e uma regravação de um hit do Velvet Underground, "Sweet Jane".


Roxy Music (Island, 1972), Roxy Music. O Roxy Music foi talvez a banda mais estilosa do glam rock, tanto visualmente quanto musicalmente, centrando-se entre a sofisticação e a breguice, entre a vanguarda e o pop convencional. Todas essas combinações antagônicas estão presentes no primeiro álbum da banda inglesa. Roxy Music, o álbum, surpreende pela qualidade, criatividade e o talento de seus integrantes, destacando o tecladista Brian Eno e o saxofonista Andy Mackay. "Re-Make/Re-Model", faixa na qual a banda combina solos de “Day Tripper”, dos Beatles, e “A Cavalgada das Valquírias”, de Richard Wagner, só comprova o poder criativo dos músicos do Roxy Music.



Transformer (RCA, 1972), Lou Reed. Apesar de estar vivenciando a fama da sua fase Ziggy Stadust, David Bowie reservava um tempinho para ajudar os amigos em 1972. Deu uma força na reabilitação da carreira do Mott The Hoople e fez o mesmo com o ex-Velvet Underground, Lou Reed, que vinha de um homônimo e pouco expressivo álbum de estreia solo em 1971. Ao lado do seu fiel escudeiro, o guitarrista Mick Ronson, Bowie produziu o segundo álbum de Reed, Transfomer, considerado o melhor de sua carreira solo. Admiradores confessos de Reed e do Velvet Underground, Bowie e Ronson além de produzirem o álbum, tocaram alguns instrumentos e fizeram alguns backing vocalsTransformer traz faixas memoráveis como "Walk On The Wild Side" (maior sucesso de Reed), “Vicious” e as lindas “Perfect Days” e “Satellite Of Love”.


Mott (CBS, 1973), Mott the Hoople. Ao produzir o álbum anterior, All The Young  Dudes, David Bowie deu o empurrão para que o Mott The Hoople conquistasse o tão desejado prestígio. Amparados pelo sucesso de All The Young  Dudes e mais confiantes no próprio potencial, o Mott The Hoople gravou e produziu o álbum seguinte, Mott, que teve boa recepção tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos. O álbum emplacou as faixas "All The Way From Memphis" e "Honaloochie Boogie". Mas também trouxe coisas bacanas como os rocks certeiros “Drivin' Sister" e “Violence”, e o folk rock "I Wish I Was Your Mother". 


New York Dolls (Mercury, 1973), New York Dolls. Imagine bater no liquidificador os Rolling Stones e adicionar uma porção de travestis: a mistura certamente daria New York Dolls. Com seu visual andrógino, postura irreverente e seu som anárquico e debochado, os New York Dolls anteciparam o punk rock e foram referência para a cena underground nova-iorquina de meados dos anos 1970 que revelaria ao mundo os Ramones, Blondie, Television e Talking Heads. O seu primeiro e homônimo álbum, capturou muito bem a energia transgressora e urgente da banda que podem ser percebidas em faixas como “Personality Crisis” e “Frankenstein (Orig.)”.  Os sinais de que o punk estaria por vir estão presentes em “Bad Girls” e “Jet Boys”.


Secos & Molhados (Continental, 1973), Secos & Molhados. O Brasil não ficou de fora da onda glam que assolou o rock no começou dos anos 1970. O grupo Secos & Molhados foi o nosso melhor representante do gênero e um dos maiores fenômenos da música brasileira em todos os tempos. Em plena ditadura militar no Brasil, o grupo surgia causando um impacto visual com seus integrantes de rostos pintados, figurinos andróginos e tendo à frente Ney Matogrosso, um vocalista com uma voz aguda, peito nu e corpo esguio. Com um repertório que mistura folk rock, rock progressivo, pop, MPB e letras com forte carga poética, Secos & Molhados, o disco, foi um fenômeno em vendas, chegando a um milhão de cópias, conquistando desde o público adulto até o infantil, e se tornando um dos mais importantes álbuns da história do rock brasileiro. A capa é talvez a mais marcante da música brasileira. “Sangue Latino”, “O Vira”, “Amor” e “Rosa de Hiroshima” foram os grandes hits do álbum.


Aladdin Sane (RCA, 1973), David Bowie. David Bowie compôs o repertório que daria origem ao álbum Aladdin Sane durante a passagem da Ziggy Stardust Tour pelos Estados Unidos, em 1972, com canções inspiradas nas suas observações sobre a América. Por isso que há quem diga que Aladdin Sane é um desdobramento de Ziggy StardustCom uma das capas mais icônicas da cultura pop, Aladdin Sane tem como destaque a faixa-título, “Panic In Detroit”,  “The Jean Genie” e um cover mais energético de  “Let's Spend The Night Together”, dos Rolling Stones.



Goodbye Yellow Brick Road (DJM, 1973), Elton John. Elton John vinha numa sequência de bons álbuns como Madman Across The Water (1971), Honky Château (1972) e Don't Shoot Me I'm Only The Piano Player (1973) até se consagrar com o álbum duplo Goodbye Yellow Brick Road, em 1973. O álbum ratifica o alto nível da parceria Elton John-Bernie Taupin como hitmakersjá mostrado nos álbuns anteriores. Goodbye Yellow Brick Road tem um “cardápio musical” variado, incluindo desde pop radiofônico a incursões no rock progressivo. Graças a hits antológicos como a faixa título, “Candle In The Wind”, “Bennie And The Jets”, “Saturday Night's Alright For Fighting” e à quilométrica “Funeral For A Friend/Love Lies Bleeding”, o álbum duplo vendeu mais de sete milhões de cópias. Elton John alcança o status de astro de rock de primeira grandeza lotando estádios e arenas pelo mundo, se apresentando com figurinos extravagantes e os famosos óculos dos formatos mais estranhos. 


“Álibi” (Philips, 1978), Maria Bethânia

 


Irmã de Caetano Veloso, Maria Bethânia já era uma grande cantora da música popular brasileira em meados dos anos 1970, com um talento reconhecido pela crítica muito por conta da sua voz grave e marcante, e pelos seus shows carregados de grande teatralidade. Porém, era uma cantora que não atingia as grandes massas. Seu público era bem restrito e específico, centrado na classe universitária e na elite intelectual fã de MPB. No entanto, essa situação começa a mudar a partir de 1976, quando Bethânia emplacou “Olhos nos Olhos”, composição de Chico Buarque, e que se tornou um grande sucesso na voz da cantora baiana de Santo Amaro da Purificação. O sucesso da música fez o álbum Pássaro Proibido, lançado naquele ano vender mais de 100 mil cópias e garantir a Bethânia o primeiro Disco de Ouro da sua carreira.

Ainda em 1976, Bethânia junta-se a Caetano, Gal Costa e Gilberto Gil, formando o supergrupo Doces Bárbaros. O quarteto faz uma turnê nacional que rende um documentário e um álbum duplo gravado ao vivo e que levou o nome do grupo. Isso ajudou a dar mais visibilidade a Bethânia. Em 1977, ganha o seu segundo Disco de Ouro com o álbum Pássaro da Manhã, comprovando que a popularidade da baiana estava em expansão.

Doces Bárbaros em 1976: Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil.

Mas o grande salto na carreira de Maria Bethânia acontece com o álbum Álibi, lançado em dezembro de 1978. Diferente dos álbuns anteriores, Álibi trouxe canções que se tornaram grandes sucessos e que marcariam toda a carreira de Bethânia. O álbum abre com “Diamante Verdadeiro”, de Caetano Veloso, um choro dotado de certa nostalgia, remetendo aos antigos chorões do passado. A faixa seguinte é “Álibi”, um belo bolero dotado de muito romantismo composto por Djavan.

“O Meu Amor” traz um fato curioso. A canção foi originalmente composta por Chico Buarque para o espetáculo Ópera do Malandro que esteve em cartaz em 1978. No espetáculo, Marieta Severo (então esposa de Chico) e Elba Ramalho faziam um dueto cantando a música. As duas gravaram a canção para o álbum de Chico (ele não canta nessa faixa), lançado em novembro de 1978, um mês antes do lançamento do de Bethânia. Em seu álbum, Bethânia faz dueto em “O Meu Amor” com a sambista Alcione, que se saiu muito bem cantando um bolero. Com uma letra carregada de muita sensualidade e erotismo, “O Meu Amor” fala de duas mulheres que disputam o amor de um mesmo homem.

Alcione e Maria Bethânia em 1978, com o álbum de Chico Buarque, o mesmo
 que contém "O Meu Amor", regravada por elas para o álbum Álibi.

“A Voz Vitoriosa”, de Wally Salomão e Caetano Veloso, é uma bela homenagem à mulher, seguida de “Ronda”, de Paulo Vanzolini, um clássico da música brasileira gravado originalmente por Bola Sete em 1953, e que Bethânia conseguiu imprimir o seu estilo bem pessoal de cantar. Fechando o lado A, “Explode Coração”, de Gonzaguinha, uma canção que Bethânia fez um registro definitivo e ainda hoje insuperável.

Assim como “Ronda”, “Negue” é outra canção consagrada da música brasileira presente em Álibi, e é ela quem abre o lado B do álbum. Mesmo com dezenas de regravação que vão de Cauby Peixoto a Camisa de Vênus, o samba-canção composto por Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos, em 1960, ganhou a sua versão definitiva com Maria Bethânia. O samba “Sonho Meu”, de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho, traz mais um dueto no álbum, desta vez Bethânia com sua voz grave contrastando com os agudos de Gal Costa. Em “De Todas As Maneiras”, canção de amor de Chico Buarque, Bethânia canta os sentimentos do fim de um relacionamento conflituoso e desgastado. A canção seria regravada pelo próprio Chico no seu álbum Vida, em 1980.

Censurada em 1973, "Cálice", de Gilberto Gil e Chico Buarque, foi liberada em 1978. Foi gravada naquele ano por Chico em dueto com Milyon Nascimento e lançada no seu álbum autointitulado, o mesmo que incluiu "O Meu Amor". Bethânia também gravou "Cálice" para o álbum Álibi, lançado um mês depois do álbum de Chico. 
Rosinha de Valença: talento onipresente
 em Álibi.

Fechando o álbum, “Interior”, composição da violonista Rosinha de Valença. A canção possui uma atmosfera bucólica nos versos, na gaita de Maurício Einhorn e no violão dedilhado de Rosinha de Valença, enquanto Bethânia canta com uma voz cheia de ternura.

Vale ressaltar a “onipresença” de Rosinha de Valença neste disco, ela tocou em todas as faixas. A instrumentista expôs no álbum todo o seu talento tanto no violão como no cavaquinho, mostrando a sua versatilidade, seja tocando samba (“Sonho Meu”), choro (“Diamante Verdadeiro”), bolero (“O Meu Amor”), bossa-nova (“Explode Coração”) ou samba-canção (“Negue”). Toda essa bagagem musical é fruto das experiências profissionais que Rosinha acumulou desde jovem, quando tocou com artistas do gabarito de Baden Powell, João Donato, Sérgio Mendes entre outros. Lamentavelmente, em 1992, Rosinha de Valença deixou a vida profissional muito cedo quando entrou em estado de coma após uma lesão cerebral, consequência de uma parada cardíaca que sofreu. Rosinha ficou em estado vegetativo por doze anos, vindo a falecer em 2004, aos 62 anos. 

Álibi foi o primeiro grande sucesso comercial de Maria Bethânia, alçando a cantora baiana do posto de artista cult a uma das cantoras campeãs de vendas de discos no Brasil e de execução em rádio. “Explode Coração”, “Sonho Meu” e “Negue” ganharam as rádios e levou Álibi a vender de 1 milhão de cópias, tornando Maria Bethânia a primeira cantora brasileira a atingir essa marca. O álbum seguinte, Mel, de 1979, seguiu os mesmos passos de Álibi, e foi também um grande sucesso em vendas, graças a faixas como a faixa-título, “Cheiro de Amor”, “Grito de Alerta”, “Da Cor Brasileira” e “Infinito Desejo”.

Faixas

Lado A

  1. "Diamante Verdadeiro"  (Caetano Veloso)
  2. "Álibi"(Djavan)
  3. "O Meu Amor" (dueto com Alcione) (Chico Buarque)
  4. "A Voz de Uma Pessoa Vitoriosa" (Waly Salomão - Caetano Veloso)
  5. "Ronda" (Paulo Vanzolini)
  6. "Explode Coração" (Gonzaguinha)

Lado B

  1. "Negue" (Adelino Moreira - Enzo Almeida Passos)
  2. "Sonho Meu" (dueto com Gal Costa) (Dona Ivone Lara - Délcio Carvalho)
  3. "De Todas as Maneiras" (Chico Buarque)
  4. "Cálice" (Gilberto Gil - Chico Buarque)
  5. "Interior" (Rosinha de Valença) 



"Diamante Verdadeiro"

"Álibi"

"O Meu Amor"

"A Voz de Uma Pessoa Vitoriosa"

"Ronda"

"Explode Coração"

"Negue"

"Sonho Meu"

"De Todas As Maneiras"

"Cálice"

"Interior"



10 discos essenciais: álbuns duplos

 


O álbum duplo surge pouco depois da criação do LP. Enquanto o LP aparece em 1948 através da gravadora Columbia Records, nos Estados Unidos, o álbum duplo, trazendo dois LP’s, surge em 1950, tendo como primeiro lançamento nesse formato The Famous 1938 Carnegie Hall Jazz Concert, de Benny Goodman, também pela Columbia, álbum duplo com gravação ao vivo de uma apresentação do jazzista e sua orquestra no Carnegie Hall, em Nova York, em 1938. Mas o primeiro álbum duplo gravado em estúdio só veio em 1964, com Verlaine et Rimbaud, de Léo Ferré trazendo 24 faixas a partir de poemas musicados dos poetas Paul Verlaine e Arthur Rimbaud.

Porém, o formato álbum duplo só veio ganhar uma viabilidade comercial na música popular através do rock nos anos 1960. Blonde On Blonde, de Bob Dylan, lançado em maio de 1966, foi o primeiro álbum duplo da história do rock, e no mês seguinte, Freak Out!, dos Mothers of Invention, o segundo do álbum duplo do gênero. A partir da segunda metade dos anos 1960, o experimentalismo no rock passou a se valer dos avanços da tecnologia de gravações de discos e a exigir mais espaço nos discos, o que acabou fazendo o formato álbum duplo ser bastante explorado, tanto do ponto de vista musical quanto visual, já que o álbum duplo exigia capa dupla, geralmente com uma arte gráfica bem mais caprichada.

O auge dos álbuns duplos foi a década de 1970, tendo o rock progressivo como o gênero que mais explorou esse formato, chegando até a lançar álbuns triplos. Porém, não era um formato exclusivo do rock progressivo, havendo lançamentos nesse formato em outros gêneros musicais que tiveram ótimos resultados comerciais apesar de serem mais caros do que um álbum simples. Com o advento do CD a partir dos anos 1980, os álbuns duplos foram perdendo espaço, já que o tempo de um álbum duplo em vinil cabia perfeitamente num CD. No entanto, alguns títulos lançados originalmente como álbum duplo em vinil, se mantiveram como álbum duplo em CD, provavelmente para manter a tradição do formato duplo original.  


Blonde On Blonde (Columbia, 1966), Bob Dylan. Considerado o primeiro álbum duplo da história do rock, Blonde On Blonde consolida o processo de eletrificação da música de Bob Dylan, iniciada com o álbum Bringing It All Back Home (1964), causando a ira dos fãs mais radicais, mas conquistando novos públicos que passaram a apreciar o trabalho do cantor. Dylan vivia um dos períodos mais criativos e férteis da sua carreira, o que só comprova o fato de ter produzido um álbum duplo como Blonde On Blonde, gravado em Nashville e acompanhado do The Hawks, banda que depois seria rebatizada com o nome de The Band. Tido como denso e melancólico, mesclando folk rock, blues e country music, Blonde On Blonde começa com a faixa “Rainy Day Women #12 & 35”, que foi banida das rádios na época por trazer o verso “Todo mundo deve ficar chapado”. “Just Like A Woman”, “Visions Of Johanna” e “I Want You” (regravada em português pelo Skank nos anos 1990) são alguns dos destaques do álbum.  


Electric Ladyland (Track, 1968), The Jimi Hendrix Experience. Após dois excelentes álbuns, o power trio Jimi Hendrix Experience lança o que é considerado o seu melhor álbum, Electric Ladyland. Este álbum duplo foi produzido pelo próprio Hendrix e nele o guitarrista pode dar vazão à sua explosão criativa e fazendo uso de toda a tecnologia de gravação disponível na época. O resultado foi um álbum eclético que vai do soul psicodélico ("Have You Ever Been (To Electric Ladyland)" ao blues lisérgico e viajante ("Voodoo Chile") passando pelo experimentalismo e efeitos sonoros ("…And The Gods Made Love" e "Moon, Turn The Tides… Gently Away"). Destaques para "Crosstown Traffic", "Voodoo Child (Slight Return)" e "All Along The Watchtower", esta última de Bob Dylan à qual Hendrix deu uma nova e definitiva interpretação.


The Beatles (Apple Records, 1968), The Beatles. Mais conhecido como The White Album ("álbum branco"), é o primeiro e único álbum duplo de inéditas dos Beatles, e o primeiro lançamento do selo Apple Records. Foi gravado após o retiro espiritual dos Beatles na Índia com o guru Maharishi Mahesh Yogi. As sessões de gravação do álbum foram marcadas por muita tensão, egos inflados e desentendimentos, iniciando o começo do fim da banda. The Beatles, o álbum, mostra a banda redirecionando a sua música, deixando para trás os excessos e as “gorduras” dos três álbuns anteriores, dando adeus à psicodelia e indo em direção a um tipo de música mais enxuta e menos rebuscada. Apesar de todo o caos da produção, o resultado final foi positivo, trazendo faixas memoráveis como “"Back In The U.S.S.R.”, “While My Guitar Gently Weeps”, “Helter Skelter”, “Dear Prudence”, "Blackbird” dentre outras.  


Exile On Main St. (Rolling Stones Records, 1972), The Rolling Stones. Fugindo das cobranças de impostos na Inglaterra, os Rolling Stones se refugiaram num vilarejo próximo a Nice, sul da França, onde alugaram uma mansão, e num porão, improvisaram um estúdio. O local com estrutura precária para gravação, somado às farras regadas a muita bebida e drogas, dava a entender que dali não sairia nada. Porém, não só saiu alguma coisa, como saiu em fartura: um material que rendeu um álbum duplo, Exile on Main St. O álbum mostra os Stones inspirados no velho blues (“Sweet Black Angel”, “Shake Your Hips” e “Sweet Virginia”), na country music (“Torn And Frayed”), no gospel (“Tumbling Dice”) e mostrando as garras em rocks afiados ( “Rocks Off” e “Happy”).


Clube da Esquina (EMI-Odeon, 1972), Milton Nascimento. Milton Nascimento já era um artista famoso quando convidou o jovem Lô Borges, então com cerca de 19 anos de idade,  para dividir com ele o álbum duplo Clube da Esquina. Milton já havia gravado anteriormente canções de Lô, como “Para Lennon e McCartney”, “Alunar” e “Clube da Esquina” (esta última, uma parceria de Milton, Lô e Márcio Borges), as três do álbum Milton (1970). Para a gravação do álbum duplo, Milton e Lô cercaram-se de companheiros da cena musical de Minas Gerais como Beto Guedes, Wagner Tiso, Toninho Horta entre outros. Com uma musicalidade que mescla referências de Beatles (safra 1969), folk rock, rock progressivo com a música do interior de Minas Gerais, tudo emoldurando uma riqueza poética nas letras, Clube da Esquina foi muito além de apenas um álbum duplo brilhante, batizou com seu nome um movimento musical que se tornou um dos mais importantes da música popular brasileira. Dentre as suas 21 faixas, algumas se tornaram clássicos da música brasileira como “O Trem Azul”, “Um Girassol Da Cor Do Seu Cabelo”, “Paisagem Da Janela” e “Nada Será Como Antes”.


Goodbye Yellow Brick Road (DJM, 1973), Elton John.  Após uma sequência de excelentes álbuns como Madman Across The Water (1971), Honky Château (1972) e Don't Shoot Me I'm Only The Piano Player (1973), Elton John chega à consagração com o álbum duplo Goodbye Yellow Brick Road, em 1973. O álbum ratifica o alto nível da parceria Elton John-Bernie Taupin como hitmakersjá mostrado nos álbuns anteriores. Dentre as faixas de Goodbye Yellow Brick Road, algumas se tornaram clássicos da carreira de Elton John como “Candle In The Wind”, “Bennie And The Jets”, “Saturday Night's Alright For Fighting”, a quilométrica “Funeral For A Friend/Love Lies Bleeding” e a faixa-título. Goodbye Yellow Brick Road vendeu mais de sete milhões de cópias e fez de Elton John um astro de primeira grandeza do rock, lotando estádios e arenas, vestindo figurinos extravagantes e usando óculos dos mais esquisitos.


Physical Grafitti (Swang Song, 1975), Led Zeppelin. Physical Grafitti é o ápice criativo do Led Zeppelin que vinha numa ótima sequência de álbuns desde o primeiro, Led Zeppelin, de 1969. Já a partir do quarto álbum, Houses Of The Holy (1973), o quarteto inglês demonstrava interesse de ir além da fórmula hard rock/blues/folk music que o consagrou nos primeiro três discos. Physical Grafitti seria na prática, uma evolução do álbum anterior. Neste álbum duplo, o Led Zeppelin amplia o seu leque musical abrangendo o rock progressivo, pop, música indiana e funk , mostrando-se uma banda mais eclética do que por exemplo, o Deep Purple e o Black Sabbath, que juntas com o Led compõem na minha opinião, a “santíssima trindade do rock pesado”. “Kashmir”, “Trampled Under Foot”, “Houses Of The Holy”, “Bron-Yr-Aur” e “In My Time Of Dying” são alguns dos melhores momentos deste álbum duplo magnífico.


Songs In The Key Of Life (Motown, 1976), Stevie Wonder. A Motown havia apostado uma grana alta na renovação de contrato com Stevie Wonder, após uma sequência de álbuns muito bem avaliados pela crítica e com ótimos desempenhos comerciais. No entanto, a demora na produção do ambicioso Songs In The Key Of Life preocupou a Motown. Porém, a espera do lançamento do valeu à pena. Além de ser álbum duplo, Songs In The Key Of Life trazia de brinde uma EP com mais 4 faixas, um deleite total para os fãs. Abordando temas como amor, racismo, política, fé e conflitos sociais, Songs In The Key Of Life emplacou hits memoráveis como “Isn't She Lovely” e “Sir Duke”, conquistou quatro prêmios Grammy, e tornou-se um dos mais importantes álbuns da história da soul music e do R&B.


London Calling (Columbia, 1979), The Clash. O Clash surpreendeu em todos os aspectos quando lançou, no final de 1979, London Calling, seu terceiro álbum. Para começar, lançando um álbum duplo, mas vendido ao preço de um álbum simples, a pedido do Clash. Em segundo, a banda mostra-se musicalmente bem diversificada, experimentando com reggae e ska (algo que na verdade já assinalava desde o primeiro álbum), e também com jazz, funk e pop. No entanto, o discurso politizado e engajado continua afiado. Temas como violência, consumismo, racismo, drogas, desemprego e política estão presentes em London Calling. O álbum deu projeção ao Clash no mercado norte-americano e foi 9º lugar no Reino Unido. London Calling é presença garantida nas listas de melhores álbuns de rock de todos os tempos.  Destaques para as faixas “London Calling”, “Spanish Bombs”, “Lost In The Supermarket” e “The Guns Of Brixton”.


The Wall (Harvest, 1979), Pink Floyd. A turnê do álbum Animals (1977), deixou o baixista Roger Waters horrorizado com a idolatria desenfreada dos fãs do Pink Floyd, com os shows e as estruturas gigantescas em estádios lotados e com o estrelato a que a banda havia chegado. Tal situação de pavor inspirou Waters a criar o conceito do próximo álbum do Pink Floyd, The Wall, contando a história de Pink, um rock star que rebela-se contra o seu próprio público fanático e com a vida de astro do rock, culpando a superproteção da mãe, a ausência do pai (morto numa guerra) e as drogas pelas suas frustrações; isola-se de tudo e de todos atrás de um muro imaginário, daí o título do álbum. Para desenvolver a história do personagem fictício nas canções do álbum, Waters inspirou-se na sua própria vida ( seu pai morreu na 2ª Guerra Mundial, deixando a esposa grávida dele ) e um pouco na de Syd Barret (onde entra aí a vida conflituosa de Pink como astro do rock). O álbum inspirou o filme Pink Floyd – The Wall, de Alan Parker, lançado em 1982. “Another Brick In The Wall, Part 2”, “Comfortably Numb”, “Run Like Hell” e “Hey You” foram os hits deste álbum duplo. 


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