domingo, 2 de novembro de 2025

Discografia Comentada: The Beatles [Parte II]

 

Discografia Comentada: The Beatles [Parte II]

A segunda parte desta discografia comentada vai explorar os discos mais famosos dos Beatles, e, na minha opinião, aqueles que dão a um fã deles argumentos para defendê-los como a maior banda de todos os tempos – é claro que todo mundo tem sua candidata a esse título, mas mesmo quem não é fã dos Beatles tem que admitir que o trabalho da banda nessa fase da carreira é impressionante. A virada de chave se deu no ano de 1966: os quatro estavam cansados das longas turnês, da má qualidade sonora dos shows (a gritaria era tanta que eles não conseguiam ouvir o
que estavam tocando), mas, sobretudo, estavam com as cabeças cheias de ideias, algumas originais, outras baseadas no que estava sendo feito de mais revolucionário na música nos anos 60.

Esse é o momento em que a coisa fica séria: as composições e arranjos estavam se tornando cada vez mais ambiciosas, o produtor George Martin se virava para colocar nas fitas master as ideias que eram trazidas, e o cenário musical vinha se tornando cada vez mais sofisticado (os adolescentes que tinham comprado o primeiro single em 1962 estavam crescendo, afinal…). De 1966 até sua dissolução, The Beatles fizeram seus melhores discos – e alguns dos melhores da história do rock.


Revolver [1966]

Para mim, a obra-prima dos Beatles. Revolver é um relativamente  pouco presente nas coletâneas, mas é recheado de músicas fortes e atraentes que, no todo, fazem dele a melhor coisa que a banda fez. O ataque guitarrístico de “Taxman” mostra que a banda podia fazer rock pesado se quisesse, e a letra de George é tristemente atual. “Eleanor Rigby” traz uma das letras mais tristes de Paul, e sua interpretação vocal acompanhada de um quarteto de cordas é uma das melhores de sua carreira – sou só eu, ou Macca estava tentando reproduzir as harmonias dos Beach Boys? “I’m Only Sleeping” é um pouco arrastada para dar a impressão de sono, com um solo de guitarra ao contrário para reforçar. George traz a primeira música inteiramente “indiana” de sua carreira em “Love You To” – e embora ele tenha gravado outras, nunca a superou. Na sequência, a bela “Here There and Everywhere” explora a veia romântica de Paul, com belo arranjo vocal. Mas aí tem “Yellow Submarine” para nos lembrar que nem tudo é perfeito – os fãs que me perdoem, mas não consigo gostar. Ainda bem que a paulada de “She Said She Said” encerra o lado A nas alturas. O lado B começa com duas músicas apenas medianas, a alegre “Good Day Sunshine” e “And Your Bird Can Sing”, que tem um riff de guitarra insistente e John entusiasmado no vocal, e dá um salto com “For No One”, outra balada melancólica, com arranjo que destaca uma trompa (!) e mais uma bela interpretação vocal de Paul. A divertida “Dr. Robert” coloca o astral lá em cima; uma homenagem a um médico que prescrevia bolinha em NY, é bom exemplo do  senso de humor perverso de John Lennon. Uma sequência perfeita encerra o disco: George apresenta uma inédita terceira música num disco dos Beatles com a ótima “I Want to Tell You”, que aponta para a psicodelia que tomaria o mundo em 1967; Paul canta como um soulman acompanhado de metais em “Got to Get You Into My Life”, uma ode à marijuana que ninguém percebeu na época; por fim, a fantasia insana de “Tomorrow Never Knows” desperta o baterista em Ringo Starr e o viajante em John Lennon. Muitas vezes voltei para o lado A, muitas vezes coloquei o CD no repeat ouvindo Revolver.

Sem álbum novo nos planos (Sgt. Peppers… estava demorando para ficar pronto), a EMI optou por colocar no mercado a antologia A Collection of Beatles Oldies, que é formada sobretudo por músicas que, na Inglaterra, só estavam disponíveis em singles e EPs.


Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band [1967]

Durante décadas, o LP que aparecia em primeiro lugar nas listas de melhores de todos os tempos. Minha opinião? É muito bom, mas não é nem mesmo o melhor do grupo. De Sgt. Peppers … já se falou tanta coisa que eu só posso chover no molhado. Após a introdução com a faixa-título, cheia de efeitos de plateia e arranjo de metais, vem a melhor coisa que Ringo Starr fez na vida, que foi cantar “With a Little Help from My Friends” (mas convenhamos, Joe Cocker fez melhor…). A famosa “Lucy in the Sky With Diamonds” destaca o baixo de Paul, que começou a usar um Rickenbacker para melhorar seu som, pois o velho Hofner era bastante limitado. O baixista comprova a boa forma no instrumento com a otimista “It’s Getting Better”, que mostra o abismo que se cavava entre ele e o parceiro: Macca canta “it’s getting better all the time”, Lennon responde com “can’t get much worse”. Na sequência, “Fixing a Hole” tem seu impacto diminuído por ser parecida com a anterior, e Paul canta a melancólica ao extremo “She’s Leaving Home”, com seu arranjo orquestrado. John retoma a batuta em “Being for the Benefit of Mr. Kite”, espécie de circo psicodélico que acaba não indo a lugar nenhum. No início do lado B, George volta a oferecer uma música indiana em “Within You Without You”, que eu até gosto, mas nem sempre. A leve “When I’m 64” é uma música simpática sobre as agruras de manter um romance depois que se envelhece; composta por Paul, a música nunca foi apreciada por John. “Lovely Rita” é outra música inofensiva, que não se destaca no disco, ainda que não seja ruim. John se sai bem com a divertida “Good Morning Good Morning”, engatando genialmente a cacofonia dos bichos com a primeira nota de guitarra da reprise da faixa-título. O álbum se encerra com a música mais ambiciosa do disco, “A Day in the Life”, uma de suas mais conhecidas – e melhores – músicas. Sgt. Peppers Lonely Hearts Clubs Band foi um álbum revolucionário, mas, em retrospecto, no panorama da época, ele não é tudo isso – e olha que o disco é bom demais.


Magical Mystery Tour [1967]

Lançado na Inglaterra como dois EPs com as músicas do filme para a TV, depois completado com músicas inicialmente disponibilizadas em compactos na edição americana, que se tornaria o padrão para os relançamentos. O disco abre com a faixa-título, uma música que, embora não seja nada especial, é uma das minhas favoritas, e segue com “The Fool on the Hill”, uma bela melodia com um interlúdio instrumental não muito cativante; no todo, ela funciona bem. Duas músicas um tanto estranhas, a instrumental “Flying” (assinada pelos quatro) e “Blue Jay Way”, de George, dão sequência no disco, antes de trazer Paul de volta na alegre “Your Mother Should Know”. Os EPs originais (e o lado A do disco americano) se encerram com a fantástica “I Am the Walrus”, uma das melhores músicas que Lennon fez em toda sua vida, com sua letra incompreensível e sua melodia sinuosa. Depois da alegre “Hello Goodbye”, tem-se as famosas “Strawberry Fields” e “Penny Lane”, belas composições que remetem ao passado dos rapazes em Liverpool. O disco se encerra com a agradável “Baby You’re a Rich Man”, que não se destaca na tracklist, sendo uma música bastante obscura na carreira do grupo, e com “All You Need is Love”, uma música que nunca apreciei muito, embora tenha feito grande sucesso. Magical Mystery Tour é um álbum que fica à sombra de Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, mas sempre gostei muito dele. A edição original em vinil tinha um belo livreto de fotos extraídas de cenas do filme.


The Beatles [1968]

O popular álbum branco, que por muito tempo foi meu disco favorito do grupo (e hoje ainda é top 3 na minha lista). Com 30 músicas, o álbum não permite um comentário faixa por faixa, então vou apresentar os destaques positivos e negativos, e as músicas “nem – nem” (nem boas, nem ruins):

 Positivos: “Back in the USSR”, “Dear Prudence”, “Glass Onion” (e sua letra tirando sarro dos intérpretes do trabalho do grupo), “While My Guitar Gently Weeps” (com solo magistral de Eric Clapton), “Happiness is a Warm Gun”, “Martha My Dear”, “I’m So Tired” (Lennon sonolento como em “I’m Only Sleeping”, mas a música é melhor), “Blackbird” (Macca no seu melhor), “I Will”, todo o lado 3 – a divertida “Birthday”, “Yer Blues” e sua homenagem a John Mayall, “Mother Nature’s Son” (linda balada de Paul) “Everybody’s Got Something to Hide Except for Me and my Monkey” (ótimas guitarras de John e George), “Sexy Sadie”, “Helter Skelter” (um proto-heavy metal), “Long Long Long”, e finalmente “Savoy Truffle” (que George escreveu para Eric Clapton, que adorava doces), “Cry Baby Cry”.

 Negativos: “Ob-La-Di, Ob-La-Da” (alegre e inconsequente, mas boba demais para meu gosto), “Wild Honey Pie” (uma vinheta de Paul, sem qualquer atrativo), “Rocky Raccoon” (outra tolice de Paul), “Revolution 1” (a versão do
compacto é muito melhor), “Revolution 9” (pura perda de tempo, metida a “música concreta”), “Good Night” (cafona ao extremo…).

 “Nem-Nem: “The Continuing Story of Bungalow Bill” (com direito a Yoko cantando um verso!), “Piggies” (a letra é ótima, mas a música nem tanto), “Don’t Pass Me By” (Ringo assinando sozinho uma música pela primeira vez), “Why Don’t We Do It in the Road?” (muita gente acha-a ridícula, mas eu gosto…), “Julia” (homenagem de Lennon à sua mãe, infelizmente uma música um pouco simples e repetitiva), “Honey Pie” (jazz dos anos 30 feito por quem
não sabia fazê-lo, simpático, mas nada além disso).

No balanço, 18 músicas que variam do bom ao muito bom, 6 razoáveis, 6 que não aprecio; para um álbum duplo, um saldo bem positivo. Lennon disse que não havia música dos Beatles lá, somente John, Paul, George e Ringo acompanhados (ou não) dos outros; e, para ele, gravar assim foi uma ótima experiência.


Yellow Submarine [1968]

Este o famoso disco a ser comprado para completar a coleção (toda banda tem pelo menos um). Com duas músicas recicladas de álbuns anteriores (a faixa-título e “All You Need is Love” – e eu não gosto de nenhuma), mais quatro sobras de gravação que a banda ia jogar fora, o álbum original se completa com música incidental composta e orquestrada por George Martin extraída do desenho animado (o resultado disso é que os LPs nas lojas de usados estavam bem malhados no lado A e quase virgens no B…). Das músicas novas, “Hey Bulldog”, de John, é a melhor, um rock pesado para o padrão Beatles, com uma letra que não fala nada em buldogues – por isso acrescentaram alguns latidos ao final. George compôs duas músicas, “It’s Only a Northern Song”, uma crítica à indústria musical (e à indústria Beatle propriamente dita), música bem interessante que junto com “Hey Bulldog” acaba salvando o disco; a outra, “It’s All Too Much” é apenas razoável, longa demais para suas poucas ideias musicais. Por fim, tem-se “All Together Now”, uma música bem flower power que pouco acrescenta ao disco e ao grupo em geral. Em 1999, quando foi relançado, o CD incluiu todas as músicas do desenho, mas não as orquestradas. Essa versão é melhor para quem queira uma antologia bem razoável do grupo, mas não substitui o original para os colecionadores (ideal seria ter incluído o antigo lado B do disco no final dessa reedição, pois tinha lugar).


Abbey Road [1969]

Uma das melhores coisas que a banda fez em toda a sua carreira e, cronologicamente falando, o último disco gravado pelo grupo. A abertura com “Come Together” mostra que Paul sabia tocar um baixo fenomenal quando queria – e rendeu um processo a John, que copiou dois versos de Chuck Berry. “Something”, na sequência, é uma bela e triste balada romântica de George, uma de suas músicas mais famosas. Na sequência, Paul interpreta “Maxwell’s Silver Hammer”, uma de suas composições mais fracas enquanto um Beatle, com um sintetizador proeminente e Ringo tocando uma bigorna; outra de Paul, “Oh Darling”, é bem melhor, uma balada soul que traz uma interpretação vocal meio exagerada, mas impressionante. Ringo assina sozinho e interpeta “Octopus’ Garden”, uma música leve e despretensiosa que traz boas guitarras de John e George. O lado se encerra com a bizarra e repetitiva “I Want You (She’s So Heavy)”, de John. O lado B, curiosamente, é melhor, ainda que formado praticamente só por fragmentos de músicas, abrindo com minha música favorita de George, “Here Comes the Sun”. “Because”, de John, traz um arranjo vocal fantástico. Paul volta ao spotlight com “You Never Give Me Your Money”, fusão de quatro trechos de músicas que ele nunca completou – e que se completam à perfeição. A letra de “Sun King” mistura idiomas sem fazer sentido, uma brincadeira de John que acaba funcionando. Dois bons fragmentos de John, “Mean Mr. Mustard” e “Polythene Pam” (com seu vocal com sotaque exagerado de propósito), mantêm o álbum interessante, e daí em diante, o show é todo de Paul: de “She Came in Through the Bathroom Window” a “The End”, é tudo coisa sua, e, cá entre nós, poucas vezes ele fez algo que se comparasse com essas pequenas músicas. Abbey Road teria sido um fechamento melhor para a carreira do grupo, mas quis o destino que Let it Be fosse lançado posteriormente.

Em fevereiro de 1970, a Capitol lançou nos EUA uma coletânea com músicas de compactos, Hey Jude, que não saiu na Inglaterra e, após o final da década de 80, saiu de catálogo. Se você tem uma cópia em vinil ou o CD, provavelmente vale uns trocados bons; as músicas estão todas disponíveis em outras antologias.


Let it Be [1970]

O disco que fez o sonho acabar. McCartney não suportava Yoko e por isso John não queria papo com ele. George estava de saco cheio de Paul, que não aguentava as limitações de Ringo como baterista. E Ringo não queria discutir com ninguém e acabou ficando meio à margem do resto. Verdade seja dita, o disco está muito aquém do que a banda vinha fazendo, cheio de orquestrações de Phil Spector e com poucas músicas realmente boas gravadas no telhado do edifício da Apple. Uma versão sem orquestrações foi lançada como Let it Be… Naked, mas isso é assunto para depois. O disco tem músicas muito boas, como a faixa-título (apesar de muito desgastada pelo excesso de repetições), “Get Back” (mas gosto mais da versão do single), “I’ve Got a Feeling” e “For You Blue” (com boa pedal steel guitar tocada por John), um bocado de músicas apenas razoáveis, como “Two of Us” (agradável, mas abaixo do padrão dos Beatles), “One After 909” (que também foi citada no processo contra Lennon, o do plágio de Chuck Berry), “Dig a Pony” (a introdução é muito legal, mas a música não lhe faz jus), “The Long and Winding Road” (destruída pela produção de Spector) e as vinhetas “Dig It” e “Maggie Mae”. O álbum se completa com duas músicas que não tem jeito de eu gostar: “Across the Universe” (prejudicada pela produção, é verdade, mas nem mesmo David Bowie conseguiu fazê-la soar bem) e “I Me Mine” (George não estava nos seus melhores dias, apesar da boa letra).

No mesmo ano de 1970, tivemos McCartneyPlastic Ono Band e All Things Must Pass, três discos bem superiores a este anêmico Let it Be; claro, teve a estreia solo do Ringo também, mas, como não tenho o disco, não vou comentar. Mês que vem, a terceira e última parte.


Discografia Comentada – The Beatles (Parte I)

 

Discografia Comentada – The Beatles (Parte I)

 Quatro Cabeludos de Liverpool, a banda que mudou para sempre o rock’n’roll: The Beatles. De outubro de 1962 a abril de 1970, The Beatles foram indisputavelmente a maior banda do mundo: a de maior sucesso, a mais elogiada pelos críticos (“Lennon e McCartney são os maiores compositores desde Beethoven!”), a mais adorada pelos fãs. E até hoje são influentes, seja pela música, seja pelo impacto cultural, e continuam embalando gerações. Mas a verdade é que até Rubber Soul, o grupo fazia basicamente um pop muito bem elaborado, que pode ser visto simultaneamente como genial e como nada de mais, dependendo do seu humor (eu mesmo, que gosto muito deles, oscilo entre esses extremos).

Em primeiro lugar, um esclarecimento: sempre que me fizeram a pergunta “Beatles ou Rolling Stones?”, minha resposta nunca mudou e sempre apontou o quinteto de Mick Jagger e Keith Richards. A razão é simples: os Stones nunca tiveram o mesmo talento de Lennon e McCartney (e num grau menor, de Harrison) para compor e arranjar músicas que grudam na cabeça do ouvinte, mas sempre tiveram uma veia mais rocker, mais direta, que eu aprecio mais. E embora eu já não goste tanto dos Beatles como um dia gostei (diferentemente dos Stones), ao ouvir novamente a discografia da banda em sequência (algo que fizera pela última vez uns dez anos atrás), eu me surpreendi com o fato de que lembrava de praticamente cada música como se tivesse ouvido no dia anterior. Ponto para os rapazes de Liverpool…

Em segundo lugar, essa discografia irá se concentrar nos lançamentos britânicos, com apenas uma exceção: Magical Mystery Tour – que virá na segunda parte – irá ser comentado com base no lançamento americano, que na década de 70 se tornou o padrão. Sobre coletâneas e lançamentos póstumos, faremos um artigo posterior, se houver demanda popular. Em terceiro lugar, essa discografia comentada foi escrita sob o ponto de vista de um fã do grupo, não de um fanático. Lembro-me de ter que aguentar gente dizendo que uma idiotice como “Yellow Submarine” era uma obra-prima – e mesmo quando o grupo estava no meu top 3 de bandas favoritas eu não a suportava – e isso para mim não dá. Então, se eventualmente eu for meio duro com seu disco favorito do grupo, a culpa não é minha, é sua…


Please Please Me (1963)
Após os primeiros compactos de sucesso, The Beatles entraram em estúdio para registrar um LP em 11 de fevereiro de 1963, e em 22 de março o álbum foi lançado. E é um ótimo álbum de estreia; logo de cara temos um One Two Three Four e Paul cantando o delicioso rock “I Saw Her Standing There”. Ele e John levam juntos a cinquentista “Misery”, curtinha e inconsequente, e na sequência temos a primeira cover do álbum, a baladinha “Anna”, de Arthur Alexander, que John canta com backings de George e Paul, uma música inocente com um clima bem de transição da década de 50 para a de 60. Outra cover, “Chains” (Goffin-King), traz Lennon, McCartney e Harrison dividindo os vocais, com curtos trechos em que o garoto Harrison (pouco mais de 19 anos) faz o vocal solo. Ringo tem seu momento de starr em “Boys”, terceira cover do álbum, um rockinho animado com a cara do baterista, com direito a solo de guitarra de George e harmonia dos outros três. Duas composições de Lennon e McCartney, “Ask Me Why” e “Please Please Me” encerram o lado A; se a primeira não é nada de mais (uma baladinha bem anos 50 cantada por John), a segunda é uma das mais famosas do disco e traz Lennon na harmônica, um instrumento que ele abandonaria quase completamente. O lado B abre com outras duas músicas bastante famosas, “Love Me Do” e “PS I Love You”; Ringo foi colocado na percussão para Andy White tocar a bateria por exigência de George Martin, que não o tinha em alta conta. Paul é o vocalista principal nas duas, pois John estava nervoso demais para gravar o vocal solo. John assume o vocal na cover para “Baby It’s You”, e George é o romântico de plantão em “Do You Want to Know a Secret”, um rock leve e tolinho que deve ter derretido os corações de muitas gatinhas da época. Paul tem o melhor desempenho vocal do disco em “A Taste of Honey”, outra cover, e os dois compositores dividem “There’s a Place”. Tudo acaba com a versão sensacional para “Twist and Shout”, séria candidata a melhor cover gravada pelo grupo em sua existência.


With the Beatles (1963)
Lançado em novembro do mesmo ano, o álbum é basicamente mais do mesmo: oito músicas originais e seis covers. O problema é que não tem uma “I Saw Her Standing There” entre as primeiras nem uma “Twist and Shout” entre as últimas. Começando com “It Won’t Be Long” e dando sequência com “All I’ve Got to Do”, o disco demora a engrenar: só com a terceira, “All My Loving”, que a coisa realmente esquenta; a música é uma perfeita representação dos primeiros anos do grupo, com a letra inocentemente romântica, as guitarras leves, a batida discreta de Ringo, e os vocais bem cuidados de Macca, Lennon e Harrison na harmonia. George estreia como compositor em “Don’t Bother Me”, cujo clima é bem diferente das outras, meio misterioso, com Ringo tocando um bongô árabe que encontrou num canto do estúdio. O alegre rock “Little Child” é uma das melhores músicas deste disco. John toca harmônica quase do início ao fim (a única música do disco com sua gaita), e gravou o vocal solo em overdub. O baladeiro Paul canta “Till There Was You”, primeira cover do disco, e praticamente unplugged. “Please Mr. Postman”, outra cover, é mais uma música inofensiva e leve, perfeita para fazer as garotinhas dançarem. O lado B começa com a fraca versão para o clássico “Roll Over Beethoven”, que devia ter sido cantada por John e não por George, e segue com uma inesperada mancada: Paul canta desafinado em “Hold Me Tight”, coisa de que ele sempre se queixou. Mas a boa cover para “You Really Got a Hold on Me” bota o disco nos eixos de novo; Ringo canta “I Wanna Be Your Man” – e esta, junto com “Money”, que encerra o álbum, demonstra a inferioridade dos Beatles em relação aos Stones quando se trata de rock puro e simples. O disco ainda inclui a medonha “Devil in Her Heart”, de autoria de um tal Richard Drapkin, forte candidata ao título de pior música gravada pelo grupo, e a obscura “Not a Second Time”, uma das músicas menos badaladas deles. Em suma, With the Beatles, para mim, seria o pior disco oficial dos Beatles se na discografia do grupo não existisse o fraquíssimo Yellow Submarine.


A Hard Day’s Night (1964)
Primeiro álbum inteiramente composto por Lennon e McCartney, começa com a animada faixa-título, um de seus destaques e hit absoluto; o mesmo clima alegre contagia “I Should Have Known Better”, com Lennon na harmônica e vocal principal. “If I Fell” é a primeira baladinha do LP, com um belo dueto de Lennon e McCartney, arranjo baseado nos violões e uma letra perfeita para as fãzinhas do grupo gritarem histericamente. “I’m Happy Just to Dance With You” traz George Harrison no vocal; diferentemente do álbum anterior, George não teve nenhuma composição gravada aqui e teve que se contentar com uma música meio sem graça para cantar. Na sequência, “And I Love Her”, com belo vocal de Macca numa das mais belas baladas da primeira metade da carreira do grupo. “Tell Me Why” é, novamente, mais animada e traz a harmonia vocal de Lennon, McCartney e Harrison; a introdução faz pensar numa música mais rocker, mas o que se tem é o padrão típico dos Beatles. O megahit “Can’t Buy Me Love” encerra o lado A em alto nível. O lado B não é tão bom, com músicas até mesmo obscuras para uma banda do porte dos Beatles; “Anytime at All” é boa, com o vocal rasgado de Lennon ganhando destaque, mas “I’ll Cry Instead” é uma bobagem meio country que devia ter sido cantada por Ringo e não por John. “Things We Said Today” é a melhor música do lado B, uma balada meio dramática com Paul no vocal principal; “When I Get Home”, por outro lado, é totalmente esquecível, e o disco se encerra com duas boas músicas, a rocker “You Can Do That” e a balada “I’ll Be Back”. Se você não tem ideia do que era a Beatlemania, A Hard Day’s Night – o filme e o disco – é a melhor definição que conheço. A versão americana tem apenas doze faixas, e quatro delas são versões orquestradas que aparecem no filme – e a brasileira trazia o glorioso título Os Reis do Iê-Iê-Iê.


The Beatles for Sale (1964)
A EMI queria um disco para o Natal, e como a banda não tinha material para um LP, voltou à fórmula de oito originais, seis covers, dos dois primeiros discos. Lembro-me de, antes de ouvir o disco, ter lido numa revista sobre o grupo que este era o pior deles. Nada mais distante da verdade; para mim, For Sale não perde para os anteriores, ainda que de fato comece meio fraquinho, pois “No Reply” não é lá essas coisas, mas “I’m a Loser” é uma pequena pérola meio escondida no disco; o cansaço na voz de John é nítido (a banda fizera dezenas de shows, divulgava o filme, gravava músicas exclusivas para compactos). “Baby’s in Black” tem uma guitarra proeminente de George e o dueto de John e Paul é curioso, com John bastante animado e Macca apenas acompanhando. O que vem a seguir é incendiário: a cover para “Rock’n’Roll Music” é uma das melhores covers que a banda gravou. “I’ll Follow the Sun” é outra das baladas bonitinhas de Macca, que traz seu melhor desempenho vocal no disco. Outra cover, o medley “Kansas City/Hey Hey Hey Hey” é um rock’n’roll arrasador (mas antes dele você tem que aturar a horrível “Mr. Moonlight”), e quando você virava o lado B, recebia a monumental “Eight Days a Week”, uma das melhores músicas de toda a carreira deles. Duas covers na sequência: “Words of Love” (de Buddy Holly) é meio tola, mas o dueto vocal é bonito e a marcação de palmas é simpática; Ringo volta a ganhar um vocal solo em “Honey Don’t” (Carl Perkins), um rock/country como sua preferência da época, inofensivo e divertido. Um trio de originais, “Every Little Thing” (que o Yes reinventou posteriormente), “I Don’t Want to Spoil the Party” e “What You’re Doing” mantêm o clima agradável do disco, que termina com George cantando mais uma de Perkins, “Everybody’s Trying to be My Baby”, outro rock’n’roll cinquentista que encerra um disco leve, nada revolucionário, mas gostoso de ouvir.


Help! (1965)
Trilha sonora do segundo filme da banda, Help! é o último disco dos Beatles a trazer covers e o primeiro a apresentar duas composições de George Harrison. Contendo sete músicas apresentadas no filme, mais sete novas gravações (no LP britânico) e cinco instrumentais da trilha sonora (na versão americana), Help! é o primeiro álbum do grupo que busca tirar proveito das técnicas de estúdio para mudar um pouco o som. Os rapazes de Liverpool estavam evoluindo rápido, e sua música reflete essa evolução. A faixa-título sempre foi criticada por John, que não gostava do ritmo acelerado e preferia tê-la gravado como balada, mas é um dos grandes clássicos do disco. E se “The Night Before” não se destaca (mas também não compromete), “You’ve Got to Hide Your Love Away” é fantástica (em especial pela voz de John), apesar de seu arranjo bem simples. George traz “I Need You”, uma música agradável, em especial pela guitarra dele; “Another Girl” e “You’re Going to Lose that Girl” remetem aos discos anteriores, e na sequência temos “Ticket to Ride”, outro clássico incontestável, que traz Paul na guitarra solo, que já aponta para o trabalho mais elaborado do futuro. Ringo abre o lado B com a cover para “Act Naturally”, que segue a veia mais country da maior parte de suas contribuições (o ritmo reaparece em “I’ve Just Seen a Face”, desta vez com Paul no vocal), e George volta ao spotlight com “You Like Me Too Much” (que também remete aos discos anteriores). Lennon e McCartney gravaram vocal solo na maior parte das músicas, mas harmonizam em “Tell Me What You See” (uma música infelizmente esquecida pela maioria dos ouvintes ocasionais). Paul transforma “Yesterday” em uma faixa solo, cantando e se acompanhando no violão com acompanhamento de cordas; a música mais regravada de todos os tempos já está bem batida, mas é uma bela balada de qualquer jeito. John tem duas boas performances em “It’s Only Love” e a rocker “Dizzy Miss Lizzy” (cover de Larry Williams), com guitarras surpreendentemente pesadas para uma música dos Beatles. Help! é um bom disco – mas a banda faria coisa muito melhor logo depois e por isso acaba ficando meio esquecido.


Rubber Soul (1965)
O álbum que demonstrou que os Besouros podiam voar mais alto. Os primeiros acordes de guitarra que introduzem “Drive My Car” já mostravam que os Beatles estavam mudando – e para melhor. “Norwegian Wood” é bonita, e ficou famosa pela cítara, que levou John a reclamar que os Stones copiavam o que eles faziam, por terem colocado uma em “Paint it Black” (mas, cá entre nós, Brian Jones fez um uso bem melhor do instrumento). “You Won’t See Me” é uma pérola pop que gruda na sua cabeça; Paul em sua melhor forma. John não deixa barato e traz mais uma música fantástica, “Nowhere Man”. A sequência seguinte não é muito marcante, pois “Think for Yourself” (com o baixo distorcido, cheio de fuzz, de Paul) e “The Word”, embora boas, ficam um pouco abaixo das quatro primeiras. O lado A encerra bem com a bonita “Michelle”, com Paul arranhando o francês. Nem tudo são flores, entretanto. Virando para o lado B, você tem que aguentar a primeira composição do grupo com assinatura de Ringo (em parceria com John e Paul), “Act Naturally”, outra música na veia country do baterista, e completamente desnecessária, e no final, tem-se a letra misógina e violenta de “Run For Your Life”, que John se arrependia profundamente de ter escrito. Em compensação, no meio delas temos a boa “Girl”, dramaticamente interpretada por John, que também interpreta a linda “In My Life”, outra balada fantástica da banda; George Harrison escreveu e cantou “If I Needed Someone”, outra música acima da média, comprovando seu crescimento como compositor. “I’m Looking Through You” e “Wait” não são muito especiais, mas não prejudicam o disco. “Rubber Soul” é, na minha opinião, o primeiro disco dos Beatles que pode realmente entrar numa lista de “melhores de todos os tempos” – mas viria coisa melhor depois.

Em agosto, trago a segunda parte desta Discografia, com  os álbuns na fase pós-Revolver.


Red Hot Chili Peppers – The Getaway (2016)

 


O que pode ainda motivar uma banda que anda na estrada há mais de 30 anos, já teve todo o sucesso comercial que poderia esperar e até já entrou no Rock n’ Roll Hall of Fame? Essa é uma das perguntas para as quais procuramos resposta a cada disco novo dos Red Hot Chili Peppers.

Agora, com o fresquíssimo The Getaway, há várias novidades, talvez ajudando os rapazes a encontrar alguns caminhos novos de fazer o mesmo de sempre. Acima de tudo, há mudanças na cadeira de produtor: sai o histórico Rick Rubin, entra Danger Mouse, o que acaba por influenciar, sempre, a forma de compor e, sobretudo, de gravar.

De facto, temos aqui um disco diferente em termos de produção, em termos de tom geral. São os Chili Peppers mais domados, mais “normalizados”, menos distintivos do que habitualmente. Em grande, medida, o funk-rock que é a imagem de marca destes cinquentões, dá aqui lugar um som mais pop, mais limado, aproximando-se por vezes daquele campeonato pop-soul de coisas como os Maroon 5. Aquilo que salva tudo, obviamente, é que os RHCP são um portento instrumental, com a secção rítmica sempre em grande forma, o guitarrista Josh Klinghoffer cada vez mais confiante e aquele timbre sempre inconfundível de Anthony Kiedis. Pode ser, em certa medida, o álbum dos Chili Peppers que soa menos a Chili Peppers, mas ainda assim a personalidade da banda – há muito afirmada – consegue sobressair.

The Getaway é um disco que, ao contrário de alguns outros da banda, não tem grandes altos nem grandes baixos. Parece ser, às primeiras audições, um álbum bastante equilibrado e que, como tal, pode vir a crescer lentamente. Faltam aquelas malhas gigantes de outros tempos, certo, mas ainda assim, há alguns destaques óbvios: o tema homónimo que abre o disco, uma boa malha, tensa mas pop, que até acaba por servir bem de cartão de visita de todo o álbum; o single “Dark Necessities”, que ilustra este novo som dos Red Hot num tema bastante orelhudo e que conta com o incrível baixo de Flea em todo o seu esplendor; e ainda “Go Robot”, o tema mais interessante de todos. Este, uma canção pulsante de ritmo e groove, ganha vida com uns discretos sintetizadores, abrindo a paleta daquilo a que os Red Hot nos haviam habituado. Um tema contagiante, em crescendo, que só peca por uma coisa: já acima dos quatro minutos, com os refrões despachados, abre-se um espaço enorme para uma jam quase espacial em cima da guitarra e dos sintetizadores, mas a banda dá-nos apenas alguns segundos dessa saborosa viagem, e depois acaba com a música. Um crime musical, que podia ter levado um óptimo tema ainda mais longe.

Depois de terem feito enormes discos de funk (Blood, Sugar, Sex, Magik, de 1991), um dos melhores discos de puro rock dos anos 90 (One Hot Minute, de 1995) e terem reinado enquanto gigante banda de estádio (Californication, de 1999, ou Stadium Arcadium, de 2006), os Red Hot fazem agora o álbum mais pop (não sem algum negrume) da sua carreira. Na nossa opinião, faltaria mais algum risco, alguma imprevisibilidade, algum rasgo que pudesse elevar The Getaway para mais perto dos melhores discos da banda. Assim, ficamos “apenas” com um disco de pop muito bem feito, muito bem executado e com o groove que sempre esperamos destes veteranos.


The Avalanches – Wildflower (2016)

 

Minor Victories – Minor Victories (2016)

 

Benjamin Biolay – Palermo Hollywood (2016)

 

Retimbrar – Voa Pé (2016)

 

Destaque

Geraldo Azevedo – De Outra Maneira

  Colaboração do Arlindo Um lindo disco do Geraldo Azevedo . Destaque para “ Chorando e Cantando ”; e para “ Dona da Minha Cabeça ”, ambas d...