terça-feira, 8 de novembro de 2022

DEEP PURPLE NO CAMPO PEQUENO: LONGA É A VIDA DO ROCK & ROLL

 

Casa cheia para receber a instituição britânica. Nota introdutória: é assim que se faz.

Noite de ovação ao rock e às suas propriedades catárticas que espevitam qualquer um mesmo a um domingo à noite. Ovação ao rock, com selo histórico, feito de exuberantes manobras nos instrumentos e de solos prolongados e riffs robustos irrepreensíveis.

A noite foi assim. Foi comandada pelos "ruidosos" e históricos Deep Purple - instituição (formada em 1968) que chegou a figurar no Guinness como a banda que tocava o som mais alto ao vivo e considerada um dos vértices do triângulo, conhecido como a "santa trindade do hard rock e heavy metal britânico" - posição muito honrada que cimentou ao lado dos Led Zeppelin e dos Black Sabbath. 

Antes da entrada em palco dos Deep Purple, atuaram os Urock. O sexteto, que tem fortes ligações a Portugal, abriu a noite com uma declaração de franca dedicação ao rock & roll. O set aqueceu a sala e todos os que ali estavam à espera dos Deep Purple. O quinteto apareceu cerca de uma hora depois, o tempo necessário para a arena ficar apinhada de gente. Sala esgotada para a masterclass que veio a seguir. 

O grupo inglês chegou a Lisboa com "Whoosh!", disco que veio ao mundo em 2020, mas o périplo foi por glórias discográficas com mais idade - sobretudo por "Machine Head", que este ano celebra 50 anos. Contámos seis do disco de 1972. A honrar a pontualidade britânica, os veteranos subiram ao palco à hora marcada. Eram 21h00. No ecrã gigante, estavam as caras dos cinco, lado a lado, esculpidas em pedra, a lembrar o álbum "Deep Purple In Rock" (de 1970). Ian Gillan (voz), Ian Paice (bateria), Roger Glover (baixo), Don Airey (teclas) e Simon McBride, que muito recentemente substituiu Steve Morse à guitarra, estavam prontos para a lição. A plateia também. 

A acelerada 'Highway Star' abriu o alinhamento. Aposta ganha na casa da partida, com a faixa que abre o disco "Machine Head". A malha energizou o público assim que se propagou pela sala e não demorou até que a voz do sorridente e conversador Ian Gillan se espalhasse também, sem grandes contemplações, pela arena. 

Transição direta para 'Pictures of Home', também do disco de 1972, e mais uma para puxar pela voz do frontman do grupo que não se acanhou na hora de gritar. Fê-lo sempre com a classe e o charme de um cavalheiro que, nas partes instrumentais, se recolhia para dar espaço aos colegas de palco. Com alguma ironia, 'No Need To Shout' [Não é Preciso Gritar], saída do álbum mais recente, veio a seguir na ordem do alinhamento que se estendeu por hora e meia.

set foi sendo pincelado, amiúde, com as novidades, como a mais lenta 'Nothing at All', que foi ouvida depois. As novidades foram bem acolhidas pelo público que os Deep Purple tinham aos pés, mas os clássicos é que meteram os braços dos que ali estavam no ar. Os clássicos e os solos. Como o de Simon McBride, que, magnificamente, manuseou a guitarra debaixo de quatro fios de luz cruzados, enquanto o público escutava em absoluto silêncio. A proeza antecipou 'Uncommon Man'. Foi também nesta altura que o coletivo prestou homenagem ao músico Jon Lord, um dos elementos da classe de 68 dos Deep Purple, falecido em 2012.

'Lazy - outra de "Machine Head" - ofereceu um rodízio de virtuosismos de todos os músicos que estavam em cena. Cada instrumento que chega às mãos dos Deep Purple tem um ciclo de vida de próprio, uma narrativa. Assistimos a esses ciclos num estado de absoluta contemplação só quebrado pela vontade de exultar o que estamos a ver. 'Lazy' antecipou o belo (e trágico) 'When a Blind Man Cries'. O mergulho foi profundo no blues-rock, uma submersão conduzida pelo choro da guitarra e da qual emergimos com a garra de Ian Gillan quando segurou na voz as últimas palavras.

'Anya' veio antes do brilharete do simpático Don Airey nas teclas, que presenteou o público com um medley versátil o suficiente para incluir, por exemplo, o fado 'Coimbra', cantado, em uníssono, por toda a sala. A odisseia sonora de 'Perfect Strangers' veio logo depois e, já perto do final, soltou-se o indomável 'Space Truckin'. As vozes do público acompanhavam, eufóricas, a voz de Gillan que ia orquestrando, de braços erguidos, os milhares que tinha à frente. 

Antes do encore, Simon McBride, de guitarra nos braços, chegou-se à frente para um dos momentos mais esperados da noite: o riff de 'Smoke On The Water'. O tema serviu de mola para meter telemóveis e braços no ar, dada a urgência da captação imediata do momento. 

E eis que chegou o encore. A multidão, das mais variadas idades, aplaudiu, de forma efusiva, o regresso do quinteto ao palco. Ainda se ouviram dois clássicos e um solo de baixo, cortesia de Roger Glover. Seguiu-se a primordial 'Hush', versão que os Deep Purple tocaram pela primeira vez em 1968, e logo a seguir 'Black Night', com os instrumentos desvairados e em comunhão (apoteótica) com o público. 

Foi a noite dos Deep Purple em Lisboa. Eles que brilham, sem perigo de se extinguirem, na cosmologia do rock.

 


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