O Acesso Bloqueado
Sérgio Godinho
Adivinhar o futuro
É muito duro, é muito duro
Sai sempre o cálculo furado
Adivinhar o passado
É mais seguro, é mais seguro
Se bem que às vezes também sai errado
Mas entre o deve e o haver
Entre o deve e o haver sempre pões algum de lado
Deve ser descontrolado
Agora adivinhar o presente
Mesmo se fosses vidente
Isso é que é mais complicado
Tem o acesso bloqueado
Tem o acesso bloqueado
Tem o acesso bloqueado
Tem o acesso bloqueado
Dar de barato o futuro
É prematuro, é prematuro
Mas foi tudo mal contado
Deixaste o fruto do passado
Ficar maduro, ficar maduro
E agora podre por não ser usado
Mas entre fazer e não fazer
Entre fazer e não fazer sempre sobra algum bocado
Crédito mal amparado
Agora adivinhar o presente
Mesmo tão inteligente
Isso ficas todo baralhado
Tem o acesso bloqueado
Tem o acesso bloqueado
Tem o acesso bloqueado
Tem o acesso bloqueado
Estás à beira do limite
Agora ri-te, agora ri-te
Vaticínio reservado
Vais ter que arranjar mais dador
Mesmo acessor, mesmo acessor
Para o destino não passar ao lado
Mas entre o ser e o parecer
Entre ser e o parecer não escolhas o espelho errado
Dos de vidro prateado
Agora adivinhar o presente
Mesmo tão clarividente
Isso estás mais entalado
Tem o acesso bloqueado
Tem o acesso bloqueado
Tem o acesso bloqueado
Tem o acesso bloqueado
O Baú De Sigmund Freud
Sérgio Godinho
A religião é uma maneira de explicar tudo
o surrealismo é uma maneira de não explicar nada
entre a prece e a charada
há-de haver uma outra estrada
que eu ainda hei-de
percorrer
(isto disse o doutor Freud )
Não nego que olhar pra dentro
não digo que olhar pró ego
não desmanche o fingimento
não faça ver quem é cego
Mas que trabalho, que canseira (não há maneira)
nos salões do inconsciente
há baús de tantas cores
tanto pó por sobre as dores
tanto dos nossos insides
que nos sai desnaturado
Eu sei, eu sei, Freud explica
o b-a-bá do baú
mas
se eu fosse a, ti Segismundo
não teria vindo ao mundo
pra nos fazer vir a nós
que quem quiser vir a si
vai ter que abrir o baú
Outro dia levantei-me tão bem disposto
até o espelho sorria ao olhar para o meu rosto
deitei-me logo outra vez
há que ser poupado e parco
pra não lhe perder o gosto
pra não afundar o barco
Tanta cobrança afectiva
vinda a boiar do passado
fica um sujeito á deriva
sem saber do que é culpado
Mas que trabalho, que canseira...etc
Eu sei, eu sei, Freud explica...etc
O cobarde é uma pessoa que foge pra trás
o herói é uma pessoa que foge prá frente
em maior ou menor grau
todos nós fugimos ao
medo que faz o cobarde
medo que faz o valente
O certo é que quando te olhas
te entregas à introspecção
nem que seja a saca-rolhas
(passa o vulgar da expressão)
Mas que trabalho, que canseira...etc
Eu sei, eu sei, Freud explica...etc

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