segunda-feira, 7 de novembro de 2022

POEMAS CANTADOS DE SÉRGIO GODINHO

O Acesso Bloqueado

Sérgio Godinho

 

Adivinhar o futuro

É muito duro, é muito duro

Sai sempre o cálculo furado

Adivinhar o passado

É mais seguro, é mais seguro

Se bem que às vezes também sai errado


Mas entre o deve e o haver

Entre o deve e o haver sempre pões algum de lado

Deve ser descontrolado

Agora adivinhar o presente

Mesmo se fosses vidente

Isso é que é mais complicado

Tem o acesso bloqueado

Tem o acesso bloqueado

Tem o acesso bloqueado

Tem o acesso bloqueado


Dar de barato o futuro

É prematuro, é prematuro

Mas foi tudo mal contado

Deixaste o fruto do passado

Ficar maduro, ficar maduro

E agora podre por não ser usado


Mas entre fazer e não fazer

Entre fazer e não fazer sempre sobra algum bocado

Crédito mal amparado

Agora adivinhar o presente

Mesmo tão inteligente

Isso ficas todo baralhado

Tem o acesso bloqueado

Tem o acesso bloqueado

Tem o acesso bloqueado

Tem o acesso bloqueado


Estás à beira do limite

Agora ri-te, agora ri-te

Vaticínio reservado

Vais ter que arranjar mais dador

Mesmo acessor, mesmo acessor

Para o destino não passar ao lado


Mas entre o ser e o parecer

Entre ser e o parecer não escolhas o espelho errado

Dos de vidro prateado

Agora adivinhar o presente

Mesmo tão clarividente

Isso estás mais entalado

Tem o acesso bloqueado

Tem o acesso bloqueado

Tem o acesso bloqueado

Tem o acesso bloqueado


O Baú De Sigmund Freud

Sérgio Godinho

 

A religião é uma maneira de explicar tudo

o surrealismo é uma maneira de não explicar nada

entre a prece e a charada

há-de haver uma outra estrada

que eu ainda hei-de

percorrer

(isto disse o doutor Freud )


Não nego que olhar pra dentro

não digo que olhar pró ego

não desmanche o fingimento

não faça ver quem é cego


Mas que trabalho, que canseira (não há maneira)

nos salões do inconsciente

há baús de tantas cores

tanto pó por sobre as dores

tanto dos nossos insides

que nos sai desnaturado


Eu sei, eu sei, Freud explica

o b-a-bá do baú

mas

se eu fosse a, ti Segismundo

não teria vindo ao mundo

pra nos fazer vir a nós

que quem quiser vir a si

vai ter que abrir o baú


Outro dia levantei-me tão bem disposto

até o espelho sorria ao olhar para o meu rosto

deitei-me logo outra vez

há que ser poupado e parco

pra não lhe perder o gosto

pra não afundar o barco


Tanta cobrança afectiva

vinda a boiar do passado

fica um sujeito á deriva

sem saber do que é culpado


Mas que trabalho, que canseira...etc


Eu sei, eu sei, Freud explica...etc


O cobarde é uma pessoa que foge pra trás

o herói é uma pessoa que foge prá frente

em maior ou menor grau

todos nós fugimos ao

medo que faz o cobarde

medo que faz o valente


O certo é que quando te olhas

te entregas à introspecção

nem que seja a saca-rolhas

(passa o vulgar da expressão)


Mas que trabalho, que canseira...etc

Eu sei, eu sei, Freud explica...etc

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