“Destroyer” é fruto, sobretudo, da ambição do Kiss. Após tanto perrengue, os caras finalmente haviam conquistado sucesso com seu trabalho anterior, o revolucionário ao vivo “Alive!” (1975). Em vez de se contentarem e repetirem a fórmula, quiseram dar um passo além.
Após tanto perrengue, o Kiss finalmente havia conquistado sucesso com o revolucionário ao vivo “Alive!” (1975). Em vez de se contentarem e repetirem a fórmula, os músicos quiseram dar um passo além em “Destroyer”, que é fruto, sobretudo, da ambição dos envolvidos.
Deu certo. O quarto álbum de estúdio da banda amplificou sua popularidade, ainda que aos trancos e barrancos, e mostrou que dava para fazer um som diferente dentro do hard rock “feijão com arroz” pelo qual o grupo acabava de ficar conhecido.
É importante lembrar que “Destroyer”, talvez, não fosse possível sem o sucesso de “Alive!”. A gravadora do Kiss, Casablanca Records, estava afundada em dívidas em meio a apostas que não deram certo no âmbito do pop/disco music. A própria banda, hoje lendária, demorou a vingar em seus primórdios, com três álbuns de estúdio que não venderam nem perto do esperado.
“Alive!”, que reuniu o melhor do repertório desses três discos, foi o tiro de misericórdia. Rendeu. “Destroyer” já começava a ser planejado antes do álbum ao vivo estourar, mas certamente o objetivo passou a ser outro depois da fama recém-conquistada.
Bob Ezrin chega ao Kiss
Por essas e outras, o Kiss contratou o produtor canadense Bob Ezrin para conduzir as gravações de “Destroyer”. O profissional de estúdio havia feito uma série de bons trabalhos com Alice Cooper, além de ter atuado em “Berlin” (1973), de Lou Reed.
Com a banda de músicos mascarados, o trabalho teria de ser diferente. Ezrin, conhecido por seu estilo “interventor” de produzir, precisou ensinar até mesmo teoria musical para aqueles quatro jovens americanos.
No livro “Kiss Por Trás da Máscara”, o próprio se relembra:
“O Kiss tocava tudo de uma maneira profissional, só que, quando começamos a ensaiar, eu disse: ‘tudo bem, por que não fazemos isso em meio-tempo?’. Peter Criss olhou para mim como se eu estivesse falando grego. Eu perguntei se ele sabia o que era meio-tempo e ele respondeu que não. Falei: ‘tudo bem, é quando estamos tocando em 4/4, você sabe o que é 4/4?’. E ele respondeu: ‘na verdade, não’. Eu disse para deixarmos os instrumentos de lado. Puxei um quadro-negro e comecei a fazer perguntas para descobrir o que eles sabiam. […] Quando chegamos ao ponto de coisas como fórmula de compasso, o pessoal da banda disse: ‘não vamos conseguir aprender isso de jeito nenhum’. Respondi que iriam sim. Chegamos ao trecho em ‘Flaming Youth’, Eu só queria que Peter tocasse em mínimas e os outros rapazes tocassem em 7/4. O fraseado ficou muito bom e não tiveram de fazer muito esforço.”
Nas sessões de gravação, o guitarrista Ace Frehley e o baterista Peter Criss, em especial, “sofreram” nas mãos de Bob Ezrin. O primeiro era talentoso, mas indisciplinado. O segundo, chucro, não era exatamente o sujeito mais esperto – e dedicado – da banda. Mais disciplinados, os líderes Paul Stanley (voz e guitarra) e Gene Simmons (voz e baixo) tinham desempenho mais satisfatório.
Frehley, também ao “Kiss Por Trás da Máscara”, se recorda:
“Naquela época, eu adorava noitadas. Ia direto ao Studio 54. Muitas vezes chegava atrasado, com ressaca. Isso não é segredo. Bob Ezrin estalava o chicote em muitas vezes, perdia a paciência. Em todos os discos que ele fez com o Alice Cooper, ele usou guitarristas de estúdio. Muitas vezes, tenho de estar com o humor adequado para conseguir tocar um solo de guitarra corretamente e não gosto de trabalhar sob pressão. Às vezes, o Bob não teve o saco que outros produtores que trabalharam comigo no passado tiveram. Não sou um músico de carteirinha.”
Do zero
Em agosto de 1975, antes do primeiro encontro com Bob Ezrin, o Kiss havia produzido uma demo de 15 músicas para o que viria a ser “Destroyer”.
O produtor descartou quase tudo. Sobraram apenas “God of Thunder” e “Detroit Rock City”, que foram bem alteradas, além de “Mad Dog”, que teve trechos desmembrados para “Sweet Pain” e “Flaming Youth”.
Algumas que foram para o ralo chegaram a ser reaproveitadas para “Rock and Roll Over” (1976), o álbum posterior a “Destroyer”, e para o primeiro disco solo de Gene Simmons.
Ouça a estranha versão inicial de “Detroit Rock City”:
A metodologia de produção de Bob Ezrin consistia em deixar o som o mais grandioso possível. O produtor não poupou uso de orquestras e de técnicas de estúdio, desde guitarras duplicadas até inversão da bateria, para dar uma ambientação peculiar.
Tudo isso, conforme já mencionado, em meio a aulas de teoria musical aos quatro músicos. Paul Stanley comenta:
“O que o Bob nos ensinou foi a disciplina no estúdio. Ele usava um apito em volta do pescoço, apitava e nos chamava de ‘recrutas’. Apontou o dedo no nosso nariz e gritou com a gente. É bem engraçado quando você consegue esgotar todos os ingressos num estádio e há alguém no estúdio te tratando como um imbecil.”
Ouça a versão inicial de “God of Thunder”, com Paul Stanley no vocal:
Com Bob Ezrin de quinto integrante e uma bela capa desenhada por Ken Kelly, o Kiss se superou em “Destroyer”. Deixou de depender das eventuais sacadas geniais de Ace Frehley e de alguns refrães grudentos para soar como banda, extraindo muito de cada integrante.
Não à toa, tornou-se um de seus álbuns de maior sucesso e mais elogiados, convencendo até mesmo os jornalistas de música, que raramente se deixavam levar pelo trabalho da banda.
A abertura “Detroit Rock City” já mostrava como o Kiss estava diferente. O ritmo acelerado providenciado pela cozinha amarrada, o solo de guitarras gêmeas e a letra em storytelling de Paul Stanley (co-assinada por Ezrin, que não tinha dó de meter a mão no material) não deixam dúvidas disso.
“King of the Night Time World”, colaboração autoral dos compositores externos Kim Fowley e Mark Anthony, é a sequência perfeita para uma faixa de abertura tão impactante. A linha de bateria de Peter Criss, especialmente no começo e no refrão, é um dos destaques.
Na sequência, há “God of Thunder”, que nasceu quase como um hit discoteca de Paul Stanley, mas foi transformada em, praticamente, uma música-tema para Gene Simmons. De tom assustador, a faixa é envolvente – só não supera as versões ao vivo porque a gravação em estúdio, de fato, não tem peso o suficiente.
O miolo de “Destroyer” reserva alguns momentos realmente diferentes. O primeiro é “Great Expectations”, uma balada orquestrada que traz até uma melodia (não-creditada) de Beethoven. “Flaming Youth” e “Sweet Pain”, dois hard rock típicos, contam com tempos arrojados e solos gravados por Dick Wagner, guitarrista de Alice Cooper que assumiu a função na ausência de um Ace Frehley cada vez mais afundado em seus vícios.
Outra música do álbum que cresce ao ganhar peso nos shows é “Shout It Out Loud”. Nasceu com cara de hit e sabe-se lá por que não emplacou como single – foi a primeira música de trabalho do disco a ir para as rádios, assegurando primeiro lugar nas paradas apenas no Canadá.
A faixa que emplacou, curiosamente, foi a seguinte: “Beth”, outra balada orquestrada, agora na voz aconchegante de Peter Criss. Ao lado de “I Was Made for Lovin’ You” (1979), foi o único single da banda a obter certificação de ouro nos Estados Unidos, pelas mais de 500 mil vendas, além de atingir o 7° lugar das paradas locais, posição mais alta do grupo em seu país natal até hoje.
O baterista declara:
“O álbum estava fracassando. Despencava nas paradas. Não conseguia decolar. Pelo que sei, algum DJ começou a tocar ‘Beth’. De repente, o Neil Bogart (dono da Casablanca Records) começou a dizer: ‘veja só, estão tocando muito no rádio’. Antes de se perceber, há um montão de dinheiro por trás e aparecem pessoas em toda parte cantando ‘Beth’.”
O fechamento fica a cargo de “Do You Love Me”, música que Bob Ezrin alega ter feito ao lado de Paul Stanley e Kim Fowley para “apelar às garotas”. Não chega a ser uma balada, mas tem um ritmo mais acentuado e uma letra mais profunda sobre a solidão de um rockstar cheio de amor para dar.
Sucesso
Curiosamente, as reações iniciais a “Destroyer” não foram das melhores. Os jornalistas de música, sempre eles, apontaram nas primeiras críticas que o álbum soava “ambicioso demais” para os padrões de uma banda como o Kiss. Alguns, de forma justa, destacaram que faltou peso nas músicas – reclamação feita também pelos fãs.
Bob Ezrin, dono das reflexões mais sinceras sobre “Destroyer”, diz que foram justamente os fãs e os jornalistas que impediram o álbum de emplacar logo de primeira. Em seus três primeiros meses, as vendas eram satisfatórias, logo conquistando certificação de ouro pelas 500 mil cópias vendidas nos Estados Unidos, mas estagnaram, sem ter o milionário “efeito ‘Alive!'”.
Como Peter Criss deixou claro em alguns parágrafos acima, “Beth” foi a responsável por alavancar as vendas do disco. Em novembro, quando a balada já havia saído como single – e no mesmo dia em que o grupo lançou “Rock and Roll Over” -, “Destroyer” chegou a um milhão de unidades comercializadas em território americano, atingindo certificação de platina.
Com o decorrer do tempo, “Destroyer” passou a ser elogiado, por fãs e imprensa especializada, pelo que é: um bom álbum de hard rock que busca dar um passo adiante. É sofisticado e bem arranjado na medida certa. É divertido e farrista também na pesagem ideal.
Embora eu adore (e até prefira) “Rock and Roll Over” por sua simplicidade e proposta de “volta às raízes”, é uma pena que o Kiss tenha demorado tanto para se arriscar novamente como em “Destroyer”. Somente cinco anos depois, em 1981, eles trouxeram Bob Ezrin novamente para produzir – nesta ocasião, o malfadado “Music From The Elder”.
Por outro lado, é bem provável que a mágica de “Destroyer” funcione, justamente, por ser um item único na discografia do Kiss. Até eles sabem que nunca mais conseguiram repetir um álbum como esse.
Kiss – “Destroyer”
1. Detroit Rock City
2. King of the Night Time World
3. God of Thunder
4. Great Expectations
5. Flaming Youth
6. Sweet Pain
7. Shout It Out Loud
8. Beth
9. Do You Love Me
Músicos:
Paul Stanley (guitarra rítmica, vocal nas faixas 1, 2, 5, 7 e 9)
Gene Simmons (baixo, vocal nas faixas 3, 4, 6 e 7)
Ace Frehley (guitarra)
Peter Criss (bateria, vocal na faixa 8)
Músicos adicionais:
Dick Wagner (solo de guitarra nas faixas 5 e 6, violão nas faixas 4 e 8)
Brooklyn Boys Chorus (vocais adicionais na faixa 4)
David e Josh Ezrin (vozes na faixa 3)
New York Philharmonic (orquestra na faixa 8)
Bob Ezrin (piano na faixa 8, teclados, orquestração, produção geral)
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