O que falar sobre o Mastodon que ainda não tenha sido dito? Bem, após ouvir Hushed and Grim, novo álbum da banda norte-americana, algumas palavras inéditas surgirão. Uma delas certamente é superação, já que o disco exorciza os últimos anos do quarteto, cujos músicos não só superaram uma pandemia e suas consequências psicológicas, econômicas e sociais como todos nós, mas também tiveram que enfrentar a morte de um pessoa próxima, como muitos de nós. No caso, a banda perdeu o manager Nick John, vítima de um câncer em 2018. A capa inclusive traz o rosto de Nick, com o baterista Brann Dailor declarando à Kerrang! que “a capa do disco é baseada na mitologia que diz que quando morremos o espírito se funde com uma árvore para se despedir do mundo natural antes de partir para outra dimensão. O homem na imagem é Nick”.
Hushed and Grim é facilmente um dos melhores álbuns do Mastodon, e vem na sequência de um disco que, pessoalmente, não está entre os meus favoritos, que foi Emperor of Sand (2017), obra onde a banda abordou o câncer de forma alegórica e a proximidade da doença com o seu cotidiano, já que ela afetou não apenas Nick John mas também a mãe do guitarrista Bill Kelliher. Musicalmente, fica claro que o Mastodon extrapolou o heavy metal, processo que já estava em curso há muitos anos. O novo álbum é rock, é metal, é prog, é psicodélico, é atmosférico, é tudo, com o grupo usando com sabedoria as mais diversas sonoridades para traduzir em música os seus sentimentos. O disco traz algumas participações, sendo as mais destacadas a de Kim Thayil, do Soundgarden, que faz o solo de “Had It All”, e de Marcus King, revelação da nova geração do southern rock, responsável pelo solo de “The Beast”.
O álbum, que é duplo, é o Physical Graffiti do Mastodon, no sentido de a banda, assim como fez o Led Zeppelin em 1975, não se prender em limites e explorar diversos gêneros musicais, sempre alcançando resultados muito acima da média. Se antes desse trabalho o Mastodon já era saudado como uma das bandas mais inovadoras, originais e incríveis surgidas neste século, com Hushed and Grim esta certeza torna-se sólida como rocha.
As quinze canções formam uma obra com começo, meio e fim, que se desenvolve como um quebra-cabeça, com cada faixa construindo um pedaço do que a banda criou. Não é um álbum de singles, apesar de, coletivamente, soar como um dos discos mais fáceis de digerir do Mastodon, com uma aura de acessibilidade que convive harmonicamente com a complexidade instrumental e pretensão artística que sempre marcaram a obra da banda. Equilibrar elementos tão opostos é para poucos, e o Mastodon é um desses escolhidos.
Não vou resistir a usar uma referência mais contemporânea, mas a audição de Hushed and Grim me transportou até Yellow and Green, o fenomenal álbum duplo lançado pelo Baroness em 2012 e que também transborda níveis de sentimento e emoção. São irmãos, mesmo tendo sido gravados por bandas diferentes.
Há momentos de elevação espiritual proporcionados pelo teleporte musical que canções como “Pain with an Anchor”, “More Than I Could Chew”, “The Beast”, “Teardrinker”, “Had It All” e “Gobblers of Dregs” possibilitam, o que torna o álbum uma experiência que vai muito além do aspecto sonoro e impacta todos os sentidos. Isso só é alcançado por trabalhos especiais, e Hushed and Grim é um deles. Há uma profusão de melodias, harmonias bem construídas e criatividade, tudo embalado de forma acessível, em um processo que a banda vem evoluindo desde The Hunter (2011). A variação de vozes entre Brent Hinds, Troy Sanders e Brann Dailor é uma das cartas na manga do Mastodon, com cada um dos músicos possibilitando caminhos diferentes para as canções. Resumindo: não tem música ruim e o tracklist funciona como um conjunto perfeitamente afinado.
Uma obra-prima de tirar o fôlego: essa frase certamente já foi usada para definir algum álbum do Mastodon (Crack the Skye, de 2009, é um exemplo disso), e aqui ela cabe de maneira perfeita mais uma vez.
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