segunda-feira, 1 de maio de 2023

CRONICA - BILL WITHERS | Just As I Am (1971)

A carreira de Bill Withers é atípica em mais de uma maneira. Em primeiro lugar, sua carreira começou bem tarde, quando já estava na casa dos trinta. Montador de várias empresas industriais, dedicou-se no final dos anos 60 a se apresentar em clubes de Los Angeles enquanto produzia demos por conta própria. Um deles chamou a atenção de uma pequena gravadora, a Sussex Records, que o colocou em contato com nada menos que Booker T. Jones para produzir um primeiro álbum. Através dele, Withers poderá trabalhar com outros músicos dos MG's (e portanto da backing band da Stax) mas também com prestigiados músicos brancos de estúdio (Jim Keltner e Chris Ethridge) e sobretudo nada menos que Stephen Stills, num dos maiores estrelas do rock americano na época. Tivemos começos mais infelizes. Outra peculiaridade, Bill Withers mistura seu Soul com o Folk Rock, desviando-se assim do Soul Psicodélico ou do Funk, estilos mais brutais que eram favorecidos pelo público negro da época. Mesmo vocalmente destaca-se dos colegas, preferindo uma sensibilidade despreocupada às eructações apaixonadas praticadas pela maioria dos cantores de Soul e Funk.

Obviamente, Just As I Am , este primeiro álbum, é aquele do título pelo qual Bill Withers passou para a posteridade, quero, claro, falar de "Ain't No Sushine". Uma balada melodiosa e melancólica que vai aumentando gradualmente de intensidade com a chegada das cordas que se unem à instrumentação Folk. Este título, que chegará ao terceiro lugar nas paradas americanas e fará de Bill Withers uma estrela da noite para o dia, é inspirado no filme Days Of Wine And Rosesapresentando um casal de alcoólatras interpretado por Jack Lemmon e Lee Remick. Para que conste, o famoso “I Know” repetido ad libitum preencheu um vazio deixado por letras ainda não escritas, mas face ao resultado final, optou-se por deixar como estava. Inspirada nos espirituais negros, “Grandma's Hands” homenageia a avó da cantora, nascida na época da escravidão nos Estados Unidos. Observe o lado percussivo do ritmo de Donald Dunn e Al Jackson, enquanto adivinhamos a guitarra elétrica de Stills no final da peça. Será o outro single do álbum, e se seu sucesso foi menor, aos poucos se tornará um clássico que já foi repetido muitas vezes por seu tema pungente.

Claro, o álbum tem outros destaques interessantes. Como a tranquila "Harlem" que abre o álbum. Um simples riff de violão que evolui como nada (com escolhas cromáticas muito interessantes) enquanto os instrumentos vão aumentando o todo sem incomodar em nada o nosso cantor. Mais melódica e Pop, “Sweet Wanomi” é um bom exemplo do típico Folk Soul of Withers cuja voz suave nos envolve sem dificuldade. A cantora endossa o cover de "Everybody's Talkin'" popularizado por Harry Nilsson enquanto o tom é mais Jazz em "Do It Good". Entre o Pop/Rock e o Gospel, a balada "Hope She'll Be Happier" mostra com muita simplicidade toda a beleza e emoção da voz da cantora. E então, eu te pergunto francamente, quem mais poderia ter transformado "Let It Be" dos Beatles em uma música gospel frenética de forma tão convincente? Aretha talvez. Mas o estilo de Withers é mais discreto do que a Rainha do Soul teria feito.

A Soul Rock "I'm Her Daddy" deve muito às percussões de Bobbye Hall e certamente pode ser considerada uma joia desconhecida do repertório da cantora. Por outro lado, por querer soar muito crua, só guitarra/voz em uma música Blues-Folk, "In My Heart" é um tanto chata com essa parte de guitarra que dá a impressão que o músico (provavelmente o próprio Withers) decifra sua partição . Os vocais estão impecáveis, mais uma vez, mas isso não chega, até porque, paradoxalmente, o título é de longe o mais longo do álbum. Felizmente tudo isso é apanhado pelo funky Folk de "Moanin' And Groanin'" onde podemos adivinhar novamente a participação de Stephen Stills. Terminamos com a classudíssima "Better Off Dead" e seu groove tranquilo e irresistível.

Excelente álbum, com a notável exceção de uma faixa, Just As I Am mostrou que era possível outra forma de misturar o Soul com a música contemporânea do que as praticadas por Sly Stone e Norman Whitfield. Um grande sucesso que viria a lançar um dos artistas mais queridos dos anos 70, não convenceu no entanto o seu autor a abandonar a sua obra, desconfiado da volatilidade do espectáculo. O que ver já a modéstia e o pudor deste artista que sempre recusará suas listras de estrelas (o que fará com que hoje se seus títulos continuem conhecidos, seu nome esteja um pouco esquecido). E, no entanto, a sequência provou ser tão bem-sucedida comercialmente quanto artisticamente.

Títulos:
1. Harlem
2. Ain’t No Sunshine
3. Grandma’s Hands
4. Sweet Wanomi
5. Everybody’s Talkin’
6. Do It Good
7. Hope She’ll Be Happier
8. Let It Be
9. I’m Her Daddy
10. In My Heart
11. Moanin’ and Groanin’
12. Better Off Dead

Músicos:
Bill Withers: Vocais, guitarra
Booker T. Jones: Teclados, guitarra, arranjos
Stephen Stills: Guitarra
Donald Dunn: Baixo
Chris Ethridge: Baixo
Al Jackson Jr: Bateria
Jim Keltner: Bateria
Bobbye Hall: Percussão

Produtor: Booker T. Jones


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