segunda-feira, 3 de julho de 2023

Velvet Underground – White Light/White Heat (1968)

 

Ainda as flower girls de Manson não haviam cortado Sharon Tate aos bocadinhos, já os Velvet suspeitavam que havia algo de profundamente pueril na utopia hippie. White Light/White Heat nem chega a ser desencantado. Nunca teve ilusões.

No primeiro álbum, os Velvet Undergound já haviam anunciado ao que vinham: declarar guerra à ingenuidade hippie rebolando no lodo da miséria humana. No segundo LP (White Light/White Heat), os Velvet, seguindo as pistas das canções mais experimentais do disco da banana (“Heroin”, “Venus in Furs”, “European Son”), levam até às últimas consequências o seu projecto de destruição da pop como a conhecíamos.

Nunca até então se tinha ouvido algo tão sujo, tão dissonante, tão orgulhosamente feio. Tudo é gravado com o volume no vermelho, criando uma massa informe de ruído e distorsão. O anti-solo de Reed em “I Heard Her Call My Name” manda a a avó do Joe Satriani ao chão, com a primitiva bateria a pisar-lhe as mãos e o caos atonal de “Sister Ray” pontapeando-a na cabeça. Nunca subestimem o poder do ódio ao tecnicismo e à falta de imaginação.

A primeira audição é difícil, parece que a aparelhagem se avariou. Mas depressa descobrimos que por detrás do vanguardismo dos arranjos se encontram coros doces e melodias cativantes. Os Velvet dos dois primeiros discos sempre viveram desta tensão entre acessibilidade pop e o mais corrosivo experimentalismo, tipo os Beach Boys mas vomitando bocados de fígado. Em White Light/White Heat, as inclinações avant-garde de John Cale ganharam ao melodismo de Lou Reed. Lou não gostou da afronta, expulsando-o da banda logo a seguir e dando a notícia por terceiros.

Para nossa sorte, Lou Reed sabe manejar palavras com a mesma perícia com que esfaqueia amigos pelas costas. “The Gift” repesca um conto seu, declamado por John Cale na coluna esquerda, com um instrumental gingão na coluna direita (uma forma inventiva de brincar com a estereofonia). Conta a história de um tipo inseguro e ciumento que se envia como correio à sua namorada, a qual o mutila sem querer ao abrir a embalagem.

O mesmo delicioso humor negro assoma no deboche de “Sister Ray” (Cecil assassina um marinheiro, sendo repreendido pelos comparsas por ter sujado o tapete) e na sinistra “Lady Godiva Operation” (uma drag queen é submetida a uma lobotomia para não desencaminhar mais jovens inocentes). A última é mais pungente pelas suas ressonâncias autobiográficas: os pais de Lou Reed, sempre extremosos, fizeram de tudo para curar o seu filhote da ignomínia do homoerotismo. Foi sempre com muito pesar que suportaram os gritos do filho durante as sessões de electro-choques.

O disco com a Nico é mais belo, ninguém o nega; mas, pela sua radicalidade estética, White Light/White Heat é mais influente. Sem este disco, não haveria o primitivismo dos Stooges, a circularidade dos Neu!, a depuração dos Ramones, a dissonância arty dos Sonic Youth, a noise pop dos Jesus and the Mary Chain, a sujidade do indie. Nada mau para um disco olimpicamente ignorado pela crítica e público do seu tempo.



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