segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Discografias Comentadas: Keef Hartley Band

 

Discografias Comentadas: Keef Hartley Band

Infelizmente, poucas bandas que integraram o boom do blues britânico e da efusão de bandas do chamado brass-rock (combos de rock que ousaram com naipes de metais) conseguiram superar a barreira do tempo e serem famosas e reconhecidas amplamente. Hoje, músicos como Keef Hartley, Peter York, Graham Bond, Wynder K. Frog,  Zoot Mooney, Peter Green, Tony Ashton, Brian Auger, só são conhecidos por quem se aprofunda na pesquisa e na escavacão do rock além do óbvio nos anos 1960 e 1970. E bandas como Savoy Brown, Fleetwood Mac (em sua primeira fase), Free, Chicken Shack, Groundhogs, Black Cat Bones, John Mayall & Bluesbreakers, The Artwoods, etc., nem sequer arranham as unhas do gigantismo de Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath…Hoje a Consultoria do Rock busca fazer justiça ao competente baterista Keef Hartley e sua banda, cujo acervo discográfico é repleto de musicalidade no espectro do blues, mas não apenas nele, incorporando habilmente elementos do soul, do funk e da psicodelia. A banda teve uma trajetória curta (1968-1973) e sucesso relativo na Europa.

 


Halfbreed (1969)

Cheio de moral, Keef Hartley provavelmente estava olhando para seus pares e vendo o quanto estavam subindo na coluna social do blues-rock britânico. Ginger Baker estava no topo do mundo com o Cream e o Blind Faith; Jon Hiseman era o band-leader no Colosseum; Ainsley Dunbar era requisitadíssimo e estava criando seu próprio grupo. Depois de ter se formado na escola blueseira de John Mayall, Keef Hartley tinha plena condição de arregimentar músicos talentosos para seu próprio combo. E foi o que fez: no fim de 1968, somou o talento do pequeno fenômeno Miller Anderson (guitarras e vocais), junto com um novato Gary Thain (futuro Uriah Heep) e o tecladista Peter Dines. Um time inteiro de instrumentos de sopro completam a trupe. Halfbreed é uma estreia cheia de gás, na linha do que os britânicos sabiam produzir de melhor em termos de blues-rock; rivaliza facilmente com Free, Savoy Brown ou Chicken Shack dentre a nata das novas carinhas do blues inglês naquele fim de década. A abertura do disco é por si só irônica, com uma ligação telefônica de John Mayall endereçada à Keef, dizendo que más notícias o aguardavam (no caso, a notícia de sua demissão). Com suas batidas certeiras, ele dá de ombros para a situação e traz um groove incrível em “The Halfbreed”, repleta de improvisos de guitarra e teclados. O disco também é prodigioso em blues chorosos como “Born to Die” e “Too Much to Thinking”, climas psicodélicos como na sensual “Just to Cry” (com a incrível intervenção de trumpete de Harry Beckett) e o rock melódico de “Leave it ‘Til the Morning”. Para arrematar, a gastação de Miller Anderson em “Leavin’ Truck” e “Think it Over”, em que sua guitarra e sua voz sacodem a poeira.

 


The Battle of North West Six (1969)

Keef Hartley já havia deixado claras suas marcas no disco de estreia – além do som tipicamente decodificado dos EUA, sua indumentária, capas de disco e suas composições atestavam o quanto ele apreciava a cultura norte-americana. Depois de terem passado batido pelo Festival de Woodstock (foram a primeira banda britânica a subir no palco, na tarde do segundo dia, usando o mesmo equipamento de palco que Santana), o mesmo 1969 que ouviu sua estreia, ouviu a continuidade da empolgação da banda. A introdução afro-latina do disco já mostra que o ouvinte irá apreciar um belo e consistente disco. A faixa seguinte (“Don’t Give Up”) é dona de uma beleza cativante e deliciosamente datada com aquele ar hippie; o mesmo pode ser dizer da instrumental “Hickory” e seus trejeitos de trilha sonora. Em The Battle of North West Six fica patente que a Keef Hartley Band esbanjava talento em seus instrumentos: Miller Anderson arrebenta com um longo solo em “Don’t Be Afraid”, Wynder K. Frog (substituindo Peter Dines) mostra uma performance matadora no Hammond em “Tadpole” e o violino de Henry Lowther (que também tocou trumpete e trompa no disco) impressiona na bela balada “Believe in You”. O disco contou ainda com pequenos préstimos de Mick Taylor (Rolling Stones).

 


Time is Near (1970)

A banda tinha uma reputação apenas média nos grandes festivais europeus ao ar livre, mas continuava produzindo, aparentemente sem grandes pressões da Deram. Time is Near é bem mais melódico que a estreia do grupo e aprofunda algumas direções apontadas no disco anterior; a banda direcionava-se à algo parecido com o Chicago, cuja fórmula sonora era muito bem sucedida naquelas alturas. O disco é repleto de vibrantes participações dos naipes de metais, com menor destaque à teclados e guitarras distorcidas. O faro melódico da banda aprimorava-se (a maioria das composições nesse disco são do guitarrista Miller Anderson) e a maturidade do conjunto mostrava-se cada vez mais aguçada, pelas composições repletas de belas variações. Uma prova cabal desse conceito está expressa na faixa título “Time is Near”, com longos e imprevisíveis 10 minutos de duração. A faixa seguinte “You Can’t Take It With You” emula Chicago sem cerimônias, ao entremear uma sessão jazz em um tema puramente soul. “Premonition” rememora a abertura de Halfbreed, com menos eletricidade, mas com um solo fantástico de Miller Anderson na guitarra. “Change”, “Another Time, Another Place” e a abertura “Morning Rain” são belas canções guiadas por violões e uma interpretação vocal notável de Miller Anderson.

 


Overdog (1971)

Se os dois discos anteriores mostravam a Keef Hartley Band segurando a onda no peso, visando acessar o mesmo filão que Chicago e Blood Sweat and Tears, aqui a banda se solta e mergulha de peito aberto no soul-funk, com guitarras e o baixo de Gary Thain como um tapa na cara. Os metais ficaram em segundo plano em Overdog, mas o padrão de composições cativantes e bons arranjos permaneceu constante da estreia do grupo até aqui. Overdog é um disco que captura a banda apontando para uma nova direção, dessa vez alinhada mais à Rare Earth e Redbone do que à uma brass-band. Pode se apontar destaques por todo o disco, mas para resumir, vale mencionar o jeitão de trilha sonora em “Theme Song” e seu maravilhoso trabalho de flauta, o funk arrasa-quarteirão da faixa título e seus teclados incríveis (cortesia de Wynder K. Frog) e as jams pesadas de “Roundabout”. Um detalhe interessante é que Jon Hiseman participou como convidado em algumas faixas, que foram gravadas com duas baterias. Overdog é o disco com o mais intenso trabalho instrumental da discografia da Keef Hartley Band.


Little Big Band (1971)

Já no fim de 1970, a Keef Hartley Band poderia ser considerada uma agremiação de músicos, que tinham plena liberdade para dar seguimento a outros projetos. Keef capitaneava a coisa sem muita pressão de manter um time fixo, ainda que ele permanecesse como um núcleo básico até o fim de 1971. Em junho de 1971, depois uma série de apresentações realizadas no famoso clube londrino Marquee, Keef Hartley e todo seu portfólio de amigos (um poderoso naipe de metais) gravaram o único registro ao vivo da banda durante sua curta existência. Nesse time, inclui-se o percussionista/baterista Peter York e a saxofonista Barbara Thompson (que tinha passado pelo Colosseum). A qualidade da gravação não é das mais apuradas que se encontra naquela época, mas capta a intensidade da banda. Apenas 4 temas foram aqui registrados, sendo um deles um longo e explosivo meddley com músicas de Halfbreed. Uma música de Time is Near e duas de The Battle of North Six completam o setlist que compõe Little Big BandOverdog já havia sido lançado em abril, mas no disco (lançado em outubro) não aparece nenhuma música do novo repertório. A banda mostra aqui muita pegada e garra na interpretação dos temas, mas há a impressão de que a voz de Miller Anderson foi refeita em estúdio.


Seventy Second Brave (1972)

Sentindo que as vibrações de Overdog estavam agradando, Keef Hartley mirou ainda mais seu nariz para o funk-soul. Contudo, a saída de Miller Anderson (que aventurava-se em carreira solo) fez-se sentir. Junior Kerr supria bem a função nas 6 cordas, mas Miller encabeçava a concepção das músicas e era um excelente vocalista. Seventy Second Brave é irregular nas composições; o começo pega fogo com “Heartbreakin’ Woman”, com os vocais de Pete Wingfield; a sequência é bacana com o embalo de “Main Country” (numa onda meio Joe Cocker), mas depois o disco repetidamente apresenta composições pouco inspiradas e até enfadonhas. “Don’t Sign It” e “Always Thinkin’ of You” até agradam, quando ouvidas com boa vontade. Logo em seguida ao lançamento, Gary Thain se mandaria para o Uriah Heep, em sua fase de maior sucesso.


Lancashire Hustler (1973)

Lançado como trabalho solo de Keef Hartley, o disco mostra que o horizonte andava embaçado para o baterista. A Deram andava insatisfeita com o desempenho das vendas e o material que a banda vinha apresentando. Lancashire Hustler foi o canto do cisne para Keef Hartley. Homenageando sua cidade natal (Lancashire), o disco mostrava Keef Hartley tentando a todo custo emplacar um hit nas rádios. Esse objetivo foi atrapalhado especialmente pela produção modesta do disco (uma qualidade de gravação bem inferior ao disco anterior e mais ainda a discos como Overdog). Contando com novos músicos em seu conjunto (permaneceram das formações anteriores apenas Junior Kerr e Wynder K. Frog), o disco teve o apoio dos vocalistas Robert Palmer e Elkie Brooks (que eram do Vinegar Joe). A própria faixa de abertura é uma releitura da linda balada “Circles” do Vinegar Joe, mas que infelizmente, não faz sombra à versão original. O disco é puramente soul, e tem lá seus bons momentos, especialmente quando foge das baladas açucaradas, como as sacolejantes e inteligentes “Shovel in a Minor” e “Something About You” ou no rock positivo de “Action”. O disco fecha com uma versão para “Dancing to the Music” do Sly and Family Stone, na mesma pegada da original. Sem perspectivas de sucesso e não contando mais com a produção da Deram, Keef Hartley tira o time de campo e dá uma pausa na carreira, encerrando a trajetória da banda que fundou.



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