sábado, 1 de junho de 2024

Review: Deep Purple – Fireball (1971)

 


De todos os discos da fase clássica do Deep Purple com Ian Gillan nos vocais, Ritchie Blackmore nas guitarras, o maestro Jon Lord  nos teclados, piano e no mais que envenenado órgão Hammond, Ian Paice na bateria e Roger Glover no baixo, este Fireball é de longe o mais experimental e diversificado de todos. Lançado em julho de 1971, o disco veio como um cometa direto nos ouvidos de quem amava o som pesado que a banda criou no álbum anterior, In Rock (1970), e de quebra trouxe novos admiradores que ficaram surpresos com tamanha variedade de estilos que o grupo conseguia tocar.

E com um disco tão variado, nada melhor do que ir direto ao ponto! A abertura da bolacha fica por conta da rápida e feroz canção que dá nome ao álbum. “Fireball” é certeira e traz o som de um gerador sendo ligado (não, não é um sintetizador) antes do ataque frontal de Paice com dois bumbos. Agressividade latente que traz um solo fantástico de Roger Glover no baixo pra lá de distorcido e que em nada deve ao genial e maluco solo de Lord com seu Hammond. Uma canção curta, mas que deu o recado aos desavisados: esse disco não seria para amadores!

“No No No” é uma faixa mais lenta, cheia de classe,  porém nem de longe a mais tranquila. Ian Gillan mostra que era uma das melhores vozes daquele início de anos 1970, com um poderio incrível e cristalino que ganha contornos surpreendentes conforme a canção avança. O ponto alto é o duelo entre piano elétrico de Lord e passagens inspiradas de Blackmore - que foi perfeccionista em cada detalhe.

A terceira canção, pelo menos na versão lançada em disco aqui no Brasil, foi “Strange Kind of Woman” - em outras partes do planeta a escolhida foi “Demon's Eye”, mas vamos falar do que saiu aqui, ok? Estamos falando de uma canção cadenciada e que virou titular em todas as apresentações da banda com esta formação, com direito ao famoso duelo entre guitarra e voz que Blackmore e Gillan travavam nos palcos. A versão de estúdio tem momentos sublimes e Gillan alcançando notas nas alturas só no gogó.  

“Anyone’s Doughter” é a primeira grande surpresa do disco em temos de estilo. Um country com piano bar e slide guitar, no melhor estilo velho oeste e aquele clima de saloon recriado de maneira soberba. Blackmore é versátil com um solo limpo, mostrando uma nova faceta aos seus fãs. O Purple tinha muito mais para oferecer do que apenas música pesada e distorcida. 


No lado dois temos logo de cara “The Mule”, uma canção psicodélica que também virou outra peça importante ao vivo - desta feita para servir como desculpa para Ian Paice socar seu kit com toda a força do mundo. Logo após uma série de pandeiros e percussão, a banda ataca com um riff inspirado, sons assombrosos de órgão e uma levada insistente de Paice que não para ao longo de toda a canção. Com letra curta e um solo igualmente rápido (porém certeiro) de Blackmore , a canção segue seu fluxo até um final caótico, dando ao repertório da banda mais uma nova alternativa de estilo. 

Outra grande surpresa - e para mim a melhor do disco - é a progressiva “Fools”.  Incrivelmente e criminalmente desvalorizada por muitos fãs, a banda consegue atingir quase que a perfeição na segunda música do lado dois do disco. Tudo começa com uma introdução calma e instrumental suave até explodir em um riff pesadíssimo e a voz rasgada de Gillan. A banda surge impiedosa como um rolo compressor até que tudo fica novamente cadenciado, com uma batida de Paice que vai ganhando um novo elemento a cada compasso, conforme a faixa avança em silêncio. Então Blackmore cria com solo único utilizando apenas o volume de sua guitarra, intercalando com passagens de Lord. Um momento erudito que a banda já estava acostumada a fazer em trabalhos anteriores. Após alguns minutos, o grupo explode novamente e segue até o seu final marcante com um Hammond distorcido anunciando o fim da epopeia.

O disco fecha com “No One Came”, uma canção funkeada com Glover dando as cartas para que o restante da banda desfile seu talento. Nem preciso dizer que Paice segura a batida de maneira extremamente competente para  Lord e Blackmore brilharem enquanto Gillan canta dentro de uma métrica absurda, sem sair do complicado compasso que a música traz.

Fireball convence a todos. Muitos fãs classificam o trabalho como um álbum de transição entre o já citado In Rock de um ano antes e o super aclamado Machine Head do ano seguinte, mas de uma coisa podemos  ter certeza: este é o disco que traz a MK II pingando suor e transpirando talento em diversos estilos. Este é, meus amigos e minhas amigas, um trabalho de referência para toda a discografia do Purple.

Ah, e sobre “Demons's Eye” (que esteve em algumas versões em outros países no lugar de “Strange Kind of Woman”), tudo  o que posso dizer é que foi outro grande momento da banda e que não deve em nada à sua substituta: órgão insistente, riffs perfeitos de Blackmore calcados no blues, Glover desfilando nas quatro cordas e Ian Paice mais solto do que nunca em um festival de  viradas - uma atrás da outra - para Gillan cantar como nunca. Faz falta ao disco? Como eu cresci ouvindo apenas a versão nacional, não muito. Mas esta é uma grande canção também!




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