Em 1969 os Beach Boys precisavam de dar uma resposta à crítica, após sucessivos fracassos. A solução passou por lançar 20/20, um projeto que procurou reencontrar sonoridades do passado, de modo a recentrar a banda californiana na rota da popularidade.
Lançado no dia 10 de fevereiro de 1969, o LP 20/20 da banda californiana Beach Boys, surgiu como uma resposta da banda ao descontentamento que o lançamento de Friends, um ano antes, havia gerado no seio da crítica.
O tempo passou, porém, e, eventualmente, acabou por ser justo em relação ao álbum que o grupo lançou em 1968. Hoje, todos reconhecem valor ao projeto Friends. Será, talvez, um dos trabalhos mais calmos e atmosféricos dos Beach Boys. Nele, podemos encontrar, com uma maior frequência e regularidade, as melodias e os processos instrumentais, quentes, veranis e sensíveis, que todos associam à banda em cheque.
No entanto, no final da década de 60, a banda dos irmãos Wilson estava, de certo modo, debaixo de fogo. Os «rankings» não lhes eram, de todo, favoráveis. Era necessário remar contra a maré; era necessária uma resposta eficaz, que fosse facilmente aceite pela crítica.
Logo após Friends, os Beach Boys, sob a forma de single, lançam “Do It Again” (a mesma canção que iniciará o álbum 20/20). O objetivo era simples: a banda sabia que para ser, de novo, «bem recebida» teria de voltar às frequências que, no início da sua existência, lhe deram tanto reconhecimento e atenção. Era, pois, necessário criar algo que juntasse, numa só canção, o verão, o sol, o calor, as ondas, as praias, as raparigas, no fundo… a Califórnia.
Desde 1964, aquando do lançamento de Summer Days (And Summer Nights), que os Beach Boys não se referiam, nas suas produções, a temas desta família lexical. O que é facto é que a jogada resultou: «Do It Again» recolocou a banda nos topos das tabelas.
Facilmente conseguimos perceber que 20/20, mais do que um trabalho musical e artístico, é – foi, aliás – uma forma que a banda da costa oeste dos Estados Unidos arranjou para subir no ranking da popularidade. O disco em análise não é mais do que um conjunto de canções que a companhia discográfica (a Capitol Records) achou por bem agregar de modo a reunir, de novo, a atenção da crítica. Também nos dias de hoje, conseguimos reunir a sensibilidade suficiente para compreender que, nesta fase da vida da banda, era desonesto pedir-lhe um trabalho original, pensado, idealizado e construído de raiz, até porque, durante o processo de gravação do mesmo, Brian Wilson (o génio Brian Wilson) esteve muitas vezes indisponível devido a questões médicas. Mas nem por isso deixa de ser um bom trabalho, produzido por uma das mais importantes bandas da história da música pop.
Agora que dissecamos o «background» do álbum, vale a pena desconstruí-lo, faixa a faixa.
A primeira canção é, então, a já referida «Do It Again». Elétrica, contagiante, assim a podemos descrever. Cumpre o seu propósito principal, pois faz jus ao portefólio inicial da banda. Duvido que haja um ouvinte que, ao ouvir a canção, não idealize um dia de calor num verão eterno, que dá vida às raparigas bonitas, cujas curvas são reflexo da guitarra elétrica que recorta os dois minutos e vinte segundos que constroem a faixa.
«I Can Hear Music» é a canção que se segue. É uma balada de amor adolescente, revestida por uma lírica explícita, que revela que o autor «ouve música» de tão forte que é o amor que o mesmo sente pela sua amante. Já todos tivemos nessa situação. Musicalmente em si, cumpre referir o coro e as harmonias vocais que sustentam a mesma canção. Para além do mais, vê-se ainda necessário referir que se trata de uma criação da banda The Ronettes; foi ideia de Carl Wilson interpretar a canção.
«Blue Birds Over The Mountain» é a faixa número três do álbum. Não é, porém, também um original da banda, visto ser da autoria de Ersel Hickey. A mesma situação se passará a com a faixa número 8: «Time To Get Alone», que, quando surge, não havia sido pensada para ser interpretada pelos Beach Boys, mas sim pelo grupo Redwood – depois Three Dog Night – (que por volta de 1967 ia contando com a ajuda de Brian Wilson).
Cumpre referir os trombones em «Be With Me». A profundidade, e consequente sentimento, da canção deve-se, em muito, à utilização não só do instrumento referido, como também de outros instrumentos de sopro.
Seguem-se as faixas «All I Want To Do» e «The Nearest Faraway Place». A primeira pode ser entendida como um regresso a um rock n’roll do passado; as guitarras e a bateria dominam esta faixa. Já a segunda deve ser vista como um «interlúdio», que é alicerçado por notas de piano, leves e sensíveis. Da mesma forma que, em Pet Sounds (1966), associamos a «Let’s Go Away For Awhile» a uma atmosfera idílica e livre, também podemos fazer o mesmo com «The Nearest Faraway Place», que acaba por constituir um dos momentos mais bonitos (e, talvez, mais originais) do projeto. Importante será referir que se trata de uma criação de Bruce Johnston, ajudado, na parte dos arranjos de cordas, por Van McCoy.
A faixa número oito surge após Brian Wilson ter «seguido», mais uma vez, uma sugestão de Al Jardine – que, sensivelmente três anos antes, havia sido fundamental para o surgimento de “Sloop John B”. Assim, Brian, numa das suas ofertas ao projeto, decide produzir uma versão «sua» de «Cotton Fields», originalmente da autoria de Huddie Ledbetter.
Ao chegar à análise da décima faixa, convém relembrar a proximidade que Charles Manson manteve no final da década de 60 com os Beach Boys, por influência de Dennis Wilson. Charles Manson foi o fundador e o líder de um grupo de culto que no final dos anos sessenta cometeu vários assassinatos, sendo o mais «conhecido» o que vitimou a atriz Sharon Tate, então mulher de Roman Polanski.
Dennis e Charles, ainda que por um breve período, travaram uma amizade em muito inspirada pela criação musical. Os dois chegaram a escrever juntos e a criar e a compor juntos. Desse trabalho «conjunto» surge a música «Cease To Exit», assinada por Charles Manson. Dennis, baseado na criação de Charles, alterou o título da canção para «Never Learn Not To Love», para depois incluí-la na posição número 10 de 20/20. Contudo, a sua relação de amizade com Charles Manson havia chegado ao fim nesse momento, sendo agora pública a «ira» de Manson por não ter sido devidamente creditado pelos Beach Boys.
As duas últimas produções do LP são conhecidas já de tempos passados. Tanto «Our Prayer» como «Cabinessence» figuram no álbum inacabado que a banda, mais uma vez sob o cunho pessoal de Brian Wilson, planeara lançar em 1967. Mas comentamos as tragédias noutra altura. Hoje, sabe-se que Brian Wilson, por ainda estar, talvez, ressentido com o falhanço de Smile, recusou a integração dos dois temas referidos em 20/20.
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