Passam 15 anos sobre aquele momento em que uma voz frágil, mas corajosa de franca, se apresentou num disco arrepiantemente belo que era acompanhado por fotos (destinadas à imprensa) nas quais, ao invés da mais frequente opção pela exposição de força, sorrisos ou vigor, o protagonista desta história optava antes por se mostrar numa pose vulnerável e com um olho negro. Três anos mais adiante. Era assim que se apresentava um jovem cantor e compositor natural de Des Moines, no Iowa, carregando aquelas canções e imagens a verdade de uma história pessoal que tinha conhecido o bullying e a violência de ameaças de morte que, como o próprio relataria depois, não tinham gerado qualquer reação por parte da escola que fora pátio para memórias que, agora, em canções, procurava não apenas recordar mas, também, superar. Mike Hadreas tinha então escolhido Perfume Genius como nome artístico, procurando logo ali a força da personagem central do romance “O Perfume – História de um Assassino”, de Patrick Süskind. Se na escolha do nome e nas canções de “Learning” havia um desejo de busca de novos horizontes, quem escutou, quatro anos depois, o claramente mais confiante “Too Bright” (terceiro álbum de Perfume Genius), constatava que o rapaz do olho negro era agora quem dava o soco.

Reconhecido então como uma das forças maiores de uma nova geração de cantautores norte-americanos, voz firme na exploração da sua identidade, Mike Hadreas conduziu entretanto os caminhos do seu alter ego por trilhos progressivamente mais exploratórios, assimilando electrónicas e abordando até os universos da dança. Agora, 15 anos depois daquele memorável “Learning”, eis que apresenta em “Glory” um sétimo álbum no qual volta a centrar o gume da sua atenção nos trilhos que originalmente conduziu entre esse álbum de estreia, o sucessor “Put Your Back N 2 It” e o terceiro disco acima citado que incluía o poderoso “Queen”. Criado de forma distinta de discos recentes que haviam nascido de demandas mais solitárias, o novo álbum nasceu de um trabalho coletivo desenvolvido a partir de rascunhos iniciais traçados ao piano e pelos quais captava possivelmente ecos de um período de reflexão durante os dias longos de um mundo em pandemia. Seguindo uma lógica de trabalho em banda igualmente seguido no recente álbum de Sharon Van Etten (que com Perfume Genius colaborou no volume da Red + Hot Organization dedicado aos Grateful Dead), chamando ainda a “No Front Teeth” a colaboração de Aldous Harding, Perfume Genius reencontra aqui o fio de sensibilidade indie e alma queer de outros tempos num corpo de canções que reafirmam as rotas temáticas de um observador do seu mundo e do seu tempo. Com viço na sequência de abertura, mais tranquilo e melancólico logo a seguir, “Glory” pode não gerar a estranheza e saudável surpresa dos discos mais recentes. Mas volta a sublinhar a força de uma voz criativa firme nas suas verdades e que, agora com 43 anos, volta a partilhar visões de intimidade, mas agora moldadas com a segurança de quem, refletindo também sobre a passagem do tempo, há muito venceu as inseguranças e dúvidas do rapaz que em 2010 se apresentava com o olho negro. O próprio título do álbum coloca desde logo na mesa uma metáfora de superação.
“Glory”, de Perfume Genius, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição da Matador Records
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