8-bit não é um meme. Fora a apropriação pelo advento do meme — seja sob o contorno do vaporwave ou da sadboyz aesthetics (ler soprando os ditongos), fundamentalmente enraizados nas nostalgias tanto precoces como inconsequentes dos millennials —, aquilo que resta é o esqueleto primordial da estética deste movimento, cujas origens tiveram sequência na cultura pós-irónica das intrawebs. Não reconheço pós-ironia no 8-bit, porém; porém, reconheço a posterior intoxicação por parte dos 4chan, e /mu/, do virtualismo púbere, retumbando em distorcendo aquele que seria o objectivo do género. Repito: o 8-bit não é um meme. É um movimento decente.

“Objectivo”, contudo, será termo inapropriado. O 8-bit não tem um fim, mas parte de um propósito. Reportável mais recentemente às experimentações frenéticas de Crystal Castles, ainda mais recentemente à queerness e cultura nocturna de SOPHIE e Grimes, embora em todos os casos tomando carácter variante quanto ao princípio original, embora na generalidade dos casos mantendo a atmosfera cristalina e pululante e minimalista de uma electrónica volátil, a corrente define-se basilarmente segundo o longing pela cultural pré-virtual dos anos 90. Este arquejo passado toma as rédeas tanto no temperamento da música como na própria apropriação dos sons guardados das infâncias dos Gameboys e Ataris; posto que a ideia transversal é precisamente a da nostalgia, que ganha expressão na ambiência das faixas a partir da apropriação de samples tenuemente reconhecidas, endereçáveis a um tempo que não é este, que não se sabe que é outro, que de clareza sincrónica nada tem. É uma nostalgia embrenhada, sem referenciais distintivos, cuja problemática desemboca numa permanente sensação de imaterialidade, em que o sítio não é sítio, a memória não é memória. Será volátil, sobretudo, será impermanente, o que confere tensão, o que distorce a nostalgia. O princípio torna-se coisa distinta daquilo que pretendia ser, enformado agora numa indistinção irrecusável. Em descrição foucaultiana, um não-lugar da reminiscência.

E Demoscene Time Machine impõe-se neste ponto. Lá fosse entrar por distorções e o diabo a quatro, haveria de ser um títere sequencial das três referências que mencionei há pouco, mas não é o caso. David Whiting, o nome por detrás do pseudónimo, abraça com calidez os meandros do techno, arredado de largas paletes de samples e ainda assim espontâneo, a fim de compor um som cheio, um som íntegro, mas de compleição dançável. Gravity é culpado e orgulhoso réu da herança 8-bit, dos MIDI recursivos, do chiptune inusitado — em produções Soundcloud-based —, numa amálgama para si necessária. Não lhe traz problema algum render-se ao efeito desta embrulhada, até porque está bem consciente das potencialidades a que a sua própria narrativa permite. É quão vulnerável se mostra o fio condutor do álbum, feito de tímidas homenagens e referências, pelo próprio Whiting assumido como um in memoriam à sua juventude, memória que traz o confronto de um honesto e humilde carácter com a efusividade e o frenesim do género nele encabeçado. A nostalgia, aquela do início, das conspurcações pós-irónicas, peca agora a ironia, em cuja face cospe a pessoalidade de Gravity. Celebra-se o que é vulnerável, a recordação, mas fora de uma perspectiva pesarosa — de que a mensagem política, enquanto sugestão a um olhar perante o futuro pela lente do passado, é parte integrante, tomada do desassossego e da perseverança transversais ao álbum.

É esta dialética passado-presente que sustenta Demoscene Time Machine, entretanto substancializada pelo contexto do próprio projecto. Não fosse a particularização de David, o 8-bit seria genérico, um outro novo enumerar das potencialidades contemporâneas dos sons pré-púberes dos millennials. Porém, nos desenganemos, pois a volátil terra de nenhures para a qual esta electrónica quase necessariamente remete ganha agora o norte, endereçada pela intenção auto e hetero-biográfica do autor, de estética franca e direccionada. De pés assentes no chão. E assim até dá para dançar, caramba, e para dançar a infância, a recordação da infância, seja a de Whiting, seja outra qualquer.