
Em meados da década de 1960, a Venezuela passava por uma grande transição política e econômica. Após a queda do ditador Marcos Pérez Jiménez em 1958, o país estabeleceu uma democracia estável com o Pacto de Punto Fijo, que promoveu a alternância de poder entre os partidos Acción Democrática e COPEI. Esse sistema garantiu um certo grau de estabilidade política, mas não resolveu todas as desigualdades sociais e regionais.
Economicamente, o país se beneficia da riqueza petrolífera, que enriquece o Estado e estimula a rápida modernização da infraestrutura urbana, particularmente em Caracas, o coração cultural e econômico do país. No entanto, essa prosperidade contrasta fortemente com a persistência de bairros pobres e tensões sociais latentes.
Culturalmente, a juventude venezuelana da década de 1960 foi influenciada por tendências globais: rock britânico, psicodelia californiana, blues e soul. As estações de rádio urbanas e os discos importados proporcionaram uma exposição crescente a esses gêneros. Nesse contexto, bandas surgiram nas principais cidades, buscando combinar influências internacionais com a identidade local, frequentemente com um espírito rebelde ou experimental.
É nesse contexto de modernização, juventude vibrante e abertura cultural que nasceu o Love Depression, pronto para misturar rock psicodélico e soul com um toque venezuelano único.
Essa banda surgiu em 1968 em Caracas, em meio a uma juventude privilegiada ávida por modernidade e liberdade sonora. O grupo reunia músicos muito jovens, de 17 a 18 anos, de diversas cenas locais que acabavam de explodir. Era formado pelo guitarrista/organista Álvaro Falcón (ex-The Snobs), o baixista Richard Aumaitre (ex-Los Darts, que lançou um LP em 1967), o baterista Jesús Toro (do The Nasty Pillows) e o guitarrista e vocalista Jaime Seijas, também presente no Ladie WC.
Juntos, eles formaram um quarteto talentoso e pioneiro, profundamente influenciado pelo blues britânico, pelo soul americano e pela psicodelia californiana, mas com uma energia e espontaneidade tipicamente sul-americanas.
Após conquistarem reconhecimento por suas performances eletrizantes em clubes de Caracas, os músicos assinaram com a gravadora Souvenir naquele mesmo ano, a mesma que gravou seus colegas da banda Ladie WC. Em seguida, o quarteto gravou seu primeiro LP com uma capa chamativa e psicodélica, símbolo da juventude venezuelana em busca de uma fuga.
Em 1968, era difícil associar o garage rock psicodélico à cena local ainda nascente. Mas o Love Depression dissipou essa ideia equivocada com uma onda de distorção. Desde a faixa de abertura, “Gon'na Ride”, o tom é definido! Essa primeira música é um hino proto-punk soul alucinante, capaz de ressuscitar os mortos. Riffs selvagens, um som cru e ultrasaturado, sem filtros, vocais possessos, uma seção rítmica animalesca — tudo aqui exala espontaneidade e fúria adolescente.
O restante do álbum é do mesmo nível, com a diferença de ser composto inteiramente por covers. É verdade que, com aquele órgão de igreja soando como instrumento de coroinha, as baladas “When A Man Loves A Woman”, “If You Need Me”, “A Whiter Shade of Pale” e “I'm Sorry” evocam mais uma noite de sábado dançante do que a atmosfera psicodélica da Costa Oeste. Mas não se engane! O resto do álbum promete ser explosivo!
Começando por Jimi Hendrix, de quem a banda se apropria de nada menos que três faixas! E não são quaisquer faixas: “Stone Free”, “51st Anniversary” e “The Wind Cries Mary”. Mas não espere encontrar uma cópia fiel aqui. O Love Depression as reinventa com um toque caribenho, com energia bruta, distorção marcante e aquele som garage rock que te conquista. As guitarras são abrasivas, a seção rítmica martela implacavelmente e os vocais transbordam fervor adolescente. E, francamente, por mais sacrílego que possa parecer, essas versões impactam mais do que as originais. Mesmo que, sejamos honestos, os membros do Love Depression estejam longe de ter o gênio de Hendrix, eles compensam com uma intensidade e urgência que atingem como um soco no estômago.
No meio, você encontrará um blues cru e corrosivo que te atinge como um soco sangrento: a impactante "Kansas City" e a revigorante "Crossroads", onde as guitarras cospem seu veneno. E, finalmente, "Sweet Soul Music" explode em um final soul cataclísmico, uma mistura de transe, suor e explosão rítmica.
Mas a versão mais espetacular é, sem dúvida, “Toad”. Um verdadeiro guia de sobrevivência para o roqueiro perdido, é um golpe sonoro devastador que nos deixa sem chão. Mesmo que o baterista não se atreva a enfrentar Ginger Baker em seu próprio território, seu refrão permanece feroz e implacável. Esta versão, visceral e incandescente, faria até os próprios membros do Cream empalidecerem.
Com este único álbum, o Love Depression desferiu um golpe estrondoso na cena do rock venezuelano. Em 1968, ninguém esperava uma explosão tão concentrada de energia bruta, suor e fúria elétrica vinda daquela região. Embora seja verdade que se trata apenas de um álbum de covers, raramente eles soaram com tanta sinceridade, fúria adolescente e selvageria primal.
Longe dos estúdios de Londres ou da Califórnia, esses quatro jovens de Caracas conseguiram capturar a essência do rock: urgência, grito, liberdade.
Um álbum cult, tão efêmero quanto deslumbrante, um testemunho incandescente de uma juventude sul-americana determinada a fazer barulho e quebrar tudo, apesar de tudo.
Títulos:
1. Gon'na Ride
2. High Way Child
3. When A Man Loves A Woman
4. Kansas City
5. If You Need Me
6. Toad
7. Stone Free
8. Cross Roads
9. Whiter Shade
10. 51st Anniversary
11. I'm Sorry
12. Sweet Soul Music
Músicos:
Richard Aumaitre: Baixo, Vocal;
Jesús Toro: Bateria, Vocal;
Alvaro Falcon: Guitarra, Órgão, Piano, Vocal;
Jaime Seijas: Guitarra, Vocal
Produção: Depressão Amorosa
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