quarta-feira, 7 de junho de 2023

“Passado, Presente, Futuro” (Odeon, 1972), Sá, Rodrix & Guarabyra

 




Até o surgimento do trio Sá, Rodrix & Guarabyra, os membros que formariam o grupo já desenvolviam as suas carreiras musicais. O carioca Luiz Carlos Sá atuava como compositor, e teve suas canções gravadas por Luhli, Pery Ribeiro e Nara Leão. Também carioca, Zé Rodrix vinha de uma banda de rock progressivo, a Som Imaginário, que havia acompanhado Milton Nascimento em shows e na gravação do álbum de estúdio Milton, de 1970. No mesmo ano, Rodrix, e seu parceiro Tavito, venceram o Festival da Canção de Juiz de Fora com a música “Casa No Campo”, que foi gravada dois anos depois por Elis Regina. O baiano Guttemberg Guarabyra, foi vencedor do II Festival Internacional da Canção, em 1967, com a música “Margarida”, da qual, além de compositor, foi o intérprete.

O caminho dos três se cruzaram em 1971, quando decidiram se juntar e formar o trio batizado Sá, Rodrix & Guarabyra. A inspiração para o nome do trio baseado nos sobrenomes de cada membro do conjunto foi o Crosby, Stills & Nash, que também foi uma das maiores influências musicais do trio brasileiro.

A canção “Casa No Campo”, de Rodrix e Tavito, foi o ponto de partida para o trio Sá, Rodrix & Guarabyra desenvolver a sua proposta musical. Um trecho da letra de “Casa No Campo” (“Eu quero uma casa no campo / Onde eu possa compor muitos rocks rurais”) acabou dando nome a um novo estilo de som, o rock rural. O novo estilo de rock, misturava referências musicais estrangeiras como folk music, rock progressivo e country music com referências musicais e culturais brasileiras como Tropicalismo, música sertaneja, folclore brasileiro, a música da região do Rio São Francisco e música mineira.


O trio em 1972, da esquerda para a direita: Zé Rodrix, Luiz Sá e Guttemberg Guarabyra.


Os temas abordados através de letras ricamente poéticas e embrulhadas em arranjos musicais muito bem elaborados, giravam em torno do abandono da vida na cidade grande pela vida tranquila e pacífica no campo, e o desprezo pelo materialismo, o que não deixa de ser sintomas da influência da filosofia hippie, ainda muito em voga naquela época.
Todas essas características e mais outras estão presentes no primeiro álbum lançado pelo trio, Passado, Presente, Futuro, lançado em 1972. Sob produção de Mariozinho Rocha, o álbum contou com arranjos de orquestra elaborados por Zé Rodrix, que apesar de jovem, tinha profundo conhecimento de teoria musical. Rodrix havia estudado no Conservatório Brasileiro de Música, o que deu a ele uma grande bagagem musical.

A primeira faixa do álbum é “Zepelin”, canção que retrata um sonho onde o trio viaja num dirigível pilotado pelo Conde Ferdinand Von Zeppelin (1838-1917) no começo do século XX, e que percorre a Europa passando por lugares famosos, símbolos da modernidade da época como a Torre Eiffel, em Paris. Os arranjos orquestrados e a irreverência de Sá, Rodrix & Guarabyra, fazem lembrar os Beatles na fase Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

Em “Ama Teu Vizinho Como A Ti Mesmo”, o trio tomou emprestado a frase célebre de Jesus Cristo: “Ame ao teu próximo como a ti mesmo”. Na letra da música, o trio pede que amemos o nosso vizinho mesmo que ele seja o “grilo” da comunidade: ou seja, mesmo que ele seja o grande criador de problemas do bairro.

“Juriti Butterfly” possui arranjos de cordas muito bem elaborado e um acordeon sendo executado num estilo “afrancesado”. O tom erudito da música cede lugar na reta final num ritmo que lembra o baião.


Conde Ferdinand Von Zeppelin, inventor do dirigível, citado na letra da canção "Zepelin",
de Sá, Rodrix & Guarabyra.


Em “Me Faça Um Favor” refere-se a uma despedida ao um amor que chegou ao fim, sem deixar lembranças ou saudades, e que guarda um ressentimento, uma mágoa: “Mesmo que as pessoas lembrem de nós / Mesmo que eu me lembre dessa canção / Não vai haver nada pra recordar / Nada que valeu, que houve de bom”.

“Boa Noite” é uma belíssima canção de ninar na voz de Zé Rodrix, que como pai, canta com toda ternura para a sua criança dormir. Para uma letra lúdica e cheia de fantasia, Rodrix criou um lindo arranjo de orquestra que parece feito para algum filme de fantasia infantil. Possivelmente, Zé Rodrix fez essa canção para a sua filha Marya Bravo, (de seu relacionamento com Lizzie Bravo), e que na época tinha um ano de idade.

“Hoje Ainda É Dia De Rock” é uma exaltação ao rock. Com vocal principal de Zé Rodrix, com Luiz Sá e Guttemberg Guarabyra nos vocais de apoio, “Hoje Ainda É Dia De Rock”  faz também uma comunhão entre referências musicais internacionais com a música brasileira, como na integração da viola sertaneja com a guitarra elétrica. A letra da música ainda faz uma crítica direcionada aos grupos intelectuais nacionalistas que defendiam uma música brasileira “pura”, livre de influências “americanizadas”.  O trio propõe a mistura de tudo, do “blues de Minas Gerais” com o “cateretê do Alabama”.


Crosby, Stills & Nash, principal influência musical de Sá, Rodrix & Guarabyra.


No folk rock “Primeira Canção Da Estrada”, Sá, Rodrix & Guarabyra cantam a liberdade do jovem de pegar a estrada com a mochila nas costas e sair descobrindo o mundo: “Apesar das minhas roupas rasgadas / Eu acredito que vou conseguir / Uma carona que me leve pelo menos / À cidade mais próxima”.

“Cumpadre Meu” trata do encontro de dois compadres, um da cidade grande e outro do campo. O compadre do campo propõe que o da cidade grande troque a vida estressante e poluída da metrópole pela tranquilidade e a pureza da vida no campo: “Cumpadre Meu / Bota a tropa na estrada / Mulher, filho e empregada / Vem pra longe do que já morreu...”. A canção é mais um exemplo do pensamento anti-materialista e bucólico presentes nas canções de rock rural.

A faixa seguinte, “Crianças Perdidas”, começa com som de gotas de água e sapos coaxando, dando um toque de experimentalismo à canção. Os versos cantados por Zé Rodrix, propõem um encontro numa pequena avenida com as crianças perdidas que um dia deixamos de ser.

Em “Azular”, Luiz Sá canta o culto à vida rural, acompanhado de Zé Rodrix e Guarabyra nos vocais de fundo. A bucólica “Ouvir Cantar”, trata da volta ao campo, de alguém que deixa a cidade grande e retorna à vida rural, onde é aguardado com ansiedade por quem o espera.


Sá, Rodrix & Guarabyra nos anos 2000.

“Cigarro De Palha” encerra Passado, Presente, Futuro, e apesar de curtíssima, resume muito bem a idealização romântica da vida no campo tão cantada por Sá, Rodrix & Guarabyra no álbum: “Só meu cigarro de palha / Meu cavalo alazão me dá / Um momento de paz na vida”.

Após Passado, Presente, Futuro, o trio Sá, Rodrix & Guarabyra ainda chegou a lançar o segundo álbum, Terra, em 1973. Porém, naquele mesmo ano, o trio chegou ao fim. Zé Rodrix partiu para a carreira solo e trilhou o caminho da publicidade compondo jingles para várias campanhas publicitárias. Luiz Sá e Guttemberg Guarabyra firmaram-se como a dupla Sá & Guarabyra, que manteve-se fiel ao rock rural e alcançou grande prestígio.
Em 1999, o trio retorna às atividades. Dois anos depois, Sá, Rodrix & Guarabyra lançam o CD e DVD Outra Vez Na Estrada, gravado ao vivo. Zé Rodrix morre em maio de 2009, e com sua morte, o trio chega ao fim em definitivo. Um álbum de músicas inéditas, Amanhã, foi lançado em 2010.

Faixas

Lado A
  1. “Zepelim" (Luiz Carlos Sá)
  2. "Ama Teu Vizinho Como A Ti Mesmo" (Luiz Carlos Sá - Zé Rodrix)
  3. "Juriti Butterfly" (Guttemberg Guarabyra - Luiz Carlos Sá)
  4. "Me Faça Um Favor" (Guttemberg Guarabyra - Luiz Carlos Sá)
  5. "Boa Noite" (Luiz Carlos Sá - Zé Rodrix)
Lado B
  1. "Hoje Ainda É Dia De Rock" (Zé Rodrix)
  2. "Primeira Canção Da Estrada" (Luiz Carlos Sá - Zé Rodrix)
  3. "Cumpadre Meu" (Guttemberg Guarabyra)
  4. "Crianças Perdidas" (Zé Rodrix)
  5. "Azular" (Luiz Carlos Sá)
  6. "Ouvi Contar" (Guttemberg Guarabyra - Luiz Carlos Sá - Zé Rodrix)
  7. "Cigarro De Palha" (Guttemberg Guarabyra)

Ouça na íntegra o álbum Passado, Presente, Futuro

ROCK ART


 

PEROLAS DO ROCK N`ROLL

 

 ACID FOLK - MOURNING PHASE - Same - 1971



Artista / Banda: Mourning Phase
Álbum: Mourning Phase
Ano: 1971
Gênero: Psychedelic Folk
Países: Inglaterra

Comentário: Atendendo a pedidos, repost de um dos primeiros e mais raros posts do blog. A história desta banda é quase toda desconhecida, incluindo seus músicos. Lançaram apenas um disco com prensagem mínima pela pequenina Eden, desaparecendo em seguida e tendo seu material redescoberto nos anos 90 pela Kissing Spell.
Dividido em 7 curtas faixas, totalizando menos de 30 minutos, este é um belo exemplo da mistura entre folk rock e psicodelia que guiou várias bandas locais na época (sendo comparado com Mellow Candle). Muito bem executado e arranjado pelos violões, com raras aparições de guitarra elétrica que acompanham os graciosos vocais femininos e masculinos, que se alternam.
Apesar de um leve toque ingênuo / amador, esta é uma das minhas pérolas favoritas de acid folk britânicas, altamente recomendado!

Faixas:
01 Ring Out The Bells (4:30)
02 August Song (4:42)
03 Smile Song (3:40)
04 Dross (2:57)
05 Putrescence (5:20)
06 Damn Your Eyes (4:33)
07 Contrived (3:08)


PEROLAS DO ROCK N´ROLL

 

PROG FOLK/ GARAGE ROCK - ALVA - Ja Tik Būtu - 1977



Artista: / Banda: Alva
Álbum: Ja Tik Būtu
Ano: 1977
Gênero: Prog / Psych / Folk / Garage Rock
 País: Letônia / Inglaterra

Comentário: Pérola baseada na região de Yorkshire, Inglaterra, em 1974, porém com origens letãs, lançando um único disco e se desfazendo após várias mudanças na formação. Esta é uma obra de 10 faixas, maioria curtas, exóticas e de difícil classificação, combinando elementos da música tradicional do país báltico e a explosão do rock que ocorria na época, incluindo elementos desde rock progressivo e psicodélico até garage / proto-punk. Liderado por vocais feminino e masculinos, com todas as letras em língua letã, varia momentos mais agressivos e outros calmos e acústicos, utilizando de instrumentos não usuais no rock em várias canções, além de guitarra, bateria e baixo.
Um disco de difícil recomendação, ouçam e tirem suas conclusão.


MUSICA&SOM


Músicos:
Raimonds Dāle (sinos, guitarra, vocal) 
Arnolds Dāle (bateria, tambor)
Roģeris Dāle (baixo)
Viktors Brenners (guitarra, vocal) 
Diana Ābols (vocal)

Faixas:
01 Ja Tik Būtu (3:24)
02 Pilsēta Kurā Piedzimst Vējs (1:57)
03 Kopā (2:40)
04 Svesinieks (2:38)
05 Akts (7:15)
06 Vilcienu dziesma (3:50)
07 Miglā (2:29)
08 Ziemeļvēji (2:31)
09 Es Izkūlu (3:47)
10 Jo Beigas Ir Klāt (2:30)




Discografias Comentadas: Mötley Crüe (Parte II)

 

Discografias Comentadas: Mötley Crüe (Parte II)

Depois do absurdo sucesso de Dr. Feelgood (1989) e da sua turnê de divulgação, seguidos pelo lançamento da coletânea Decade Of Decadence, dois anos depois. O Mötley Crüe assinou um contrato de 25 milhões de dólares com a Elektra Records, que apostou na continuidade do sucesso dos caras. Os membros da banda, por sua vez, ignoraram totalmente o cansaço de 3 anos consecutivos de gravações e turnês, e se trancaram em estúdio para gravar o sucessor de Dr. Feelgood, em 1992. Sob o título provisório de ‘Till Death Do Us Part, as sessões de gravação logo no início viraram um verdadeiro inferno, quando Sixx, Lee e Mars entraram repetidas vezes em confronto (verbal e físico) com o vocalista Vince Neil. Como resultado, a banda acabou ficando sem vocalista, em episódio mal explicado até hoje, onde não ficou claro se o vocalista teria se mandado, ou levado um belo pé na bunda, já que praticamente cada um dos integrantes tem uma história diferente para contar!


1_Motley_Crue_STMötley Crüe [1994]

Com a pressão da gravadora por novo material – e sem cantor – sobrou para Nikki Sixx (o chefão incontestável da banda) encontrar um substituto para Neil. O escolhido foi o vocalista e guitarrista americano John Corabi, que havia chamado a atenção de Sixx em seu trabalho com a banda Scream (o primeiro disco dos caras, Let It Scream de 91, é um dos discos prediletos do baixista), que dias depois de recrutado, já estava em estúdio colocando sua voz – e algumas partes de guitarra – nas músicas construídas, além de contribuir com novas composições. O resultado dessas gravações foi o álbum que levava apenas o nome da banda como título. Mötley Crüe foi lançado no começo de 1994, e era consideravelmente diferente do Mötley de até então, com um som mais grave e “fechado”, influência da cena Grunge que tomava conta na época. Longe de ser ruim, a bolacha dividiu os fãs, alguns abraçaram essa nova sonoridade, enquanto outros reclamavam de uma suposta perda de identidade da banda. Apesar de Corabi ser um excelente cantor (tecnicamente muito superior a Neil), e o disco possuir músicas muito boas, as vendas naufragaram miseravelmente, assim como o retorno dos fãs tradicionais foi bem negativo. Isso se deve não só ao direcionamento musical – e à troca de vocalista – do álbum, mas a toda uma mudança na indústria da música. Pra piorar, a relação da banda com a MTV (canal que à época transmitia música, não reality-shows para adolescentes desmiolados, e tinha um enorme poder de marketing) que nunca foi uma maravilha, desandou de vez quando Sixx esmurrou um apresentador, arrancando alguns dentes do infeliz. Para coroar a má fase da banda,  O primeiro disco solo de Vince Neil, o excelente Exposed, lançado um ano antes (e que trazia os ótimo guitarrista Steve Stevens, da banda de Billy Idol), tinha muito mais a ver com o Mötley Crüe, e era musicalmente mais impactante para os fãs tanto de Neil quanto do Crüe. Apesar de todos esses fatores negativos, musicalmente o álbum é muito bom, com um som maciço e bem produzido (novamente por Bob Rock). “Hooligan’s Holiday“, a balada “Misunderstood” (com backing-vocais da lenda Glenn Hughes) se tornaram singles com direito a video-clipes, em um álbum de qualidade regular, onde todas as músicas possuem qualidade, mas está longe de ser o Mötley Crüe de verdade. Aqueles que os fãs queriam ver e ouvir.

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O Crüe na época de John Corabi

2_Generation_SwineGeneration Swine [1997]

Com o naufrágio das vendas, a reação negativa do álbum anterior, e a pressão da gravadora por melhores resultados, o Mötley Crüe novamente se encontrava numa sinuca de bico. A solução encontrada por Sixx foi simples (pra ele, claro): não pestanejou e mandou Corabi embora, causando um mal-estar, principalmente em Tommy Lee, que havia desenvolvido uma forte amizade com Corabi (Tommy já era um desafeto de Neil há pelo menos meia década, na ocasião). Com as relações estremecidas, e aprovação de gravadoras e empresário, Vince Neil era novamente o vocalista da banda (depois do fracasso de vendas de seu segundo disco solo, o irregular Carved In Stone de 1995). Com a poeira baixa, o quarteto novamente entra em estúdio, para aquele que seria o disco mais polêmico da banda. Intitulado Generation Swine, o sétimo disco de estúdio do Mötley Crüe chega nas lojas no meio de 1997, chocando virtualmente todos os fãs do conjunto. Este é, até o presente momento, o disco mais experimental e audacioso do Mötley Crüe, incorporando elementos de música industrial aos resquícios Grunge do lançamento anterior, sem no entanto, deixar de lado o Hard/Heavy que havia consagrado a banda. Mesmo com uma parcela significativa dos fãs (notadamente os mais xiitas) execrando o material, e a mídia “especializada” (entre aspas, frise-se) decretando o fim do conjunto, Generation Swine está longe de ser um álbum ruim, mas por seu caráter desafiador, e por se distanciar de muitas das características que sedimentaram a identidade da banda no decorrer de sua carreira, acabou por afastar – e enfurecer – praticamente todos os fãs do grupo. Sujo, pesado, debochado e marginal, de uma forma desconcertante para quem esperava o Mötley Crüe dos anos 80. Nada de se estranhar, vindo de uma banda que desde o início desafiou os limites de seu público e da indústria musical (em seus mais de trinta anos, o grupo se recusa a ter um logotipo definido, por exemplo) e os próprios, como artistas. A maioria dos detratores do material se prenderam mais na mudança proposta pela produção do álbum (a cargo de Scott Humphrey) do que pelas composições, propriamente ditas. Composições essas que, se escutadas com atenção, e a cabeça aberta (coisa não muito comum entre fãs de rock em geral, convenhamos), mostram muito bem um MC fazendo exatamente o que sabe: Rock And Roll sujo, provocante e agressivo. Basta prestar atenção em músicas como “Afraid” (que gerou um clipe muito bacana, com a participação de Larry Flint, famoso criador da revista erótica Hustler e amigo dos integrantes da banda), “Find Myself” (com uma letra totalmente MC, onde Neil esbraveja por suas drogas e eu álcool. Lúdico!), “Beauty”, com seu clima debochado e claro a contagiante faixa título. Até a balada “Afraid” (composta em parceria com o cantor/guitarrista canadense Bryan Adams) é legal, desde que não se espere uma “Home Sweet Home” por exemplo. Há pisadas na bola? Sim! A principal dela, uma desnecessária versão remixada do clássico “Shout At The Devil do disco homônimo, e um par de canções contando com vocais de Sixx e Lee. Generation Swine é mais um disco contraditório do que péssimo, já que apesar de conter ótimas composições, peca pela execução e estética das mesmas.


3_New_TattooNew Tattoo [2000]

Se a qualidade de Generation Swine era uma questão de opinião (e de muita cabeça aberta, diga-se), o desmoronamento das relações interpessoais dentro da banda era fato. Se antes Tommy Lee e Vince Neil já não não mantinham uma relação de amizade, desde a volta do vocalista, ambos haviam se tornado inimigos declarados, por inúmeros motivos de ordem pessoal e profissional (lembremos que ambos, assim como Nikki possuíam egos enormes potencializados pelos anos de fama, fortuna e drogas), e chegaram a sair na porrada algumas vezes.  Em certa ocasião, já em 1999, Tommy, na condicional por ter sido mais imbecil que o normal e agredido sua esposa (a Baywatcher Pamela Anderson), foi provocado por Neil, que intencionava que o baterista fosse – de novo – pro xadrez. Lee resistiu a tentação de dar uma sova em Neil, mas mandou o grupo às favas e caiu fora, deixando novamente Sixx com o pepino da troca de um integrante na mão. Como a popularidade da banda havia crescido com o retorno de Neil, Nikki Sixx não quis perder tempo, recrutando para as baquetas o experiente Randy Castillo, que tinha no currículo trabalhos com Ozzy Osbourne e Lita Ford, entre outros. Natural do Novo México, Castillo se encaixou bem na banda, e se deu relativamente bem com os outros integrantes (apesar de não ter o carisma de Lee). O grupo então lançou, em 2000, New Tattoo, que, apesar de conter uma sonoridade mais próxima aos seus trabalhos mais tradicionais dos anos 80, trazia canções sem a mesma malandragem de outrora (inclusive em comparação com o álbum anterior). Mesmo com várias melodias “ganchudas” e passagens acessíveis (algumas quase pop) o álbum não teve o impacto esperado pela trupe e, na turnê de divulgação do mesmo, apesar de geralmente contar com shows com um bom público, a energia da banda não se mostrava 100% presente, e Neil claramente não era mais o mesmo, com a qualidade de sua performance muitas vezes bem abaixo da média. Grande parte desses shows teve a baterista Samantha Maloney substituindo Castillo, acometido por um câncer que acabou por vitimá-lo em 2002. New Tattoo produziu três singles: “Hell On High Heels“, “Threat Me Like A dog I Am” e a faixa título.

C_Live
A volta de Neil

4_Saints_OfLos_AngelesSaints Of Los angeles [2008]

Com o fim da turnê de divulgação de NT, o Mötley Crüe (por enquanto um trio, já que Lee ainda estava desligado da banda), entrou em um hiato velado. Lee ocupava-se com seus trabalhos solo, Sixx tocava sua nova banda, Sixx A.M. (com o vocalista de estúdio James Marshall). Neil se metia no negócio de transporte aéreo, e Mars… continuava sendo Mars: cada vez mais misterioso e recluso. Alguns já davam a carreira do Mötley Crüe como acabada, quando, em 2005, o grupo lança a coletânea Red, White And Crüe, contendo duas composições inéditas (três, para o mercado japonês) e um cover “Street Fighting Man” dos Rolling stones, todas contando com a formação original do grupo. O apanhado de sucessos deu o pontapé para uma lucrativa turnê de grande sucesso, que rendeu o excelente DVD Carnival Of Sins. Após o fim do giro, o grupo anuncia que está trabalhando em material para um novo disco, que seria baseado em The Dirt, autobiografia do grupo lançada em 2002, o que fez o do álbum o primeiro lançamento conceitual do conjunto. Em abril de 2008 o single para a música “Saints Of Los Angeles” foi lançado, agradando fãs e admiradores da banda. Parecia que o velho Crüe estava de volta com força total. O álbum completo, também lançado em 2008 trazia algumas mudanças em relação a sua concepção original: passava a ser um álbum apenas baseado de forma geral com algumas passagem do livro supracitado, e não mais uma trilha sonora para The Dirt. Como consequência, o álbum (que teria o mesmo nome do livro) passa a ter o mesmo título de seu primeiro single. Bem mais consistente que seu antecessor, em termos musicais, Saints Of Los Angeles traz várias canções fortes que trazem passagens remetendo aos tempos áureos da banda, mas, no todo, perde um pouco aquela malandragem debochada dos anos de inconsequência dos integrantes da banda, e tem certo ar de melancolia em certos momentos que parecem antagônicos à atitude “soco-na-cara” que se tornou marca registrada do som dos caras desde sua concepção. Consequência da parceria de Sixx com James Marshall e DJ Ashba (vocalista e guitarrista, respectivamente), ambos parceiros do baixista no Sixx A.M. fazendo – juntamente com o som mais “moderno” de guitarras – com que muitas passagens tenham mais a ver com a banda de Nikki do que com o material do Crüe, propriamente dito (“The Animal In Me” é o melhor exemplo). A dupla Marshal contribuiu ativamente na composição de todas as treze músicas. Ashba, de 12. De qualquer forma, não faltam músicas de qualidade no álbum. Dentre elas, destaque absoluto para a canção título, “White Thrash Circus” (com um groove bem bacana), “Chicks = Trouble” (que título!) e “Motherfucker Of The Year” (outra que merece um troféu pelo título). O resto do material segue certa regularidade, não manchando a carreira da banda. Mas, ainda assim, aquém dos materiais clássicos dos caras.

Mick Mars,Nikki Sixx, Vince Neil e Tommy Lee
Mick Mars,Nikki Sixx, Vince Neil e Tommy Lee

Após o lançamento do álbum, o Mötley Crüe saiu em mais uma turnê com excelentes retornos (financeiros, claro), que acabou gerando o DVD CrüeFest no qual o quarteto fechava a noite do festival que ainda contava com outras bandas. O quarteto ainda lançaria 2 singles: “Sex” (2012) e “All Bad Things Must End”, de 2015 que – como sugere o título – selaria o fim da banda, que fez uma tour de despedida (rendendo um DVD fraquíssimo). Os caras como sempre transformaram a tal despedida em circo e até contrato garantindo que nunca mais tocariam juntos, assinaram. E fim de papo.

Ou não. Com o sucesso da adaptação cinematográfica meia-boca (veiculada pelo Netflix) da excelente biografia The Dirt, os dólares NOVAMENTE falaram mais alto e os caras – com a desculpa de que os fãs (sei!) queriam ver a banda ao vivo mais vezes – e literalmente explodiram o tal contrato que teoricamente sepultava o Mötley Crüe e vão novamente embarcar em uma tour (adiada por causa da Covid-19)! Francamente, depois dessa, encerro minha resenha por aqui.

Discografias Comentadas: Mötley Crüe (Parte I)

 

Discografias Comentadas: Mötley Crüe (Parte I)

Na estrada há 4 décadas o Mötley Crüe foi formado em 1980 pelo baixista californiano Nikki Sixx (nascido Frank Carlton Serafino Feranna Jr.) e pelo baterista grego – de Atenas – Thomas “Tommy Lee” Bass, dupla que ainda no mesmo ano se juntou ao guitarrista Robert Alan Deal (nascido em Indiana, nos Estados Unidos, e que adotou a alcunha de Mick Mars) e ao vocalista californiano Vincent “Vince Neil” Wharton. No decorrer de suas três décadas de existência, a banda ficou famosa por escândalos sexuais, mortes, acidentes, overdoses, brigas internas homéricas (não é segredo pra ninguém que pelo menos metade dos integrantes dos grupo se odeia até a morte), doenças e toda a sorte bizarrices. Nada disso, entretanto foi mais importante que o elemento mais poderoso de responsabilidade do quarteto: a música. São nove discos de estúdio (sem contar EPs, álbuns ao vivo e dúzias de singles) contendo canções dignas das mais altas notas e que, sem sombra de dúvida, merecem estar entre alguns dos maiores clássicos não só do hard rock californiano que fez sucesso na década de 80, mas do rock ‘n’ roll em geral. São exatamente os cinco primeiros discos de estúdio do Mötley Crüe que receberão uma geral nas próximas linhas.


A1bYvxz2+4L._SL1500_Too Fast For Love [1981]

Lançado no ano seguinte ao da fundação da banda, o álbum foi precedido pelo single de “Stick to Your Guns” que continha a faixa “Toast of the Town” no lado B. Originalmente, Too Fast For Lovefoi bancando pela própria banda (que também produziu a bolacha), e continha dez faixas, incluindo o lado A do single supracitado. Percebendo, contudo, o potencial comercial do disco, a gravadora Elektra (subsidiária da poderosa Warner) remixou as faixas do álbum, limando  “Stick to Your Guns” do track list final e ainda deu uma mexida na arte da capa (principalmente nos contrastes de cores e no logotipo). Basicamente, a remixagem da Elektra deixou o álbum menos cru, com uma sonoridade consideravelmente menos “suja”, dando uma aliviada no som. Muitos fãs – inclusive este que vos escreve – ainda hoje preferem a mixagem original do álbum, apelidada de Leathür (nome do selo independente de propriedade da banda, responsável pela versão original), por muito tempo impossível de se encontrar, já que a quantidades de álbums lançada com essa mixagem foram reduzidíssima, e sua distribuição extremamente limitada. A versão Leathür de Too Fast For Love foi finalmente relançada em sua totalidade em 2003, no lançamento do primeiro volume do box-set Music to Crash Your Car to. Musicalmente, o disco tem o frescor dos primeiros anos da banda e parece ser a cria bastarda entre Kiss, Sex Pistols e alguma coisa do Judas Priest, apesar de já apresentar uma forte identidade em seu hard rock, repleto de energia e ira. Destaques para “Live Wire”, “Public Enemy #1“, Take Me to the Top”, “Piece of Your Action”, a autobiográfica composição de Sixx, “On With the Show” e a faixa-título. De longe uma das melhores estreias do hard rock.


Motley-Crue-Shout-At-The-Devil5Shout at the Devil [1983]

Dois anos depois do debut, chegou às prateleiras aquele que é considerado pela esmagadora maioria dos fãs o melhor disco do Mötley Crüe. Juizo de gosto à parte, o álbum é uma coleção de clássicos atemporais e definiu os próprios parâmetros musicais do quarteto. Shout at the Devil é mais pesado e agressivo que seu antecessor (e que a maioria de seus sucessores), características que não dizem respeito apenas à questão musical, mas também às letras, ao visual dos músicos e da capa e encarte do material. Musicalmente, o disco constitui um misto de hard rock, glam rock e punk, perfeitamente equilibrado com as influências heavy metal dos seus responsáveis. Essa mistura produziu músicas atemporais, clássicos absolutos tanto do grupo quanto do hard rock (e seus subgêneros) e até do próprio rock ‘n’ roll. Encontram-se neste disco maravilhas essenciais do calibre de “Too Young to Fall in Love” (com a inesquecível entrada de bateria de Tommy Lee), “Looks that Kill”, “Knock ‘Em Dead, Kid”, “Red Hot“, “Ten Seconds to Love”, “Bastard”, o cover de “Helter Skelter” (composta por Paul McCartney, lançada originalmente no disco autointitulado dos Beatles, de 1968), e claro, a faixa-título. Todas destruidoras! Se por algum motivo apenas um disco do Mötley Crüe tivesse que ser escolhido, com certeza seria esse. Essencial e obrigatório, como qualquer clássico!


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Theatre of Pain [1985]

Depois do sucesso do disco anterior, em 1985 chegou a hora para mais um álbum. Theatre of Pain não traz a mesma qualidade de seu antecessor: as composições são, de um modo geral, mais fracas, e a banda já não toca com a mesma garra. Culpa, em parte, dos excessos, principalmente de álcool e drogas. É aqui que Sixx intensifica sua espiral de decadência pelo mundo da heroína. Ainda assim, o disco ainda gerou pelo menos dois hits: o cover para  “Smokin’ in the Boys Room” (Brownsville Station) e a power ballad “Home Sweet Home“, essa, um dos maiores sucessos dos caras, presença obrigatória no fechamento de praticamente todos os shows da banda desde então. Theatre of Pain é considerado, pela maioria dos membros da banda, o material mais fraco e de menor qualidade que lançaram até hoje.

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Mötley Crüe em 1985

A1clTusCFtL._SL1500_Girls, Girls, Girls [1987]

Dois anos depois de seu antecessor, Girls, Girls, Girls chegou às lojas com um som bem mais influenciado pelo blues e com temática lírica abordando o modo de vida dos caras na época. Strippers, motocicletas e álcool eram os motes das canções, explicitamente ou não. Um pouco mais forte que Theatre of Pain, o álbum, ainda assim, ficou aquém da capacidade criativa da banda. Graças, ainda, aos excessos por parte de seus integrantes. Mesmo sendo composto basicamente por canções que sobraram das sessões dos dois discos anteriores (o grupo teve, inclusive que incluir uma faixa gravada ao vivo, para preencher o tempo do disco), são de Girls, Girls, Girls alguns dos sucessos mais significativos nos shows do quarteto, entre elas “Wild Side” e a faixa-título. Outra power ballad também teve grande êxito na época: “You’re All I Need“, com sua letra sobre assassinato, bem ao estilo de Sixx.


0de7d0db0ccb5a072a2b17aa4895770f.500x500x1Dr. Feelgood [1989]

Mesmo mantendo seus fãs e garantindo altas colocações nas paradas, além de considerável sucesso de vendas e público, era óbvio que mudanças no comportamento dos integrantes da banda (Sixx principalmente) eram necessárias. A criatividade dos caras ficava cada vez menor e, em consequência, a pressão de empresários e gravadora começava a crescer. O álbum seguinte (que quase não chegou a ser feito) seria a prova de fogo do Mötley Crüe. Sendo assim, depois de se internarem em clínicas, gastando fortunas para se reabilitarem dos vícios, os caras contrataram o produtor canadense Bob Rock para a produção do sucessor de Girls, Girls, Girls. Gravado em Vancouver (Canadá), Dr. Feelgood trouxe um som pesado, direto e coeso (apesar de um pouco polido demais para os padrões do grupo, muito graças à produção de Bob Rock), bem na cara. Além disso, a bolacha conta com participações de Bryan Adams, Sebastian Bach (então no Skid Row), Robin Zander e Rick Nielsen (Cheap Trick), Jack Blades (Damn Yankees e Night Ranger) e Steven Tyler (Aerosmith) – entre outros – nos backing vocals de diversas músicas. As composições, aliás, são o ponto forte do álbum, de onde saíram os megahits “Kickstart My Heart”,, “Same Ol’ Situation (S.O.S.)“, “Don’t Go Away Mad (Just Go Away)“, a power ballad “Without You” e a faixa-título. O resultado foi o primeiro lugar nas paradas da época, acertando em cheio o gosto dos fãs, alavancando a popularidade do grupo a níveis estratosféricos.

Depois do lançamento do disco e de sua turnê de divulgação, o Mötley Crüe aproveitou para lançar sua primeira coletânea, intitulada apropriadamente como Decade of Deacadence, incluindo remixes, canções ao vivo e inéditas, antes de dar uma pausa para merecidas férias. Com milhões de dólares acumulados, fama exorbitante e popularidade proporcional a ambos, o Mötley Crüe se encontrava em sua melhor forma, prontos para dominar de vez o mundo. E nada poderia pará-los. A não ser eles mesmos…



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