quarta-feira, 7 de junho de 2023

DISCOGRAFIA AFASIA Progressive Metal • Italy

 

AFASIA

Progressive Metal • Italy

Afasia biography
O AFASIA foi formado em Roma em 2011 por iniciativa do guitarrista e compositor Francesco LORI que se uniu a Fabio RICCCCI e Francesco DE SANTIS para trabalhar em um novo projeto inspirado em bandas como PREMIATA FORNERIA MARCONI, BANCO DEL MUTUO SOCCORSO, KING CRIMSON mas também os mais novos, como OPETH e DREAM THEATER, só para citar alguns. Depois de um longo e árduo trabalho e uma boa atividade ao vivo na cena local, em 2016 Afasia finalmente lançou um álbum de estreia intitulado "Nelle vesti del mio ego" com uma formação renovada com Francesco LORI (guitarras), Fabio RICCCCI (bateria ), Giuseppe POVERROMO (teclados), Damiano LANCIANO (baixo) e Marco CIVILLA (vocal). É um álbum conceitual longo e complexo que conta em música e palavras a história de um louco que foge de um hospital psiquiátrico e depois é preso e condenado à morte por assassinato. Os vocais sinceros e teatrais interpretam os personagens e tentam transmitir seus sentimentos enquanto a música sublinha o enredo. Há muitas mudanças de humor e ritmo com passagens agressivas influenciadas por sons de metal e outras mais calmas e sonhadoras.

AFASIA discografia



AFASIA top albums (CD, LP, )

3.91 | 4 ratings
Nelle Vesti Del Mio Ego
2016

“Marcus Garvey” (Island, 1975), Burning Spear

 


Nascido em 1945 na cidade de Saint Ann’s Bay, capital da paróquia de Saint Ann, na Jamaica, Winston Rodney foi influenciado por duas figuras que por coincidência ou não, eram ilustres conterrâneas suas: o ativista Marcus Garvey (1887-1940) e o cantor Bob Marley (1945-1981). Ambos nasceram na paróquia de Saint Ann assim como Rodney, e se tornariam grandes referências na sua maneira de pensar e de encarar o mundo.

Já convertido ao rastafarianismo, Rodney começou a sua carreira artística em 1969, quando formou com o vocalista e baixista Rupert Wellington, uma dupla vocal, mas que pouco tempo depois se tornaria um trio com a entrada de Delroy Hines. Rodney fazia o vocal principal enquanto que Wellington e Delroy assumiram os vocais de apoio.

Naquele momento, Rodney assumiu como seu nome artístico a alcunha Burning Spear (“Lança Ardente” em inglês), inspirado em uma das mais importantes comendas do Quênia, Order Of The Burning Spear (Ordem da Lança Ardente). Essa comenda foi criada em homenagem a Jomo Kenyatta (1894-1978), que na época em que fora primeiro-ministro do Quênia, foi de suma importância na independência daquele país em 1963, quando deixou de ser colônia da Grã-Bretanha. Após a independência, Kenyatta tornou-se o primeiro presidente do Quênia, entre 1964 e 1978. No dialeto da etnia kikuyu, do Quênia, Jomo quer dizer justamente “lança ardente” ou “lança flamejante”. Burning Spear foi também como acabou sendo chamado o trio integrado por Rodney, Wellington e Delroy.

Da esquerda para a direita: Delroy Hines, Winston Rodney (Burning Spear) e Ruppert Wellington.

Ainda em 1969, por sugestão de Bob Marley, o trio foi fazer um teste num dos mais importantes selos da Jamaica naquela época, o Studio One, de propriedade do produtor Clement Dodd. O trio foi aprovado e logo gravou o primeiro single, “Door Peep”, lançado em 1969.

Dali em diante, sucederam-se vários singles até o lançamento do primeiro álbum em 1973, Studio One Presents Burning Spear. Em 1974, sai o segundo álbum, Rocking Time. Apesar da fama que vinha construindo com os dois primeiros álbuns na Jamaica, divergências levaram o trio a romper com Clement Dodd.

Após deixar o selo Studio One, o trio procurou o produtor Lawrence Lindo, mais conhecido como Jack Ruby, dono de sistema de som baseado na cidade de Ocho Rios, na paróquia de Saint Ann, na Jamaica. Até aquele momento, Ruby era o único produtor de discos de reggae que trabalhava fora de Kingston.

No entanto, Ruby teve que se dirigir a Kingston para produzir novos singles de Burning Spear e que resultariam no terceiro álbum do trio. As sessões de gravação ocorreram no Randy’s Studio, um dos estúdios de gravação mais requisitados pela nata do reggae naquela época. Para acompanhar o trio nas gravações, Ruby recrutou uma verdadeira seleção estelar de músicos da cena de reggae jamaicana daquele momento, alguns deles oriundos da banda The Soul Syndicate e outros dos Wailers, a banda de apoio de ninguém menos que Bob Marley. A junção dos músicos resultou na banda batizada por Ruby como The Black Disciples. Entre os músicos que tocaram nas sessões de gravação estavam gente como os baixistas Robbie Shakespeare e Aston “Family Man” Barrett, o guitarrista Earl “Chinna" Smith e os tecladistas Earl “Wya” Lindo, Bernard “Touter” Harvey e Tyrone Downie, o baterista Leroy Wallace entre outros.

Lawrence Lindo, também conhecido como Jack Ruby, produtor do álbum Marcus Garvey.
O lançamento do novo álbum foi antecedido pelo lançamento de dois singles, “Marcus Garvey” e “Slavery Days”. Os dois singles alcançaram um grande sucesso perante o público jamaicano, o que despertou o interesse da Island Records, gravadora de Chris Blackwell, empresário inglês que passou a infância na Jamaica e que se tornara responsável por levar para a Inglaterra e mercado internacional as novidades da música jamaicana. Bob Marley se tornara a grande estrela da Island Records e o grande propagador do reggae mundialmente.

Para o lançamento do álbum no mercado internacional, Blackwell teria mandado fazer algumas alterações na mixagem nas fitas originais para tornar o álbum mais comercial. A ideia era tornar o álbum mais “agradável”, menos “rústico” aos ouvidos europeus. Essa estratégia teria ocorrido com o álbum Catch A Fire, de Bob Marley & The Wailers, e o resultado foi um grande sucesso comercial. Contudo, a ideia não foi muito bem “digerida” por Winston Rodney que não gostou de ver o trabalho do trio já finalizado mexido à sua revelia. Apesar da insatisfação de Rodney com a atitude da Island Records, o álbum, intitulado Marcus Garvey, foi lançado em 12 de dezembro de 1976.

O título do álbum faz referência ao jornalista e ativista jamaicano Marcus Garvey que dedicou a sua vida em defesa dos direitos do povo negro, não só o da Jamaica, seu país natal, como também dos Estados Unidos, da África, e de qualquer parte do mundo. Foi um profundo pesquisador da cultura africana. Mesmo após a sua morte, em 1940, o seu pensamento permaneceu exercendo influência nas gerações seguintes de jamaicanos, sobretudo, nos artistas de reggae da Jamaica que começaram a despontar a partir dos anos 1960 como Burning Spear.

Marcus Garvey, ativista jamaincano defensor dos direitos e da cultura do povo negro: referência para Burning Spear e
várias gerações de artistas de reggae e ativistas da causa negra.

A faixa que dá nome ao álbum é quem abre o disco, e que foi lançada antes do álbum como single. É um reggae de ritmo rápido e dançante cuja letra trata sobre fome e pobreza na Jamaica, e cita Marcus Garvey e a sua mensagem de luta e esperança para o povo negro.

“Slavery Days”, assim como “Marcus Garvey”, a faixa anterior, havia também sido lançada como single anteriormente. O refrão pergunta ao ouvinte se ele lembra dos dias de escravidão e de sofrimento durante séculos de colonização europeia nas Américas. Enquanto Winston Rodney canta os versos da música, Rupert Wellington e Delroy Hines a todo momento repetem o “Do you remember the days of slav'ry?” (“Você se lembra dos dias de escravidão?”).

“The Invasion” trata da diáspora africana, enquanto que “Live Good” traz no seu ritmo lento a presença inusitada de uma flauta executada por Carlton Samuels, um instrumento pouco comum no universo do reggae. 

“Give Me” Burning Spear clama por liberdade, algo que seus antepassados escravizados não tinham na época da Jamaica colonial. Se na Jamaica contemporânea dos anos 1970, o povo já era livre, o clamor desta vez era por justiça social, em meio a tanta violência e miséria econômica.   

Em “Old Marcus Garvey”, Burning Spear volta a falar do líder negro jamaicano e questiona os motivos de Garvey ter sido esquecido em sua terra de origem. “Tradition” lembra da presença milenar da cultura negra no mundo, enquanto que “Jordan River” mostra a veia espiritual de Burning Spear ao afirmar que só passarão pelo Rio Jordão os que têm fé.

“Red, Gold & Green” é uma homenagem sutil à Etiópia e a Haile Selassie (1892-1975), último imperador da Etiópia, considerado pelos rastafáris o “Cristo Vivo”, e “reencarnação de Jah”. O título da música é uma clara alusão às cores da bandeira etíope. No entanto, na letra, a expressão ites significa vermelho na linguagem rastafári: “Ites, green and gold, it’s the rainbow” (“Ites, verde e ouro, é o arco-íris”). O verso “The lion, the lion, crown the kingIn Addis Ababba” (“O leão, o leão, coroa o rei em Addis Ababba), traz claras alusões ao Leão de Judá, símbolo muito cultuado pelos rastafáris, e o nome da capital etíope.

A faixa que encerra o álbum é a ecológica “Resting Place”, em que Burning Place procura uma árvore sombreada para descansar, mas tudo que encontra é poluição.

O imperador etíope Haile Selassie (1892-1975) e a bandeira imperial etíope que esteve em vigor entre 1941 e 1974:
dois símbolos que fazem parte do imaginário rastafári.

Com um repertório que mistura temas espirituais com engajamento político e étnico, o álbum Marcus Garvey agradou ao público. Se os temas abordados já estavam presentes nos álbuns anteriores, Studio One Presents Burning Spear (1973) e Rocking Time (1974), o que diferenciou o álbum Marcus Garvey dos seus antecessores foram as boas canções, e sobretudo, a qualidade da produção do álbum. O trabalho do produtor Jack Ruby e os músicos que acompanharam as gravações, deixaram a sonoridade de Burning Spear mais robusta, mais encorpada, comparada aos de Studio One Presents Burning Spear e Rocking Time.

Marcus Garvey representou a consagração de Winston Rodney como representante do reggae fora da Jamaica, principalmente no Reino Unido. O sucesso de Marcus Garvey resultou no lançamento em abril de 1976, do álbum Garvey’s Ghost, que trouxe versões dub das músicas presentes no álbum Marcus Garvey. Em agosto de 1976, sai o quarto álbum, Man In The Hills, produzido por Jack Ruby, e que trouxe uma regravação de “Door Peep”, música que fez parte do primeiro compacto de Burning Spear lançado em 1969 pelo selo Studio One. 

Winston Rodney, o "Burning Spear", em 2016.

Em meio ao sucesso, no final de 1976, Rodney separa-se de Rupert Wellington e Delroy Hines, e segue sua carreira sozinho como Burning Spear. Seu primeiro álbum sem os antigos parceiros foi Dry & Heavy, de 1977, e que foi também o primeiro produzido pelo próprio Rodney. O lançamento do álbum foi sucedido por uma turnê pelo Reino Unido, que contou com a Aswad como banda de apoio. Um show no Rainbow Theatre, em Londres, foi gravado ao vivo em outubro de 1977, e resultou no álbum Live, lançado no mesmo ano.

Dali em diante, Rodney seguiu a sua trajetória como astro do reggae, mas mantendo as suas convicções ideológicas. Por causa delas, travou vários conflitos com executivos de gravadoras, brigando pelos seus direitos como compositor e intérprete. Rodney chegou a criar o seu próprio selo para lançar os seus álbuns, porém sem nenhum deles conquistar o mesmo prestígio e relevância do álbum Marcus Garvey.

Faixas
  1. "Marcus Garvey"
  2. "Slavery Days"
  3. "The Invasion" (W. Rodney - C. Paisley - P. Fullwood)
  4. "Live Good" (Marcus Rodney, Mackba Rodney, Winston Rodney)
  5. "Give Me" (Winston Rodney)
  6. "Old Marcus Garvey"
  7. "Tradition" (Delroy Hines - Rupert Willington - Winston Rodney)
  8. "Jordan River" (W. Rodney - M. Lawrence - P. Fullwood)
  9. "Red, Gold & Green" (A. Folkes - W. Rodney - P. Fullwood)
  10. "Resting Place" (Winston Rodney)

Todas as são de autoria de Winston Rodney e Phillip Fullwood, exceto as indicadas.

Burning Spear: Winston Rodney (vocal principal), Rupert Willington (vocal de apoio) e Delroy Hines (vocal de apoio).



"Old Marcus Garvey"


“Clube da Esquina” (Odeon, 1972), Milton Nascimento e Lô Borges

 




Em 1971, Milton Nascimento já era um cantor famoso, com quatro álbuns gravados, um deles, Courage (1968), gravado nos Estados Unidos. Milton havia sido revelado na segunda edição do Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo em 1967, quando concorreu com a canção “Travessia”, que ficou em 2º lugar. Naquele mesmo festival, Milton conquistou o prêmio de “Melhor Intérprete”. A fama não o impediu de sempre que tinha tempo, sair do Rio de Janeiro, onde morava, para viajar até Belo Horizonte para rever os amigos. E naquele ano de 1971, como de hábito, Milton foi rever os amigos na capital mineira.

Desta vez, Milton foi a belo Horizonte com um propósito: convidar o amigo Lô Borges para juntos, gravarem um álbum. Os dois já se conheciam desde que Milton chegou a Belo Horizonte em 1963, vindo de Três Pontas, cidadezinha do interior de Minas Gerais. Milton foi morar no edifício Levy, centro de Belo Horizonte, o mesmo em que a família Borges e seus onze filhos moravam. Lô era um daqueles filhos e ainda um menino, enquanto Milton já era um rapaz de pouco mais de 20 anos de idade, e naquele momento, tinha mais afinidades com Márcio Borges - mais velho que Lô Borges - e com quem Milton já começava a escrever algumas canções. Em pouco tempo, Milton já era bastante íntimo da família Borges, era considerado um “12º filho”. Milton era carinhosamente chamado de “Bituca”.

Milton Nascimento

Mas desde o final dos anos 1960, a família Borges já havia deixado o centro de Belo horizonte e se mudado para uma casa no bairro de Santa Tereza, região leste da capital mineira, próximo às ruas Divinópolis e Paraisópolis. E era na esquina das duas ruas que Lô (naquele momento, um adolescente apaixonado pelo som dos Beatles), Márcio e mais um bando de amigos se encontravam para conversar e tocar violão. O encontro daqueles jovens naquela esquina acabou sendo batizado de Clube da Esquina, que virou título de música composta em parceria por Milton, Lô e Márcio Borges. A canção foi gravada por Milton Nascimento para o seu álbum Milton, de 1970, que trazia outras duas canções compostas por Lô Borges em parceria, o sucesso “Para Lennon e McCartney” (parceria de Lô com Márcio Borges e Fernando Brant) e “Alunar” (parceria de Lô Borges com Márcio Borges).

Para Lô gravar o álbum com Milton, ele teria que deixar Belo Horizonte e ir para o Rio de Janeiro. No entanto, o convite de Milton a Lô esbarrava-se em dois entraves naquele momento: os pais de Lô e o serviço militar obrigatório. Lô ainda era muito jovem, e para deixar Belo Horizonte, teria que ter o consentimento dos seus pais. Além disso, como tinha 19 anos e recém alistado no serviço militar no Exército, o jovem teria que pedir dispensa. Lô conseguiu convencer seus pais e a dispensa do serviço militar, e assim pode finalmente viajar com Milton para o Rio de Janeiro.

Mas Lô fez um pedido a Milton: que seu amigo Beto Guedes fosse junto com eles. Beto era da mesma idade de Lô, e assim como ele, fã dos Beatles. Os dois chegaram a montar uma banda cover dos Beatles durante a adolescência.

Milton Nascimento e os inseparáveis amigos Lô Borges e Beto Guedes, em 1972.

O produtor de Milton alugou uma casa na praia de Piratininga, em Niterói, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro, onde Milton Nascimento, Lô Borges e Beto Guedes passaram uma temporada compondo e preparando repertório para o álbum. Durante a temporada que passaram lá, receberam a visita de vários amigos, entre músicos e compositores como Márcio Borges, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Toninho Horta, Wagner Tiso e mais outros tantos amigos, que acabaram também dando opinião e contribuindo no trabalho que o trio estava desenvolvendo. 

Enquanto isso, na gravadora Odeon, os executivos se mostraram receosos com a ideia de Milton Nascimento gravar um álbum duplo. Se no exterior, artistas como Bob Dylan, Beatles, Pink Floyd, Jimi Hendrix, Cream entre outros, já haviam lançado álbuns duplos, no Brasil, esse formato era pouquíssimo explorado por artistas brasileiros. O único álbum duplo lançado por um artista brasileiro até aquele momento foi Gal Costa, que havia lançado em 1971 o álbum duplo Fa-Tal - Gal a Todo Vapor , porém tratava-se de um álbum duplo gravado ao vivo. Portanto, um álbum duplo gravado em estúdio e com canções inéditas, ainda era algo que nenhum artista brasileiro havia lançado.

A incerteza entre os executivos da gravadora era ainda maior pelo fato de Milton querer gravar um álbum duplo na companhia de um artista muito jovem e completamente desconhecido. Milton por sua vez acreditava no seu projeto, e disse que se a Odeon não aceitasse a ideia do álbum, ele procuraria outra gravadora. Mas, o produtor executivo Adair Lessa e o também produtor Milton Miranda, conseguiram convencer a cúpula da Odeon pelo lançamento no formato álbum duplo.

Fa-Tal - Gal A Todo Vapor, o primeiro álbum duplo da música brasileira.

Finalmente, com o “sinal verde” liberado pela gravadora, Milton e os garotos se deslocavam de Niterói para ir aos estúdios da Odeon, no Rio de Janeiro, gravar as 21 faixas que comporiam o álbum duplo. Na época não havia a ponte Rio-Niterói, tinham que contornar a Baía de Guanabara para chegar ao Rio de Janeiro.

Todo o processo de gravação do álbum ocorreu num clima de alegria e descontração, sob a direção musical de Lindolfo Gaya. Milton e Lô, mais Beto Guedes, cercaram-se de amigos músicos e compositores tiveram participação muito importante, seja tocando, compondo ou opinando. Foi um verdadeiro processo de coletivo de trabalho. O tecladista Wagner Tiso, o guitarrista Toninho Horta, o baterista Robertinho Silva,o guitarrista Tavito, o baixista Luiz Alves, integrantes da banda Som Imaginário (a mesma que serviu como banda de apoio para as gravações do álbum Milton, em 1970), foram alguns dos músicos que participaram das gravações do álbum duplo. Os arranjos de cordas ficaram por conta de Eumir Deodato, produtor, músico e arranjador que já havia trabalhado com Milton Nascimento fazendo os arranjos para o álbum Travessia, de 1967. 

A foto para a capa que se tornaria uma das mais icônicas da música brasileira, foi registrada por acaso. Ronaldo Bastos e o fotógrafo Carlos Filho, o “Cafi”, passavam por uma estrada de barro em direção a uma fazenda da família de Ronaldo, na zona rural de Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro. Num determinado trecho, Cafi viu dois garotos, de carca de sete ou oito anos de idade, sentados à beira da estrada. Aquela cena lhe chamou a atenção e despertou o interesse de registrar aquela imagem com sua câmera fotográfica. Os garotos eram Tonho, o menino branco (José Antônio Rimes), e Cacau, o menino negro (Carlos Rosa de Oliveira). Quando o álbum Clube Da Esquina completou 40 anos, 2012, o jornal O Estado de Minas, de Belo Horizonte, tentou encontrar quatro décadas depois os dois garotos, que a essas alturas, já eram adultos. O jornal os encontrou e fez uma matéria especial com eles, e inclusive, fizeram uma nova versão adulta da capa do álbum. A matéria foi publicada na edição de 18 de março de 2012.

40 anos depois, o reencontro de Tonho e Cacau para relembrar
o dia em que foram fotografados para a capa do álbum Clube da Esquina.

E foi com a imagem daqueles dois meninos interioranos ilustrando uma capa sem título e sem o nome dos artistas que em março de 1972, chegou às lojas o álbum duplo Clube Da Esquina. E chega num ano rico em lançamentos de álbuns na música brasileira como Transa, de Caetano Veloso, Expresso 2222, de Gilberto Gil, Acabou Chorare, dos Novos Baianos, Sonhos e Memórias: 1941-1972, de Erasmo Carlos, Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets, dos Mutantes, entre outros.  O título do álbum era título de uma canção que Milton Nascimento já havia gravado no seu álbum anterior, bem como era o nome da turma de jovens (da qual Lô Borges e Beto Guedes faziam parte) que se reunia na esquina da Rua Divinópólis com a Paraisópolis, em Belo Horizonte para fazer um som e conversar.

Na época do lançamento do álbum, a recepção foi um tanto quanto fria por parte da crítica, que talvez tivesse estranhado a mistura de engajamento político e versos bucólicos nas letras das canções. O caldo musical do álbum Clube Da Esquina é uma mistura sonora que envolve influências de Beatles, bossa-nova, música folclórica mineira, rock progressivo, jazz, música afro-latina e folk rock.

“Tudo O Que Você Podia Ser” é a faixa que abre o disco 1 do álbum duplo. Composta pelos irmãos Lô e Márcio Borges, e com vocais de Milton Nascimento, “Tudo O Que Você Podia Ser” parece tratar de alguém engajado na causa democrática e que se mostra frustrado e desiludido por causa do horror e da força da opressão impostos pela ditadura militar através do AI-5 (Ato Institucional Nº 5) que ainda vigorava naquela época. A faixa é uma das mais conhecidas do álbum.

A esquina da Rua Divinópolis (à esquerda) com a Rua Paraisópolis (à direita),
em Belo Horizonte: a esquina onde nasceu o movimento Clube da Esquina. 

A segunda faixa do lado A do disco 1, “Cais”, é considerada como a primeira parceria de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos. Melancólica e ao mesmo tempo de belo lirismo poético, “Cais” possui um arranjo fantástico. Na reta final, o solfejo de Milton faz dueto com o piano executado pelo próprio Milton.

Parceria de Lô Borges e Ronaldo Bastos, “O Trem Azul” é a primeira faixa cantada por Lô no álbum. A canção faz o ouvinte ser transportado para as paisagens bucólicas das montanhas de Minas Gerais. Enquanto Lô faz o vocal principal, Beto Guedes e Toninho fazem os vocais de fundo. Além dos vocais de fundo, Toninho Horta fez o solo de guitarra nesta canção que mais tarde ganhou uma versão de Elis Regina.

Em “Saídas e Bandeiras Nº 1”, Milton Nascimento e Beto Guedes cantam em uníssono esta canção que é curtíssima (cerca de 42 segundos). Apesar da curta duração, “Saídas e Bandeiras Nº 1” possui um clima musical capaz de criar na mente de quem a ouve a possibilidade de estar embrenhado numa mata em busca de aventura, fugindo do agito estressante da cidade grande. 

“Nuvem Cigana” retrata muito bem a filosofia de liberdade hippie, de pegar a mochila e andar pelo mundo, ato que era muito comum entre os jovens do começo dos anos 1970: “Se você quiser eu danço com você / No pó da estrada / Pó poeira, ventania...”. A viola de 12 cordas de Beto Guedes abre a canção. O grande destaque desta faixa são os arranjos de orquestra por Wagner Tiso, que sob a regência de Paulo Moura, deu uma grande beleza instrumental à canção através das cordas e metais.

Lô Borges e Ronaldo Bastos em Niterói, em 1972: parceiros em
"O Trem Azul" e "Nuvem Cigana".

Fechando o lado A do disco 1, “Cravo e Canela”, uma canção que é um samba, mas que se diferencia do samba urbano como conhecemos. “Cravo e Canela” carrega a musicalidade rural do Brasil, provavelmente por causa do violão executado por Toninho Horta que dá um toque sutil de música sertaneja à canção.

O lado B do disco 1 começa com uma regravação, “Dos Cruces”, do espanhol Carmelo Larrea (1907-1980). Gravada originalmente por Jorge Gallarzo como um bolero, em 1952, a versão de Milton é mais tensa e ao mesmo tempo melancólica. A canção representa uma das primeiras incursões de Milton Nascimento com a música de língua espanhola, o que o aproximaria mais tarde de artistas latino-americanos como a argentina Mercedes Sosa (1935-2009) e do cubano Pablo Milanés.

“Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” tem a sua primeira parte cantada e executada ao piano por Lô Borges como uma balada. No meio da canção, um instrumento que parece ser um violoncelo, mais um conjunto de violinos, interrompem a música e cria um clima de suspense. A música termina em ritmo de pop rock com Lô Borges, Beto Guedes e Toninho Horta cantando o refrão juntos.

“San Vicente” é uma das mais belas canções de Clube Da Esquina. A letra expressa de maneira metafórica, todo o sentimento de dor e opressão sofrido pelos povos da América Latina nas mãos de regimes ditatórias naquele momento: “Coração americano / Acordei de um sonho estranho / Um gosto, vidro e corte / Um sabor de chocolate / No corpo e na cidade / Um sabor de vida e morte / Coração americano / Um sabor de vidro e corte”.

“Estrelas” é outra faixa curtíssima presente em Clube Da Esquina que estaria mais para vinheta. Seus 28 segundos fazem um elo de ligação com a faixa seguinte, a linda “Clube Da Esquina Nº 2”. Milton Nascimento havia gravado “Clube da Esquina” para o álbum Milton, de 1970. “Clube da Esquina Nº 2” não possuía letra quando foi incluída no álbum Clube Da EsquinaA música só viria ganhar letra em 1979, quando Lô Borges a regravou para o seu álbum A Via-Láctea. Com seu belo arranjo instrumental, “Clube da Esquina Nº 2” traz a voz de Milton em solfejos.

Lô Borges, Milton Nascimento e Beto Guedes durante as sessões
de gravação do álbum Clube da Esquina.

O lado C do disco 2 traz a faixa “Paisagem na Janela”, uma das canções mais populares do álbum e do movimento Clube da Esquina. A letra remete às cidadezinhas barrocas do interior de Minhas Gerais. Lô Borges faz o vocal principal, enquanto que Beto Guedes e Milton Nascimento fazem os vocais de fundo. Apesar da paisagem interiorana, a música traz nas entrelinhas da sua letra recados sutis ao regime ditatorial presente no Brasil naquele momento: “...Quando eu falava dessas cores mórbidas / Quando eu falava desses homens sórdidos / Quando eu falava desse temporal / Você não escutou”.

Em “Me Deixa em Paz”, a cantora Alaíde Costa é a convidada de Milton a cantar com ele este samba, gravado originalmente em 1951 por Linda Batista (1919-1988) naquele ano. A música é um samba que começa com um surdo fazendo a marcação num certo tom rítmico quase fúnebre, acompanhado pelo violão de Milton. Mais adiante, a canção ganha um ritmo sutil de bossa-nova com “pinceladas” jazzísticas, enquanto Alaíde canta e Milton faz as vocalizações de fundo. Depois, quando o andamento muda para um samba lento, é Milton quem canta.  

“Os Povos” é dotada de forte carga poética que constrói toda uma imagem metafórica para a canção: “Ah, um dia, qualquer dia de calor / É sempre mais um dia de lembrar / A cordilheira de sonhos que a noite apago”. “Saídas e Bandeiras Nº2” é uma versão parecida com a primeira, porém possui uma duração maior, a segunda estrofe diferente da segunda estrofe de “Saídas e Bandeiras” e um solo de baixo executado por Beto Guedes.

Alaíde Costa fez dueto com Milton Nascimento em "Me Deixa Em Paz".

Em “Um Gosto de Sol”, Milton solta a sua voz acompanhado ao piano. Logo mais à frente, a voz de Milton e o piano são interrompidos bruscamente por uma orquestra de cordas que fazem uma citação instrumental de “Cais”. Na sequência, a dramática e tensa “Pelo Amor de Deus” e a instrumental “Lília” (título em homenagem à mãe adotiva de Milton Nascimento).

“Trem de Doido” é um rock balada que começa com uma virada de bateria, seguido de um solo distorcido e “sujo” de guitarra elétrica executado por Beto Guedes, e que se faz presente em vários momentos da música. O som agressivo e angustiante da guitarra de Beto ajuda a criar no imaginário do ouvinte, o cenário decadente de uma cidade, onde os ratos transitam por todos os lados presente na letra da música.

Com Milton e Beto Guedes nos vocais principais, “Nada Será como Antes” é uma ode aos amigos exilados no exterior ou mesmo desaparecidos por causa da repressão da ditadura militar instalada no Brasil naquela época: “Que notícias me dão dos amigos? Que notícias me dão de você? ”. Contudo, a canção demonstra uma esperança num futuro melhor e mais democrático (“...Sei que nada será como está /Amanhã ou depois de amanhã...”), mesmo que para isso fosse necessário resistir à força dos opressores para experimentar o prazer da liberdade (“...Resistindo na boca da noite um gosto de sol”).

A melancólica e tocante “Ao Que Vai Nascer” encerra o álbum duplo com chave de ouro.

Milton Nascimento, Márcio Borges, Ronaldo Bastos,
Lô Borges e Toninho Horta em 2011.

Se na época de seu lançamento, o álbum pode não ter chamado muito a atenção do grande público e nem despertado tanto interesse da crítica, Clube Da Esquina foi se tornando uma obra relevante com o passar do tempo. E não só isso, acabou virando um movimento capitaneado por Milton Nascimento e que caracterizou a música vinda de Minas Gerais, revelando novos talentos mineiros como Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta, Márcio Borges, Wagner Tiso entre outros, chegando a ser comparado com o Tropicalismo.

Pouco depois do lançamento de Clube Da Esquina, ainda em 1972, Lô Borges assinou um contrato e lançou pela Odeon, o seu primeiro e autointitulado álbum solo, aquele da capa com um par de tênis. O cantor mineiro só lançaria o segundo álbum sete anos depois, o A Via Láctea.

Milton Nascimento lançou no ano seguinte o álbum Milagre dos Peixes que teve mais da metade das faixas censuradas pela ditadura militar. As músicas que tiveram suas letras censuradas, Milton as regravou como faixas instrumentais. Da turnê desse álbum, originou-se o álbum duplo Milagre dos Peixes Ao Vivo, de 1974, gravado ao vivo no Theatro Municipal de São Paulo.

Seis anos depois, Milton Nascimento lançou Clube Da Esquina 2, também álbum duplo de estúdio, trazendo 23 faixas.

Em 2007, a edição brasileira da revista Rolling Stone elegeu Clube Da Esquina em 7º lugar na lista dos 100 Maiores Discos da Música Brasileira.

Faixas
Originalmente lançado como álbum duplo

Disco 1
Lado A
1- "Tudo Que Você Podia Ser" (Lô Borges, Márcio Borges) Interpretação: Milton Nascimento
2- "Cais" (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) Interpretação: Milton Nascimento
3- "O Trem Azul" (Lô Borges, Ronaldo Bastos) Interpretação: Lô Borges
4- "Saídas E Bandeiras nº 1" (Milton Nascimento, Fernando Brant) Interpretação: Beto  Guedes e Milton Nascimento     
5- "Nuvem Cigana" (Lô Borges, Ronaldo Bastos) Interpretação: Milton Nascimento
6- "Cravo E Canela" (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) Interpretação: Lô Borges e          Milton Nascimento

Lado B
7- "Dos Cruces" (Carmelo Larrea) Interpretação: Milton Nascimento
8- "Um Girassol da Cor do Seu Cabelo" (Lô Borges, Márcio Borges) Interpretação: Lô Borges
9- "San Vicente" (Milton Nascimento, Fernando Brant) Interpretação: Milton Nascimento
10- "Estrelas" (Lô Borges, Márcio Borges) Interpretação: Lô Borges
11- "Clube da Esquina nº 2" (Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges) Interpretação: Milton Nascimento

Disco 2
Lado C
12- "Paisagem Da Janela" (Lô Borges, Fernando Brant) Interpretação: Lô Borges
13- "Me Deixa Em Paz" (Monsueto, Ayrton Amorim) Interpretação: Alaíde Costa e Milton Nascimento
14- "Os Povos" (Milton Nascimento, Márcio Borges) Interpretação: Milton Nascimento
15- "Saídas e Bandeiras nº 2" (Milton Nascimento, Fernando Brant) Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
16- "Um Gosto De Sol" (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) Interpretação: Milton Nascimento

Lado D
17- "Pelo Amor De Deus" (Milton Nascimento, Fernando Brant) Interpretação: Milton Nascimento
18- "Lilia" (Milton Nascimento) Interpretação: Milton Nascimento
19- "Trem de Doido" (Lô Borges, Márcio Borges) Interpretação: Lô Borges
20- "Nada Será Como Antes" (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos) Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
21- "Ao Que Vai Nascer" (Milton Nascimento, Fernando Brant) Interpretação: Milton Nascimento


Ouça na íntegra o álbum Clube Da Esquina

Destaque

1946 - Verdi - Aida (Caniglia, Gigli, Stignani; Serafin)

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