quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Discografias Comentadas: Jethro Tull (Parte I)

 

Discografias Comentadas: Jethro Tull (Parte I)
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Martin Barre, Clive Bunker, Glenn Cornick, John Evan e Ian Anderson

Uma das maiores bandas da história é responsável por ser também uma das bandas mais complicadas de se classificar. Com uma vasta carreira, alguns consideram o Jethro Tull como um grupo de rock progressivo. Porém, seus mais de vinte álbuns lançados passeiam por blues, folk, hard rock e até o pop eletrônico com naturalidade, com um estilo muito eclético marcado pela flauta imponente de Ian Anderson.

Hoje e nas próximas duas semanas, traremos aqui a discografia dessa grande banda, a qual tenho a alegria de compartilhar os trabalhos com o meu colega André Kaminski, que assumirá o bastão nos álbuns a partir de 1974, e graciosamente, cedeu-me a honra de poder mostrar um pouco da história e das canções dos primeiros sete álbuns do grupo.


This Was [1968]

A estreia dos britânicos apresenta um material de altíssima qualidade. Caprichando na mistura do hard rock com o blues, as canções apóiam-se na guitarra de Mick Abrahans e na harmônica de Ian Anderson. O quarteto, completado por Glenn Cornick (baixo) e Clive Bunker (bateria), traz o estilo fortemente enraizado em “Some Day The Sun Won’t Shine For You”, um bluezaço levado pela guitarra e pela harmônica, e na alucinante “It’s Breaking Me Up”, joia rara que certamente deve ter sido achada na lata de lixo dos estúdios do Cream, já que a semelhança com a banda de Jack Bruce, Eric Clapton e Ginger Baker é altíssima. Vale chamar a atenção que Anderson ainda não era o manda-chuva, tanto é que Abrahans é responsável pela composição, voz e arranjos de metais da jazzística “Move On Alone”, uma ovelha negra na discografia do Jethro Tull, já que é uma peça rara por não contar com a participação de Ian Anderson em nenhum instrumento. Outra que Anderson não dá as caras é a pancada instrumental “Cat’s Squirrel”, um solo ácido de Abrahans levado pela pegada de Cornick e Bunker, e que só entrou no álbum por que era uma das mais pedidas pelos fãs nos shows. Pancadaria também come solta em “Dharma for One”, trazendo uma participação impecável de Clive Bunker, através de uma série de solos no decorrer da canção, Anderson ao saxofone e o primeiro grande riff de flauta das músicas do Jethro Tull, flauta essa que ainda não era um instrumento de grande destaque, mas aparece com força nas clássicas “My Sunday Feeling” e “A Song for Jeffrey”, a última em homenagem a um amigo de Anderson, Jeffrey Hammond-Hammond, que será de importância vital para o grupo mais adiante, na psicodélica “Beggar’s Farm” e na versão bluesy e maravilhosa da instrumental “Serenade To a Cuckoo” (original de Roland Kirk), com um show a parte de Abrahans. Completando, ainda temos a breve vinheta “Round”. Fácil  um dos melhores discos de estreia de uma banda na história, mas divergências musicais com Anderson fizeram com que Abrahans pulasse da barca.

Em um breve período, ele foi substituído pelo jovem Tony Iommi. O novo guitarrista fez apenas algumas apresentações, sendo a mais conhecida a registrada no documentário Rock ‘n’ Roll Circus, mas também teve problemas de musicalidade, e acabou dando sequência a outro projeto, chamado Black Sabbath. Iommi é então substituído por Martin Barre, e assim, começa uma nova fase na carreira do Jethro Tull.


Stand Up [1969]

Com o novo guitarrista, o grupo ganhou mais força na parte instrumental, e afugentou o blues que foi predominante na sua estreia, aproximando-se do folk. Em Stand Up, o estilo surge timidamente em “A New Day Yesterday”, mas só, já que temos o hard de “Back to the Family”, “For a Thousand Mothers” e “Nothing is Easy”, com mais um show particular de Bunker, e o clima leve de “We Used To Know”, tendo um belo arranjo de violões e Barre pisoteando o wah-wah sem dó, e “Look into the Sun”, essa com Anderson ao piano. A segunda homenagem para Jeffrey Hammond-Hammond está registrada na acústica “Jeffrey Goes to Leicester Square”, trazendo instrumentos diferentes, como mandolim, congas, balalaika e Barre na flauta, que também tocou esse instrumento em “Reasons for Waiting”, a qual traz um arranjo de cordas por David Palmer, em uma das baladas mais lindas da carreira da banda. Instrumentos diferentes também abrilhantam a viajante “Fat Man”, os quais são os mesmos de “Jeffrey Goes to Leicester Square”, mas com um clima indiano inédito no som dos britânicos. Sem dúvida, a flauta ganhou mais espaço em Stand Up, e dentre as várias canções na qual ela é o centro das atenções, é inevitável citar a versão bluesy de “Boureé”, peça clássica de Johann Sebastian Bach que tornou-se uma primazia de audição, ainda mais com o competentíssimo e entusiasmante solo de baixo feito por Cornick. Para mim, um dos melhores discos da banda, e acredito que injustamente ele é muito menosprezado perto dos gigantes Aqualung e Thick as a Brick.

Esse álbum foi apresentado pelo colega José Leonardo nesse link, o qual incentivo o leitor a ler, e contava, na sua versão original, com um interessante pop-up na sua capa dupla interna, onde bonecos personalizados dos quatro integrantes levantam-se quando abrimos a capa, versão essa bastante cobiçada por colecionadores, e que recebeu o prêmio de Melhor Capa pela revista New Musical Express em 1969. O grupo dava os primeiros passos para se tornar uma banda mundialmente conhecida, já que o disco alcançou a primeira posição nas vendas no Reino Unido, e entrou nos vinte mais da Billboard americana, mas ainda viria mais, muito carregado pelo lançamento do single “Living in the Past”, que chegou às lojas pouco antes do segundo disco do grupo, e foi o terceiro single mais vendido daquele ano, apesar de não estar presente no vinil.


Benefit [1970]

O último disco de Glenn Cornick com o Jethro Tull foi o álbum que consegui fazer com que o quarteto cria-se um som próprio. A flauta de Anderson une-se com a guitarra de Barre, criando canções com forte estrutura hard, mas mesclando pinceladas progressivas e folk de maneira singular, graças a participação especial do pianista John Evan, o qual é o responsável por incrementar o som da banda. Há faixas que podiam estar em Stand Up, como a folk “Sossity: You’re a Woman”, ou as trabalhadas “Alive and Well and Living In”, destacando a participação do piano de Evan, “Inside” e “Play in Time”, essa com boas pitadas de psicodelia. A faixa de abertura, “With You There To Help Me”, é a peça que traz todos os adjetivos que tornaram os britânicos famosos, como a alterações de ritmos, solos de guitarra carregados de distorção e as inconfundíveis voz e flauta de Anderson, agora sim assumindo o posto de personagem central e líder da banda, sendo responsável pela composição das dez canções de Benefit, mas se fosse para escolher só uma, pegaria o riffzão da pancada “To Cry You A Song”, uma das melhores músicas que já ouvi na minha vida. Um álbum bastante coeso, privilegiando canções mais suaves, porém com temperos de distorção, como “Nothing to Say”, “A Time for Everything?” . Por outro lado, a distorção come frouxa em “Son”A última homenagem à Jeffrey aparece na balada hippie “For Michael Collins, Jeffrey and Me”. Nos Estados Unidos, Benefit saiu com “Teacher” no lugar de “Alive and Well and Living In”. O fato é que “Teacher” tornou-se um grande sucesso, inclusive sendo a responsável por apresentar o grupo em terras brasileiras, e pela primeira vez, o Jethro Tull ultrapassou a marca de um milhão de cópias vendidas, chegando na terceira posição no Reino Unido e décimo primeiro na América. Um divisor de águas na carreira da banda, pois a partir daqui, não havia mais espaço para o blues, e sim, uma profunda migração para o progressivo e o reconhecimento mundial.

Cornick foi despedido (ou convidado a sair da banda) após uma série de apresentações bem sucedidas, com destaque para a participação no Isle of Wight Festival de 1970, dando lugar ao eterno homenageado Jeffrey Hammond-Hammond, enquanto Evan foi promovido para membro oficial. Como um quinteto, o Jethro Tull deu um novo passo, lançando então seu principal álbum.


Aqualung [1971]

Para muitos, é o melhor disco da banda. Apesar de discordar, não tem como negar as qualidades de Aqualung, o primeiro disco realmente a ser um disco do Jethro Tull. Afinal, apesar de Benefit ter apresentado as características que consolidaram o grupo para a eternidade, foi com esse LP que o Jethro Tull cravou seus primeiros clássicos indiscutíveis, no caso a maravilhosa faixa-título, uma daquelas obras seminais na qual Deus aponta para o sujeito e diz: “Faça um Clássico, com C maiúsculo”, através de toda sua alternância de andamentos e o solo belíssimo de Martin Barre, e a ícônica “Locomotive Breath”, peça seminal criada por Anderson, que tornou-se obrigatória nos shows a partir de então, e com uma participação fundamental de John Evan. Além disso, Aqualung apresenta as pesadíssimas “Cross Eyed Mary”, uma das raras músicas do hard rock onde flauta e órgão destacam-se mais que a guitarra, e “Hymn 43”, essa uma pancada dominada pelo piano de Evan (sempre imagino uma roda punk sendo fechada com essa pedrada). É aqui que aparecem as primeiras vinhetas acústicas, faixas curtas comandadas pelo violão de Anderson, e que se tornariam frequentes em quase todos os álbuns da banda na década de 70, no caso o blues “Cheap Day Return”, a balada “Wond’ring Aloud”, com arranjos orquestrais de David Palmer, e a singela “Slipstream”, que também traz arranjos de cordas por David Palmer. Falando em acústico, o que o grupo faz com a folk “Mother Goose” é de chorar de tão belo. Impossível não imaginar uma festa celta com pessoas dançando ao redor de uma fogueira ao ouvir essa pérola. Outra que apresenta muitas conotações acústicas é “Up To Me”, levada pela percussão e com um único momento elétrico no solo de Barre. Agora, independente dos clássicos citados, para mim os dois grandes momentos do álbum são canções praticamente desconhecidas dos fãs do grupo, no caso a fantástica “My God”, obra seminal que poderia facilmente ser citada como uma Maravilha do Mundo Prog, graças as suas alternâncias entre momentos acústicos nos quais o piano de Evan brilha, e outros extremamente pesados, com a guitarra de Barre fazendo as caixas de som vibrarem de euforia, além de um trecho central onde vocais em coro fazem um duelo arrepiante com a flauta, que só por isso já vale o LP, e ainda “Wind Up”, balada épica que transforma-se brutalmente numa canção pegada através da guitarra, e depois, o piano de Evan apresenta a sensação de leveza após o orgasmo criado pela distorção de Barre. Resumindo, fica o legado de que John Evan e Martin Barre são os homens que criaram o som do que hoje convenciona-se chamar de Jethro Tull, fortemente ligado à Ian Anderson com certa justiça, mas talvez faça-se pouco caso para essas duas personalidades tão importante e talentosas na história do rock. Com mais de sete milhões de discos vendidos ao redor do mundo, tenho certeza que esse é o álbum para apresentar o grupo a alguém, pois se não conseguir gostar dos clássicos citados, não irá admirar o resto dessa grandiosa obra.

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John Evan e Martin Barre (acima); Barriemore Barlow, Ian Anderson e Jeffrey Hammond-Hammond (abaixo)

Bunker saiu da banda e deu lugar ao novato Barriemore Barlow. Nascia então aquela que considero a formação clássica do Jethro Tull, responsável pelos álbuns mais progressivos que o grupo lançou.


Thick as a Brick [1972]

O disco que concorre diretamente com Aqualung ao posto de melhor do grupo, e para mim, um nível acima. Afinal, a única canção do álbum, a Maravilhosa “Thick as a Brick”, é um momento de genialidade de cinco músicos que viviam uma fase onde tudo o que tocassem virava ouro, principalmente Anderson, que indignado com as críticas que recebia da imprensa, criou uma história ímpar, na qual um menino chamado Gerald Bostock começa a se deparar com diversos fatos que o levam a pensar sobre como é envelhecer, passando das brincadeiras de infância – como pinturas e liga-pontos -, à adolescência – girando em torno da escola, namoro e prática de esportes -, à fase adulta – com casamento, questões de trabalho e viagens – até chegar à velhice e, finalmente, à morte. A história, com suas pitadas de humor negro britânico, desenrola-se em mais de quarenta minutos na qual a letra está apoiada em um instrumental fantástico, onde os cinco músicos unem-se para fazer uma construção densa, dividida apenas pelos lados do LP (o lado 1 e o lado 2). A história é desenvolvida através de uma canção muito compĺexa, com grandes mudanças de andamento, caracterizando essencialmente o melhor que o rock progressivo pode oferecer, através de pequenos e marcantes temas, bem como as várias partes da faixa. Além disso, Anderson investiu em novos instrumentos, como o cravo, xilofone, tímpano, violinos, alaúde, trompete e saxofone, além de arranjos de cordas. Detalhes envolvendo o álbum podem ser conferidos aqui, em um texto alusivo aos quarenta anos dessa obra-prima, nos links adicionados em “lado 1” e “lado 2”, os quais tratam especificamente sobre a música “Thick as a Brick” e para complementar, vale citar a belíssima arte da capa original, em formato de jornal (inclusive em papel jornal, conforme ilustrado acima), contando com 12 páginas nas quais observamos tudo o que está presente em um noticiário tradicional, desde a seção de esportes e classificados até a seção de óbitos e nascimentos, passando inclusive pelo próprio poema. A leitura de todo o jornal (sim, todo) acaba revelando fatos que passam desapercebidos no poema. Basicamente, cada página contém exatamente um ponto que está na música, tratando exatamente dessa evolução criança-adulto, mostrando praticamente todos os fatos que nos cercam desde o nascimento até a morte, que assombraram a cabeça do garoto. A turnê de “Thick as a Brick” também foi grandiosa, modificando a forma como as bandas do rock progressivo enxergavam seu público, e levando aos palcos praticamente na íntegra toda essa Maravilha musical. Disco seminal, que só não é o melhor do Tull na minha opinião por que no ano seguinte, eles conseguiram se superar.


living_in_the_pastLiving in the Past [1972]

Essa coletânea dupla merece estar por aqui principalmente por que apresenta muito material inédito, principalmente para o mercado americano. Das vinte e uma canções, apenas cinco já haviam sido lançadas em álbuns anteriores, no caso “A Song for Jeffrey”, “Boureé”, “Inside”, “Teacher” – essa só no mercado americano” – e “Locomotive Breath”. Temos ainda sete canções lançadas apenas como singles, que são a pesada “Love Story”, com seus floreios celtas e ainda com Mick Abrahans nas guitarras, a orquestrada “Christmas Song”, levada pelos arranjos de David Palmer e o mandolin de Ian Anderson, o bluesão “Driving Song”, já com Barre nas guitarras, a épica “Sweet Dreamer”, com um arranjo orquestral destruidor feito por David Palmer, destacando o naipe de metais, e a bonita balada hippie “Witch’s Promise”, que muitos fãs do grupo aqui no Brasil acabaram conhecendo por conta da apresentação do grupo no famoso programa Top of the Pops da BBC. Na terra do Tio Sam, “Alive and Well and Living In” – que ficou de fora de Benefit para a entrada de “Teacher” – está no lugar de “Inside”, assim como “Hymn 43” está no lugar de “Locomotive Breath”. Ainda temos as inéditas “Singing All Day”, outro belo blues composto pelo ainda quarteto Jethro Tull, a balada “Just Trying to Be”, apenas com Anderson no violão e voz, acompanhado por John Evan na Celesta, “Wond’ring Again”, em sua versão original, da qual apenas parte aparece em Aqualung, e duas pérolas Maravilhosas gravadas ao vivo no Carnegie Hall de Nova Iorque, em 1970, o solo instrumental ao piano “By Kind Permission Of”, da qual novamente eu cito como John Evan é um grandioso, talentoso e menosprezado pianista, pois o que ele faz nessa canção, seja em duelos com a flauta de Anderson, ou apenas sozinho em passagens clássicas, é de tirar o chapéu, e a pancada “Dharma for One”, com Evan, Barre, Cornick e Anderson simplesmente destruindo, além de um gigantesco solo de bateria feito por Bunker. Fecha o álbum as cinco canções do EP Life is a Long Song, lançado em 1970 apenas no Reino Unido: as baladas acústicas “Life is a Long Song”, “Up the ‘Pool”,  o hard experimental de “Dr. Bogenbroom”, o ótimo jazz fusion instrumental de “From Later”, uma quebradeira infernal de raríssima presença entre as canções do grupo, e “Nursie”. Sem dúvidas o principal sucesso do álbum ficou para a faixa-título, uma canção na qual o riff de flauta e os arranjos orquestrais fizeram da mesma mais um clássico na vasta discografia da banda, e que indica um pouco os caminhos que o grupo iria tomar na segunda metade da década de 70, soando pop e sem nada blues ou progressivo. Aos colecionadores, vale ressaltar que Living in the Past contém quase todos os singles lançados pelo Jethro Tull até 1971, com exceção de “Aeroplane”, “Sunshine Day”, “One for John Gee”, “17” e a versão original de “Teacher”, que saiu apenas no Reino Unido. A versão original em LP apresenta a capa no formato hard cover, como uma espécie de um álbum de fotos, trazendo um belíssimo encarte com vinte e duas páginas que passeiam pela história da banda através de muitas imagens dos integrantes em momentos de laser ou caugh in the act, e é bastante cobiçada pelos colecionadores. Por último, esse foi o primeiro disco do grupo a contar apenas com a imagem de Ian Anderson na capa, algo que se tornaria uma constante a partir de então.


A Passion Play [1973]

Sei que muitos irão me chamar de louco, mas para mim, A Passion Play é o melhor disco do Jethro Tull. O que Martin Barre, Barriemore Barlow, Jeffrey Hammond-Hammond e John Evan fazem no instrumental desse álbum é magnífico, complementados por um inspiradíssimo Ian Anderson, que praticamente abandona a flauta para dedicar-se ao saxofone, o que acaba culminando com a imprensa apelidando o grupo de Van der Tull Generator, em uma alusão ao grupo britânico Van der Graaf Generator, cujo saxofone é um dos principais instrumentos. Constituído por uma única faixa, a própria “A Passion Play”, este LP marca o auge das experimentações progressivas nos álbuns do grupo. A história conceitual fala sobre a os caminhos de Ronnie Pilgrim após sua morte, narrada em uma faixa magnífica, recheada de variações e duelos entre saxofone, órgão, piano e guitarra, além de uma cozinha que manda muito naquela que considero a melhor performance da dupla Barlow / Hammond. Muitos criticam o álbum por conta da inclusão da história “The Story of the Hare Who Lost His Spectacles”, um trecho que mostra um pouco da viagem de Pilgrim pelo além, e que foi inspirado na clássica história Pedro e o Lobo, de Prokofiev. Porém, esse pequeno trecho, com orquestrações de David Palmer, em nada prejudica a canção, pelo contrário, causa uma sensação de expectativa deliciosa, que com o retorno para o andamento cavalgante do baixo de Hammond e a quebradeira infernal que aparece logo em seguida, enaltece ainda mais a grandiosidade dessa obra-prima. Vale a pena citar que originalmente, A Passion Play foi concebido para ser um álbum duplo, mas o resultado acabou não agrando à todos, e foi abandonado, sendo parte lançada anos depois no álbum Nightcap (1993), e também diluído nos discos seguintes a A Passion Play. Outros destaques vão para a maravilhosa turnê de promoção do disco, que o apresentava quase na íntegra, seguido de “Thick as a Brick” também quase na íntegra, e com um grandioso palco, repleto de novidades para a época, como vídeos e jogos de luzes, e também a belíssima capa original, que trazia um encarte no formato de folheto de ópera, apresentando os músicos da banda como atores da peça “A Passion Play” e um resumo da história. Disco seminal, injustamente criticado, e que somente ouvindo e lendo para compreendê-lo, e mais uma vez, lamento que não deem o valor que John Evan merece.

Em quinze dias, meu amigo André Kaminski irá seguir com os discos da banda, agora com os álbuns lançados no decorrer da década de 70, após essa exuberante e criativa fase progressiva, e quando o grupo mergulhou no folk e na música celta.


Discografias Comentadas: Jethro Tull (Parte II)

 

Discografias Comentadas: Jethro Tull (Parte II)
Jethro Tull 1975
Martin Barre e Ian Anderson na tour de Minstrel in the Gallery.

Como já avisado pelo Mairon na Parte I, eu darei continuidade na discografia dessa banda incrível. É de se notar que se antes o Jethro Tull funcionava mais como banda, agora começa-se a ficar mais com cara de projeto próprio de Ian Anderson, com o próprio protagonizando sozinho várias capas do Tull com sua tradicional pose de Pan. Muitos integrantes vem e vão a partir do final da década de 70, tendo mais o próprio Anderson e o guitarrista Martin Barre como músicos principais. Porém, nos primeiros discos desta parte, a formação considerada clássica contendo Barriemore Barlow, John Evan e Jeffrey Hammond-Hammond se mantém.


war-childWar Child [1974]

Concebido para ser a trilha sonora de um filme (que não conseguiram ninguém que os patrocinassem), War Child nos apresenta um disco orquestrado riquíssimo (liderado pelo futuro tecladista da banda David Palmer) e de músicas muito variadas no cardápio do Tull. Há o progressivo famoso dos discos anteriores, o folk rock animado que a banda consagrou nessa época e alguns resquícios do velho hard rock dos primeiros discos. O disco é curto, bem diferente das suítes longas de A Passion Play [1973]. Iniciada em uma levada de piano e saxofone “Warchild” surge em uma animação típica que a banda produz e que faz o progressivo soar bem diferente do que aquela aura “intelectualóide” que muitos criticam no estilo, abrilhantada ainda mais pela orquestração ao final, assim como “Queen and Country” demonstra uma riqueza instrumental grandiosa principalmente no uso do acordeão, violino e guitarra. O folk da banda se fortalece em “Ladies” com o violão, a flauta de Anderson, os sopros e cordas da orquestra se sobressaindo, além daquele naipe de metais divertido ao fim (pena que é curto). “Back-Door Angels” parece uma continuação da música anterior, com mais variações de velocidade instrumental e maior participação dessa vez da guitarra de Barre com solos bem hard rock setentistas. O lado sarcástico da banda surge em cheio com “Sealion”, uma curta faixa cujo tema é um leão marinho em um circo. Pois é, coisas de Anderson. “Skating Away in the Thin Ice of the New Day” dá uma baixada no clima em uma balada que particularmente não me apeteceu muito, enquanto que o hit do disco se chama “Bungle in the Jungle” música que apareceu bem posicionada nas rádios da época e divertidíssima como uma boa canção do Tull deve ser. “Only Solitaire” é uma curta acústica que precede as faixas finais “The Third Hoorah” que parece marchinha militar de soldadinhos de brinquedo e “Two Fingers” finaliza bem, com o baixo em destaque e o acordeão intervindo bem. Este disco é bastante “ame ou odeie” na discografia do Jethro Tull, com críticas fortes nas publicações especializadas e com alguns fãs o odiando até hoje, todavia, vejo que o disco está sendo melhor recebido em tempos mais recentes. Particularmente aprecio muito este disco, um dos melhores desta época.

O disco em seu relançamento veio com muitas faixas extras, algumas podendo fazer parte tranquilamente do tracklist, principalmente “Paradise Steakhouse” e “Rainbow Blues”, além de “Warchild Waltz” totalmente instrumental e orquestrada que está de arrepiar os cabelos da nuca. Recomendo bastante a parte bônus que melhora ainda mais a audição.


minstrell_in_the_galleryMinstrel in the Gallery [1975]

Considerado por muitos como um “retorno à boa forma”, este álbum resgata uma sonoridade mais próxima de Aqualung (1971) e faz uma mistura do progressivo e do rock clássico que o Jethro Tull costuma fazer, com a flauta ainda mais presente e aquela típica mistura da guitarra elétrica e da acústica. E sim, as intervenções de Barre e a agressiva bateria de Barlow deixaram o disco bastante hard rock principalmente nas três primeiras músicas. A faixa título que abre o disco deixa bem claro que o Jethro Tull também sabe tocar pesado e “Cold Wind to Valhalla” traz o bom e velho violão misturado a um quarteto de cordas liderado novamente por David Palmer. E obviamente, a guitarra de Barre despeja hard rock nessa que é minha música favorita do disco. Sem maneirar, vem “Black Satin Dancer” iniciando calmamente com a flauta, piano e um singelo vocal de Anderson para que sinos, e até um inesperado órgão hammond e belas guitarras nos brindem com um instrumental rico logo em seguida. Incrível como o Jethro Tull sabe misturar tanta instrumentação sem bagunçar ou encavalar um em cima do outro de forma que todos soem bem. “Requiem” é uma bonita balada enquanto “One White Duck/0^10 = Nothing At All” já nos apresenta o foco maior no folk rock que a banda nos apresentará principalmente nos álbuns finais da década de 70. “Baker St. Muse” é uma suíte de mais de 16 minutos que novamente demonstra a progressividade da banda de uma maneira bem folk, se é que isso é possível mas que não encontrei termos melhores para descrevê-la. O disco finaliza com a curtinha “Grace”.

O conteúdo bônus do relançamento deste disco não é tão rico quanto em War Child, com simples faixas de conteúdo acústico, mas “Pan Dance” é uma que vale a pena pelo seu instrumental belo.

Como profissionalismo não era lá o grande forte dos críticos da época (talvez não tenha mudado muito nos tempos atuais…) esses não perdoaram e malharam o disco e principalmente Ian Anderson, que obviamente alimentava mais com declarações ácidas sobre as críticas que recebia e respondia com ainda mais sarcasmo nas letras do Jethro Tull. Memórias das críticas ferrenhas de A Passion Play que atormentaram a banda por anos. O baixista Jeffrey Hammnond-Hammond (brincadeira com o seu nome devido a seu pai e sua mãe possuírem o mesmo sobrenome, antes mesmo de se casarem) deixa a banda em dezembro de 1975 para dedicar-se a sua paixão por pintura, largando o seu baixo e a música que não voltaria nunca mais. Para o próximo disco, este seria substituído por John Glascock.


Too-Old-To-Rock-N-Roll-Too-Young-To-Die-1024x1023Too Old to Rock ‘n’ Roll: Too Young to Die! [1976]

Com toda a boa vontade do mundo, dá para apreciar algumas partes acústicas e as poucas intervenções elétricas da guitarra de Barre, mas difícil não concordar com uma maioria que acha este álbum pouco inspirado. Mais um disco conceitual, a ideia de Ian Anderson era fazer um disco que tratasse da história de um velho rockeiro que volta à fama após anos de ostracismo. Tudo inspirado pela ascensão do punk rock justamente nesta época. O disco até abre bem com “Quizz Kid” que lembra as composições mais rockers dos primeiros álbuns da banda, mas depois simplifica demais com “Crazed Institution”. Sinto um pouco de falta de ousadia por parte dos membros em explorar outros instrumentos, coisa que qualquer fã do Jethro Tull espera de um disco clássico da banda. Eu aqui escutando o início de “Salamander” e minha mãe pergunta “ouvindo o Almir Sater?”. Olha, ser comparado ao Almir Sater é um baita elogio, porém, ainda acho que o nosso velho violeiro brasileiro trata melhor desse folk interiorano do que Ian Anderson nessa canção. Mais uma canção médio tempo, “Taxi Grab” anima mais pelas intervenções de guitarra, piano e gaita, apresentando um solo instrumental interessante (ainda que para alguns pareça bagunçado) e alguma malícia antiga nos vocais de Anderson. Entre canções lentas e sem nada aproveitável (“From a Deadbeat to an Old Greaser”, “Bad-Eyed and Loveless) e algumas médias que não me tocaram muito (a faixa título, “Pied Piper” e “The Chequered Flag (Dead or Alive)”), ainda posso destacar “Big Dipper” com um jeitão bem bluesy-folk que considero a melhor do álbum.

O tradicional espancamento crítico em cima da banda (a Rolling Stone britânica era famosa por suas resenhas ácidas na década de 70), vendas inferiores ao disco anterior (mas ainda relativamente boas se comparado ao desempenho de outros discos famosos contemporâneos) e a capa medonha não agradaram a ninguém. Por isso, hora de botar o coração folk/celta para bater e lançar o melhor disco da banda em anos.


songs-from-the-woodSongs from the Wood [1977]

Como fez bem o troca-troca de informações e ideias entre o Jethro Tull, Steeleye Span e o Fairport Convention na inspiração para as composições deste disco. Claro que o folk rock esteve presente desde os primeiros anos da banda, mas é aqui que botam o folclore cravado nos ouvidos de quem apreciar este disco com a vantagem de ter um Anderson, um Barlow, um Barrie, um Palmer (agora efetivado como membro permanente) e um Evan tocando para ti. Ah claro, backing vocals do baixista Glascock (presentes sem muito destaque no disco anterior), abrilhantam a abertura animada e encantadora de “Songs from the Wood” em que um incrível sintetizador (isso mesmo, álbum folk mas com sintetizadores) recheia o fundo de um trabalho vocal excepcional de Anderson e Glascock. “Jack-In-The-Green” é uma música curta em que Anderson toca tudo e nos lembra o já citado Steeleye Span na maneira como se conduz o instrumental. “Cup of Wonder” apresenta uma harmonia entre a flauta, órgão e vocais que é muito bacana. Uma canção deveras hard rocker sintetizada com Barriemore batendo agressivamente em sua bateria é o que temos nas excelentes “Hunting Girl” e “Ring Out, Solstice Bells” com a segunda parecendo uma continuação da primeira, exceto pelo ar mais “cristão” com sinos e atmosfera bem natalina. Já “Velvet Green” nos leva direto nas épocas do século XVI e XVII em que o sintetizador configurado como um cravo e as velhas violas nos levam àquelas rodas de música em volta da fogueira com colonos europeus dançando felizes após um dia cansativo de trabalho. Olha a animação em “The Whistler”, não consigo imaginar nada além de Ian Anderson ter encarnado o deus Pan e sair saltitando por um palco tocando sua flauta enquanto se equilibra em uma perna só. Após toda essa magia folk, uma intro de guitarra distorcida que passa a impressão de que Tony Iommi retornou ao Tull surge em “Pibroch (Cap in Hand)” uma faixa pesada sem deixar o folk de lado que mistura a singeleza do teclado e da flauta à uma guitarra áspera do rock. Um espetáculo. O disco ainda fecha com a ótima “Fire at Midnight”, acalmando um pouco o disco ainda que prossiga nas guitarras distorcidas da faixa anterior.

Songs from the Wood

Este disco é fantástico, o meu preferido do Jethro Tull ainda que existam Thick as a Brick [1972], Aqualung [1971] e Stand Up [1969] que são os que mais gosto da primeira fase. Apenas o primeiro de uma trilogia de discos folk que a banda usou para contra-atacar o sucesso do punk no final da década de 70.


heavy-horsesHeavy Horses [1978]

Podemos classificar este disco como uma sequência digna de Songs from the Wood. De fato, a estrutura e o estilo das músicas é bem parecido com o disco anterior, parecendo até que foram compostos juntos e aí Anderson resolveu guardar algumas para este ano. Claro que a temática folk deixa um pouco o medieval de lado e nos apresenta uma atmosfera mais “rural” contemporânea. Sem deixar-nos respirar, o disco já inicia com uma flauta e uma guitarra solando firme em “… And the Mouse Police Never Sleeps”, seguindo a tradição da banda de nomes esdrúxulos de músicas (mas que eu acho hilário). “No Lullaby” tem um baixo marcante e com uma estrutura bem típica progressiva dos discos do início da década de 70. Ideal para quem quer matar as saudades dessa época. “Moths” é uma pequena peça acústica e leve, com um arranjo orquestral de cordas simplesmente lindo. O lado acústico do violão nos passa a impressão de ter sido gravada em algum rancho velho inglês do século XX, porém, as orquestrações dão um toque de sofisticação que me fez ter a faixa como favorita do disco. “Rover” é bem diferenciada das demais, em que utilizam-se marimbas dando uma impressão meio latina que até me surpreende. “One Brown Mouse” talvez seja a única que eu não posso dizer que curti muito, talvez um ponto baixo que poderiam ter deixado de lado. Homenageando os cavalos do título, “Heavy Horses” tem uma característica diferente de várias outras canções do Tull: Ian Anderson parece cantar à la Waters no Pink Floyd, com um tom mais introspectivo nos momentos mais calmos ao invés do seu tradicional canto ao estilo “bardo europeu”. Outras que não falei anteriormente como “Acres Wild”, “Journeyman” e o encerramento com “Weathercock” não deixam o disco cair em nenhum momento, seguindo com aquele folk delicioso que o Tull nos proporcionou nesses tempos. Dentre as canções bônus do cd, que são mais duas, gostaria que “Broadford Bazaar” estivesse no lugar de “One Brown Mouse” e o disco original seria ainda melhor.

Depois de dois anos muito bons para a banda, começam a aparecer alguns problemas sérios: o baixista John Glascock começa a sentir a saúde piorar ao não conseguir completar a tour de promoção de Heavy Horses. Diagnosticado com um problema sério em sua válvula cardíaca, o baixista ignora as orientações médicas e continua levando a vida regada a álcool e festas. Sua saúde continua a deteriorar que este só consegue gravar os baixos de três canções do próximo disco, em que Ian Anderson se obrigou a gravar o restante.


stormwatchStormwatch [1979]

O último disco da “trilogia do folk” mantém um ótimo nível, apesar de considerá-lo um pouco inferior aos dois anteriores. Porém, não são poucos os que alegam que a morte de John Glascock devido aos seus problemas cardíacos, poucos meses após o lançamento deste disco, levou consigo também a qualidade do Jethro Tull. Independente disso, Stormwatch foi bem recebido pelo público e pela crítica, finalizando aí o que seria uma época de “trégua” entre a banda e as publicações especializadas. O disco também é menos influenciado pelo folk se comparado com os dois últimos, sendo mais seco e mais direto principalmente na guitarra de Barre, que em muitos momentos usa o hard rock como base para melodias e solos mais pesados. “North Sea Oil” começa bem, com uma ótima pegada de bateria de Barlow que energiza a música. “Orion” varia entre singela e pesada, com o violão e os teclados de Evan e Palmer dando o toque singelo e o baixo e a bateria botando energia para fora quando exigidos. “Home” chega colocando uma atmosfera levemente bucólica em uma balada agradável, enquanto “Dark Ages” talvez seja uma das canções mais pesadas da carreira do Tull e a melhor do disco, usando uma base hard rock blueseira sem deixar de lado aquelas orquestrações de Palmer que costumam dar uma embelezada nas canções de grande parte dos discos. Uma pena que “Warm Sporran” que vem logo em seguida decepciona por soar bem deslocada do disco. Umas vozes masculinas misturadas a órgão, flauta e bateria lembrando fanfarra que não faço ideia do que faz aqui, logo após a pancada que foi “Dark Ages”. Prosseguindo com “Something’s On The Move” aqui seria mais uma faixa mediana, apesar de muitos apreciarem o jeito hard rockeiro da faixa, achei menos inspirada que muitas outras que a banda já lançou.  “Old Ghosts” e “Dun Ringill” (sendo esta acústica) são mais lentas e mais simples que as anteriores e que embora não sejam lá grandes destaques do disco, são apreciáveis. O nível sobe bem com “Flying Dutchman” com tema marítimo (por sinal, como grande parte do álbum) em que a base lenta orquestrada de guitarra muitas vezes lembra canções do seu contemporâneo The Wall dos conterrâneos do Pink Floyd. “Elegy” finaliza o disco com uma canção instrumental composta apenas por David Palmer, um encerramento parecido com aquelas canções de final de filme, lenta e reflexiva, como se despedindo da banda que de fato ocorreria em breve.

As quatro canções bônus do cd apareceram originalmente no boxed set 20 Years of Jethro Tull e diferente da maioria das faixas bônus que normalmente são canções mais simples e menos trabalhadas, estas parecem ter sido deixadas de lado aqui por talvez não se encaixarem tão bem no tema náutico do disco. Não saberia dar uma resposta concreta sobre elas no momento.

John Glascock
John Glascock

Logo após a morte de John Glescock em 1979 – sendo seu substituto Tony Williams na turnê de Heavy Horses e logo após Dave Pegg seria efetivado como membro na turnê de Stormwatch – as coisas degringolaram para a banda ao fim da tour deste disco. O baterista Barriemore Barlow, deprimido pela morte do baixista do qual era muito próximo, discordando do direcionamento musical que Anderson queria para a banda e não muito contente com os contratos leoninos que o líder fazia os membros assinarem (ao qual lhes pagavam pouco), deixa a banda. Já comentando sobre os destinos de cada membro, Barrie se torna músico de estúdio tocando bateria para outros artistas-solo tais como Robert Plant, Jimmy Page e John Miles, também fundando um estúdio de gravação de discos que mantém até hoje. Os dois tecladistas-organistas John Evan e David Palmer acabam sendo demitidos visto Ian Anderson buscar outro tipo de direcionamento musical que falarei a seguir. A dupla tenta formar uma nova banda chamada Tallius, porém, sem conseguir levar adiante e sem deixar nada oficialmente lançado. John Evan hoje vive na Austrália e é dono de uma construtora. Já David Palmer voltou a fazer orquestrações para filmes e outras bandas, se tornou músico de estúdio e mudou de sexo em 2003, sendo agora chamada Dee Palmer.

Ian Anderson e Martin Barre, junto ainda a Dave Pegg, se encontram sozinhos com a banda. Como eu havia dito no início dessa matéria, Anderson já dava sinais de fazer o Jethro Tull funcionar mais como seu projeto pessoal e agora é o que a banda basicamente se torna. Entrando na década de 80, Anderson queria fazer um disco solo baseado em sintetizadores e no pop eletrônico, abandonando o folk e o progressivo de vez, algo que muitas bandas progressivas setentistas fizeram como o Yes e o Genesis. Pressionado pela gravadora para continuar a lançando sob o nome Jethro Tull, o trio corre atrás de novos membros e acaba recrutando o baterista Mark Craney e convidando o tecladista Eddie Jobson para gravarem o próximo disco.


AA [1980]

Imagino o choque dos fãs ao botarem a agulha no vinil e ouvir sintetizadores tomando conta das faixas, guitarras de Barre apagadas e uma postura modernosa na sonoridade deste disco. Não vou dizer que esse disco é péssimo, porém, como gosto da new wave da época e dos típicos “tecladinhos anos 80”, posso dizer que Anderson teve boas ideias aqui (em algumas passagens mais space rock), embora sua execução não foi uma maravilha. Acho interessante a batida do baixo estar bem evidente e algumas boas tocadas de sintetizador, todavia, a voz e o jeito de cantar de Anderson não combinam nem um pouco com essa new wave já que este parece um tiozão maltratado soando moderno para a garotada. “Crossfire” e “Flyingdale Flyer” tem jeito de umas canções já sem ânimo do fim do boom da new wave lá perto dos anos 90. “Working John, Working Joe” é terrivelmente ruim, Desanimada, sem graça, nem uns poucos riffs de Barre salvam aqui. Estou de bom humor hoje, logo, vou pular para comentar as duas faixas boazinhas deste disco e deixar o restante de lado. “The Pine Marten’s Jig” é uma canção mais folk para relembrar tempos melhores da banda e a última “And Further On” que é uma balada levada no piano com boas melodias que se destaca (coisa não muito difícil) dentro desse disco. Curiosamente, nos tempos atuais tem se mostrado críticas mais favoráveis a este álbum como pude ler internet afora, mas a mim não teve efeito. Que sabe daqui mais uma década…


BroadswordThe Broadsword and the Beast [1982]

Após 12 anos em que todo ano a banda lançava um disco novo, eis que o ciclo se corta. Mark Craney deixa a bateria sendo substituído por Gerry Conway e Peter-John Vettese assume os sintetizadores neste disco em que Anderson prossegue pop eletrônico mas dessa vez tentando temperar um pouco mais com o conhecido folk que sempre acompanhou a banda. É um disco um pouco melhor que A, mas também não muito. Há umas guitarras mais proeminentes e eles voltam com a temática pirata já usada antes. “Beastie” até surpreende bem, com bons solos de guitarra e sintetizadores que até ficaram bons, embora eu ainda ache a voz de Anderson inadequada para o estilo. Porém, aqueles defeitos do disco anterior voltam a se sobressair em “Clasp” e “Fallen On Hard Times” com alguns efeitos vocais desagradáveis (já disse algumas vezes em várias matérias minhas que não curto vocal sintetizado em 95% das vezes) e um certo ar de desânimo. Não vou dizer que os sintetizadores são ruins, eu já disse que gosto da new wave oitentista. E eu sempre tento escrever ignorando passado e clássicos e focando apenas no disco em questão. E não dá, parece que não dá liga. Pouco me animo de comentar outras faixas, mas “Flying Colours” é uma boa canção principalmente com seu andamento de baixo e guitarra e “Watching Me, Watching You” é uma experimentação até interessante de sons dos sintetizadores que acredito que muita gente deve ter odiado, mas até que surpreendentemente me agradou. As outras músicas, em geral, são melhores que A porque tem umas guitarras de Barre aparecendo mais, pena que não é nada que se destaque ou que seja memorável na carreira do Jethro Tull.


Encerro esta segunda parte por aqui, em que a audição me foi agradável na maioria das vezes, com a fase folk da banda se sobressaindo. Na terceira e última parte teremos uns discos ainda mais polêmicos, dos quais muitos dos fãs da banda não perdoam até hoje. Volto em 15 dias!

Tull 1980
Jethro Tull de visual futurista quando promovia A [1980].


Discografias Comentadas: Jethro Tull (Parte III)


Jethro Tull parte III capa

A terceira e última parte da discografia comentada do Jethro Tull nos oferece álbuns muito diferentes do início dela. Com Ian Anderson se tornando a figura central da banda e acompanhado apenas por Martin Barre da formação inicial, além do baixista Dave Pegg do Fairport Convention que acompanha a banda por toda a década de oitenta e parte da década de noventa. As influências musicais também se alteram, apesar do folk característico da banda sempre estar presente. O Jethro Tull até consegue uma longa e ininterrupta carreira – diferente de outros medalhões do progressivo – e embora não consiga tanto destaque de público e crítica com seus lançamentos se comparar com os anos setentistas, ao menos ainda consegue emplacar algumas músicas em boas posições nos charts mundiais. 


Jethro_Tull_Under_WrapsUnder Wraps [1984]

Com toda a certeza, o mais odiado disco do Jethro Tull e um dos mais odiados entre os medalhões do rock progressivo. Não é incomum alguns discos serem melhor compreendidos depois de alguns anos, mas este não parece ser o caso aqui. Acho que mesmo aqueles que não odeiam o disco tem lá suas dificuldades de defendê-lo. Under Wraps apresenta muitos problemas e eu diria que o principal deles é a bateria programada. Não sou contra o seu uso por algumas bandas, mas não dá para aceitar isso em uma banda do quilate do Jethro Tull, inclusive sendo programada para soar com aquele “eco oitentista” típico da new wave. Tirando uma ou outra intervenção de flauta, uma ou outra guitarra, nada aqui soa como o Jethro Tull, até mesmo a voz de Anderson me faz parecer estar ouvindo Oingo Boingo. Sobre as músicas, digo apenas que “Nobody’s Car” (com boas passagens de flauta e percussão) e “Heat” (com uma pegada mais rocker) até que são boazinhas para se considerar como um lançamento new wave. “European Legacy” é um exemplo bem ruim de tentar fazer algo modernoso soar “folk roots”. E que absurdo é aquele em “Radio Free Moscow”? Nem mesmo o sarcasmo de Anderson salva alguma coisa. Peter John-Vettese que até não fez feio nos sintetizadores de The Broadsword and the Beast [1982] acaba selecionando sons monótonos, misturas sem sentido e poucas passagens marcantes. Não que Anderson, Barre e Pegg tenham feito algo para salvar o disco em si. Enfim, uma decepção para qualquer um que acompanhe a banda e mesmo quem aprecie synth pop vai preferir outros lançamentos bem melhores.


CrestOfAKnaveremaster
Crest of a Knave
 [1987]

Sem Peter John-Vettese contribuindo e apenas com Anderson, Barre e Pegg como membros oficiais e a bateria dividida entre Doane Perry e Gerry Conway (mas ainda insistindo em algumas faixas com bateria programada), o disco foi mais um “retorno as origens” (o terceiro pelas minhas contas) que o Jethro Tull trouxe aos fãs. Deixando o eletrônico de lado e apostando em um peso maior do hard rock com uma ou outra pitada que lembra o velho progressivo de outrora, Crest of a Knave foi o último sucesso comercial da banda na carreira. Devido a problemas na garganta e a idade começando a pesar, Ian Anderson canta neste disco em tons mais graves e por isso foi muito comparado a Mark Knopfler do Dire Straits. As próprias composições deste disco lembram Brothers in Arms, o disco de maior sucesso dos Straits. Embora eu não tenha tanta estima por esse disco e talvez achar um exagero seu sucesso comercial, dá para se considerar como um bom álbum de hard rock, mesmo com a época farta de opções que eram este período dos anos 80. Apesar de continuar usando alguns sintetizadores, estes agora são um pouco mais discretos e a guitarra de Barre soa muito bem na abertura com “Steel Monkey”.  Já em “Farm on the Freeway” temos uma faixa mais calma, levada em batidas lentas por Doane Perry e com a flauta novamente em grande destaque. “Jump Start” é um rock com melodias divertidas e bem humoradas, coisa que Ian Anderson há tempos não fazia. Em “Said She Was a Dancer” é uma balada mediana e “Dogs in the Midwinter” (não disponível na versão em vinil) não agrega muito, mas as coisas voltam a melhorar muito na longa “Budapest” com traços progressivos não vistos há tempos e ótimos violinos do convidado Ric Sanders. “Mountain Men” segue em bom nível, lembrando as atmosferas do Pink Floyd setentista e até que a bateria programada de Anderson segura bem as pontas por aqui. “The Waking Edge” é mais uma música mediana para então finalizar na boa “Raising Steam”, com mais guitarras hard rockers no que Barre contribuiu muito bem em todo o disco.

Como já dito, as vendas deste disco foram muito boas e houve até uma inesperada indicação deste disco para o Grammy de 1988 como “Melhor Performance Instrumental ou Vocal de Hard Rock/Heavy Metal”. Concorrendo com AC/DC, Iggy Pop, Jane’s Addiction e o favoritíssimo Metallica, ninguém da banda levou a indicação a sério e sequer apareceram no Grammy. Mas como o destino parece sempre conspirar para a ironia, logo o Jethro Tull recebeu o prêmio. Claro que a imprensa e todo mundo que acompanhou o ocorrido caiu de pau, visto que a banda não era considerada “hard rock, muito menos heavy metal o suficiente” para estar lá. Anderson apenas ironizou dizendo que “a flauta é um instrumento de metal pesado”. O Metallica colocou um adesivo em seus discos do … And Justice for All escrito “Grammy Award Losers”. Enfim, uma vergonha total mas que foi útil para bombar ainda mais as vendas do disco.

Em 1988, a banda solta um boxed set especial e ainda muito valorizado pelos fãs chamado 20 Years of Jethro Tull. Contendo muitas faixas não lançadas (e que apareceram depois nos cds remasterizados da banda ao que comentei sobre várias delas na segunda parte dessa discografia comentada) e muito material novo, a caixa foi um deleite para os fãs da época que tiveram acesso a várias músicas compostas nos primórdios da banda e que estes puderam matar as saudades de uma década e de um Jethro Tull que havia ficado no passado.


rock islandRock Island [1989]

Muita gente pode estranhar, mas está aí o meu disco favorito desta terceira parte. Também é um dos discos que eu mais ouvi do Jethro Tull. Muitos consideram Rock Island como um Crest of a Knave piorado e monótono, mas eu discordo. As melhores melodias e os melhores rocks do Tull oitentista estão aqui, sendo que a banda não se utiliza de velocidade, mas de um feeling diferenciado. O tecladista Peter John-Vettese volta a dar as caras como convidado junto a Martin Allcock. Doane Perry que vinha tocando ao vivo nas tours do grupo foi efetivado. Até posso entender certo ódio pelo disco devido as influências do Straits estarem ainda mais evidenciadas, todavia, creio ter sido bastante positivo aos meus ouvidos. Que baita introdução de “Kissing Willie”! Solos de guitarra com uma técnica de vibrato incrível por parte de Barre. Na sequência, “The Rattlesnake Trail” já tem um jeitão mais do hard rock americano, aquela coisa meio sulista como Lynyrd Skynyrd e ZZ Top. “Ears of Tin” é um ponto fraco do disco mas “Undressed to Kill” põe as coisas de volta no lugar com mais foco na guitarra de Barre e nas ótimas flautas de Anderson. “Rock Island” traz mais um pouco de feeling do rock em mais solos de guitarra enquanto “Heavy Water” volta a aparecer com os teclados e um bom trabalho de baixo por parte de Dave Pegg. Já antecipando a ideia de músicas de ares natalinos que viria a fazer no futuro (inclusive regravando esta canção), “Another Christmas Song” é mais uma canção com Rock Island tour 06-2-05-90aparência gospel com a ideia de juntar uma família em frente a uma ceia de Natal. Tendo ideias ecológicas, “The Whaler’s Dues” é uma canção que critica a caça de baleias de uma maneira triste e reflexiva. Baseada no roubo do mandolin de Barre, “Big Riff and Mando” é onde Anderson compôs mais um rock interessante pelas características folk em que o conjunto de flauta e mandolin de ambos os músicos se fundem, criando uma peça bem trovadoresca. “Strange Avenues” fecha o disco de maneira convincente, uma música sem muita pompa mas com um ótimo trabalho instrumental em médio tempo em uma faixa hard rock simples, mas honesta. O disco em si não é veloz ou tem a animação como destaque, mas tenho apreço por suas melodias mais calmas e um trabalho de guitarras que se não soa energético, pelo menos é deliciosamente melodioso. Mas sei que sou exceção e compreendo quem não gosta deste disco.


catfishCatfish Rising [1991]

Dentre todos os discos do Tull, este é considerado como o menos ambicioso de todos. Mais uma volta as raízes (a quarta agora?) dessa vez a banda opta por resgatar as influências do blues rock dos dois primeiros discos e misturando um pouco com o hard rock dos dois anteriores. Infelizmente, as composições aqui soam, de modo geral, muito genéricas. Difícil achar alguma melodia marcante ou alguma canção envolvente. Não é um disco ruim, mas para o Tull é realmente pouco. Até as flautas estão discretas. Mas ainda assim, dá para destacar algumas como a faixa inicial “This Is Not Love” com solos bem bluesísticos de Barre e um teclado que lembra a sonoridade do velho órgão hammond setentista. “Roll Yer Own” é uma música interessante porque me lembra aquele período entre War Child e Too Old to Rock ‘n’ Roll: Too Young to Die quando Anderson usava um instrumental acústico, com a diferença desse ser um blues bem básico, mas bacana. “Still Loving You Tonight” é daquelas baladas acústicas com altos teores de glicose, porém confesso que o teclado AOR me ganhou na canção. Orgulhosamente cafona e por isso acaba se tornando a melhor do disco. Com relação as outras músicas, temos uns rocks básicos, alguns blues e alguns hards, mas são tão parecidos que dá a impressão que são continuações umas das outras. Nem mesmo os mandolins dão algum tempero diferente no disco. Fica uma sensação de banda cansada e já desinteressada em fazer músicas novas.


nightcapNightcap: The Unreleased Masters 1973-1991 [1993]

Para os completistas, disco fundamental da carreira do Tull recheado de material não lançado. Este trabalho duplo traz duas gravações bastante distintas: o primeiro disco se chama “The Chateau D’isaster Tapes” que são músicas gravadas em 1973, no período entre Thick as a Brick e A Passion Play quando a banda saiu da Inglaterra e foi para a França gravar o disco para fugir dos altos impostos britânicos. Descontente com a qualidade das gravações, Ian Anderson acaba por retornar à Inglaterra e o engaveta, soltando apenas vinte anos depois. Apesar de conter gravações da época, é bom frisar que há muitas partes refeitas, principalmente flautas, logo após Ian Anderson “reaprender” a tocar o instrumento depois de descobrir pela sua filha que tocava do jeito errado (é como se ele tivesse aprendido a andar de bicicleta com as mãos trocadas). Já o segundo disco são muitas faixas que ficaram de fora dos álbuns até esse lançamento, algumas delas muito boas enquanto outras nem tanto. O primeiro tem muitas músicas que seriam os embriões que viriam formar A Passion Play, por isso, acho que vale a pena. Curioso é essa temática de animais presente nas letras dessas canções. “Look at the Animals” é bem Jethro Tull clássico progressivo, com seu instrumental lembrando os contemporâneos do Gentle Giant. “Left Right” começa muito estranha com aqueles choros de bebê, mas depois muda e se vê o esmero da parte rítmica da banda e como eles estavam inspirados na época ao fazer um belo hard rock. “No Rehearsal” traz grandes solos de guitarra junto a uma sonoridade muito próxima de War Child. Há muitas passagens instrumentais (“Post Last”) ou acústicas (“Scenario”) entre outras músicas, mas é um catálogo muito bom, o que imagino que deve ter agradado muito os antigos fãs da banda.

O segundo disco logo de cara nos apresenta algumas faixas que apareceram como bônus em War Child tais como “Paradise Steakhouse”, “Quartet” e “Sealion 2”. Como bônus de Too Old to Rock ‘n’ Roll: Too Young to Die! há “A Small Cigar”. De Heavy Horses, há “Broadford Bazaar”. As outras faixas foram gravadas em épocas diferentes da década de 80 e 90. “Piece of Cake” foi gravada em 1990 e seria uma adição bem vinda em Catfish Rising. Ainda em 1990, “Silver River Turning” é uma boa faixa hard rock em médio tempo, bastante agradável. “Crew Nights” é da época eletrônica dos discos A e The Broadsword and the Beast mas bem mais hard rock assim como “The Curse” referencia justamente essa época do folk eletrônico. Voltando a 1990 (infelizmente o álbum não está ordenado por ano) “Rosa on the Factory Floor” é uma faixa mais fraca em estilo blues. “Man of Principle” é sobra do Rock Island e bem fraca, ainda bem que não entrou. Voltando a época eletrônica, “Commons Brawl” seria uma boa adição em A, daria uma melhorada porque é uma canção com melhores guitarras aos sintetizadores e com solos de flauta excelentes. “No Step” e “Drive on the Young Side of Life” são inferiores e só valem como bônus mesmo. “I Don’t Want to Be Me” é uma boa balada da época hard/blues e vale a ouvida, diferente de “Lights Out” que não me desceu. “Truck Stop Runner” e “Hard Liner” são boas canções que fecham o disco que é bem irregular, mas que isso é mais do que esperado por se tratar de um álbum com faixas bônus. Seria muito bom se outras banda seguissem o exemplo do Jethro Tull ao tratar de seus bônus e materiais inéditos fazendo lançamentos como esse.


roots to branchesRoots to Branches [1995]

Vou dizer logo de cara: não sou muito chegado em músicas com influência indiana ou asiática. Raros são os discos que utilizam estas influências que me agradam. Muitos até acham este disco agradável e até há muitas coisas nele dignas de elogios. Mas meu gosto pessoal acaba pesando mais na avaliação aqui e diria que é um disco mediano. Chamada agora de fase “world music”, Ian Anderson lima grande parte do celta europeu e utiliza bases do hard rock junto a muitos teclados que dão a atmosfera oriental ao álbum. “Roots to Branches” começa até muito bem, levado mais pelo teclado e a flauta e ocasionais guitarras, temos um rock indiano agradável. Porém, “Rare and Precious Chain” já pega mais forte no lado oriental e a parte rock da banda fica um pouco de lado. “Out of the Noise” e “This Free Will” são duas músicas com guitarras e teclados marcantes, estes últimos tocados por Andrew Giddings que entrou para a banda (havia tocado em algumas faixas do disco anterior como convidado) e mostrando que foi a melhor escolha. “Valley” é um pouco diferente das demais pois começa lenta com a flauta dando toques suaves e a guitarra pesando, para daí evoluir no violão e no baixo. “Dangerous Veils” se destaca pelas flautas solando bem e até mesmo soando agressivas e “Beside Myself” possui belas melodias de violão e teclado. O grande problema a meu ver se dá nessa parte final, nas últimas quatro músicas: começa-se a sentir muita coisa igual, com pouca coisa memorável, músicas longas e parecendo fillers. Fosse por mim, o disco poderia ficar nessas sete primeiras e lançariam como um EP, com as outras entrando em singles subsequentes. “Wounded, Old and Treacherous” e “At Last, Forever” são duas músicas com mais de 7 minutos cada mas que parece uma só de 15 minutos. Seguem uma estrutura de início lento e meio e fim velozes, com algumas variações de velocidade nesse meio. Fossem mais curtas seriam melhores. Em “Stuck in the August Rain” é mais música lenta e de teor reflexivo exceto algumas intervenções de Barre e “Another Harry’s Bar” lembra as baladas da fase hard rock da banda, sendo também mais lenta e com algumas variações. Como havia dito, o disco é mediano, tem boas músicas e dá uma queda grande ao final. Não é lá grande destaque da discografia, mas vale uma ouvida caso se interesse por essas influências indianas misturadas ao rock que sei que muitos artistas famosos já tentaram.

Dave Pegg deixa definitivamente a banda para se concentrar no reformado Fairport Convention. No lugar dele entra o baixista Jonathan Noyce.


Jethro_Tull_CD_-_J-tull_Dot_ComJ-Tul Dot Com [1999]

Não há como não reparar em um certo cansaço por parte de Ian Anderson em termos de composições por aqui. J-Tul Dot Com não é um disco descartável, fica em uma espécie de porto seguro da banda que aposta em melodias simples e sem muita variedade. Rocks genéricos e poucos momentos de inspiração são o que marcam este álbum que não incomodam mas fica naquela sensação de “já estamos com três décadas de estrada, então vamos lançar algo apenas para não dizer que estamos inativos”. O disco até começa razoavelmente bem com “Spiral” marcando boas flautas e um trabalho de baixo muito bom. Também apresenta algumas novidades no Tull como a presença de Najma Akhtar fazendo alguns vocais em “Dot Com”, algo inédito na discografia da banda. Dentre outras canções, ainda destaco “Black Mamba” com ótimas orquestrações e um baixo pulsante e “Bends Like a Willow”, mais atmosférica e teclados que deram efeitos interessantes. O disco mantém certa aura oriental assim como no anterior mas nada que se destaque. Como já vinha fazendo há algum tempo, Ian Anderson mais declama as letras do que canta sem arriscarj-tul 1999 nada mais alto visto que sua garganta já passou por maus bocados na década de oitenta. E o disco segue até o fim nessa cartilha de músicas mais lentas com algumas ocasionais guitarras de Barre e curiosamente, a faixa bônus “The Secret Language of Birds” que surge após uma breve introdução falada pelo próprio Anderson é uma balada folk ao nível das músicas setentistas da banda e acaba sendo a mais agradável do disco. Esta música apareceria em The Secret Language of Birds [2000] lançado como álbum solo de Anderson. Apesar de haver mais um álbum na discografia ainda a seguir, este é o último disco verdadeiramente de inéditas da banda.


The Jethro Tull Christmas albumThe Jethro Tull Christmas Album [2003]

Como o título já dá a entender, as músicas aqui tem temática natalina. Há algumas regravações de velhas canções da banda, algumas composições novas e algumas canções tradicionais natalinas com uma nova roupagem. O disco veio em conjunto com o ao vivo Christmas at St. Brides (Live, 2008). A sonoridade é focada fortemente no folk, coisa que não acontecia desde pelo menos Stormwatch. A formação da banda é a mesma, porém, Dave Pegg volta como convidado fazendo o baixo em algumas canções, assim como James Duncan na bateria e o quarteto de cordas The Sturcz. As músicas natalinas já lançadas ficam em boas versões tais como “A Christmas Song”, “Another Christmas Song” e “Ring Out, Solstice Bells” que ficam com cara mesmo de canções que poderiam ser tocadas naquelas ceias de natal com família reunida em um ambiente calmo e feliz lá do hemisfério norte. Porém, achei que  “Weathercock” (do Heavy Horses) e “Fire at Midnight” (do Songs from the Wood) se perderam com esse clima de natal. “God Rest Ye Merry Gentleman” com aqueles dedilhados de piano bem ao estilo jazz é excelente. “Bouree” do compositor alemão Johann Sebastian Bach também ficou em uma versão digna do Tull. “Jack Frost and the Hooded Crow” também oferece uma energia diferente. Mas as outras canções não te fazem fugir muito da ideia que esteja ouvindo nada mais nada menos que um disco de natal, que não é lá muito diferente do que se ouve tocando nas lojas de varejo nos meses de novembro e dezembro, exceto pelas letras e vocais de Anderson. É um disco que vale uma ouvida se você não exigir muito dele.


Depois de muitos anos fazendo tours, a banda se encerra em 2011. Ian Anderson agora sem Martin Barre, lança mais dois discos que são Thick as a Brick 2 [2011] e Homo Erraticus [2014] como artista solo. Já o guitarrista forma também um grupo solo intitulado Martin Barre’s New Day contando com os seu parceiro Jonathan Noyce no baixo lançando nesse período pós-Jethro Tull Away With Words [2013] e Order of Play [2014]. Além é claro de já contar com outros três discos anteriores lançados em meio aos intervalos do Tull. Os dois principais membros estão bem ativos e seguem compondo e tocando, porém, o Jethro Tull em si encerrou as atividades. Talvez não da maneira que os fãs queriam, mas creio ter sido o melhor para Anderson e Barre visto ambos terem lançado coisas muito melhores agora que estão separados.

E termina aí mais uma discografia comentada com mais uma banda icônica e muito amada em nosso site. Apesar da terceira parte não ter a mesma qualidade das duas anteriores, pode-se dizer tranquilamente que o Jethro Tull foi uma das melhores bandas britânicas de todos os tempos e garantiu seu lugar no panteão dos deuses progressivos junto a outros companheiros como Yes, Genesis e Pink Floyd só para citar alguns mais famosos e com seu portfolio próprio de folk, hard rock e progressivo (dentre outros gêneros que a banda passeou) garantindo uma parcela grande de fiéis que os louvam todas as noites. Aguardo seus comentários logo abaixo!

jethro-tull ultima tour
Última formação do Jethro Tull (2010). 

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