sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Artista: Amon Tobin; Álbum: Permutation

 



Artista: Amon Tobin
Álbum: Permutaton
Ano: 1998
Gênero: Música eletrônica, jazz

Quem ouve falar de um cara chamado Amon Tobin nem imagina que ele nasceu no Rio de Janeiro. O nome soa gringo, e de certa forma ele é mesmo: aos dois anos de idade se mudou com a família (obviamente) para o Marrocos, viveu em diversos países até se assentar na Inglaterra até 2002.

Foi na Inglaterra, aliás, que o rapaz se interessou por música eletrônica e, principalmente, pelo uso de samples. Pra quem não sabe, o sample é um trecho de uma outra música ou áudio que é reaproveitado de maneira diferente por outro artista. Amon se tornou muito bom nisso, e quando eu digo muito bom eu quero dizer um dos melhores do mundo.

Permutation é o terceiro trabalho de estúdio de Amon e é tido como uma de suas melhores obras. Ele foi buscar seus samples em artistas obscuros dos anos 40 e 50 e com isso criou um clima noir incrível, misturando metais com sintetizadores e levadas incríveis de bateria com drum machines. Um finíssimo trabalho de música eletrônica.

A faixa de abertura, Like Regular Chickens, já consegue prender a atenção do ouvinte de cara. Lenta e sombria de início, com um piano levíssimo e dark, a música se transforma progressivamente conforme a bateria vai se transformando de uma levada tranquila para um drum 'n' bass furioso - tudo feito com samples, mas majestosamente trabalhados por Amon. Belíssima abertura.

Bridge traz um swing arrastadíssimo, com bateria e baixo frenéticos e algumas texturizações com guitarras, saxofones e outros instrumentos. A música tem um clima lisérgico (outra característica recorrente no disco) e, de certa maneira, sexy. Nunca é demais repetir o quão prudente o brasileiro foi em escolher seus samples.

Reanimator tem um clima mais contemporâneo, com uma batida muito mais próxima do drum 'n' bass do que do jazz. O baixo é espetacular, provocante, e a bateria convida o ouvinte para a rave. É interessante notar como essa música parece estar um pouco fora do contexto do álbum, e talvez por isso ela se torne uma peça tão indispensável para a qualidade dele. Belíssima faixa.

A melhor maneira que eu encontro para definir Sordid é: imagine se o Daft Punk e o Prodigy fizessem uma parceria. É mais ou menos como a faixa soa: um clima dark e vintage ao mesmo tempo, desafiadora, urbana, com alguns toques de industrial. Tudo isso muito bem encaixado.

Nightlife é outra faixa deveras intrigante. Eu poderia descrevê-la de muitas maneiras, mas pesquisando sobre este álbum eu achei a definição perfeita em uma resenha do site Allmusic: "disney on acid". É exatamente isso: após um começo tranquilo, com um piano de cool jazz "assombrado" por alguns outros efeitos, a música desbanda para um riff de baixo curiosamente infantil e uma levada que me lembra muito um outro projeto interessantíssimo: Fantastic Plastic Machine (se você não conhece, faça um favor a você mesmo e vá atrás - você não vai se arrepender). As melodias que se seguem são memoráveis. Sem dúvidas uma das melhores faixas do álbum.

Escape é bem mais experimental que as anteriores, cheia de samples de voz, batidas complexas e saxofones de free jazz - tem até alguns elementos que lembram dubstep. A música não chega realmente a pegar fogo, então eu a considero um pouco como um filler apesar de seus quase 6 minutos.

Em Switch, Amon escolhe um sample delicioso de jazz, deixa em loop e enche de texturas e solos de instrumentos de sopro cheios de efeitos à-lá dub. Simples mas viciante, outra belíssima faixa.

People Like Frank foca em um sample de baixo e bateria que não tem nada a ver com drum 'n' bass, mas sim com o baixo rabecão e bateria de jazz. A música traz inclusive alguns solos de bateria recheados de white noise e sintetizadores sombrios - característica recorrente do álbum e, como já disse, fundamental para o clima noir.

Sultan Drop tem um clima hipnótico com tempero árabe. O baixo em loop, a bateria ressonante e arrastada, todos os ruídos - tudo contribui para o ambiente desta faixa interessantíssima. Não é um dos destaques do álbum, mas ainda assim é um ponto interessante.

Fast Eddie começa com uma pegada latin jazz, com congas e percussão marcante, mas logo dá lugar à uma fusão com diversos elementos eletrônicos e, novamente, a influência do drum 'n' bass é gritante. É a faixa mais longa do álbum, ultrapassando a marca dos 7 minutos. Bela faixa.

Toys tem uma pegada meio circense de início, mas novamente com o clima ácido e noir já característico do álbum. A maneira como Tobin mescla alguns elementos de fanfarra com sua música mui moderna é excepcional, e em questão de segundos atravessamos décadas de evolução musical.

A faixa que encerra o álbum é a relaxante Nova. Aqui sim podemos notar a influência da música brasileira no rapaz - afinal, a bossa nova nada mais é que o jazz com uma pitada de tempero brazuca. A calma sequencia de acordes tocada no violão é ressaltada por um clarinete cheio de eco e teclados calmíssimos, criando uma textura que nos faz sentir em uma praia de Saturno - se elas existissem, é claro. Belíssimo encerramento.

Permutation é uma obra incrivelmente coesa e coerente, sem abrir mão do experimentalismo e da criatividade. Os samples antigos misturados com as técnicas recentes são trabalhados de maneira única e com muito cuidado. Uma masterpiece e, portanto, recomendadíssima.

Tracklist:

  1. Like Regular Chickens
  2. Bridge
  3. Reanimator
  4. Sordid
  5. Nightlife
  6. Escape
  7. Switch
  8. People Like Frank
  9. Sultan Drops
  10. Fast Eddie
  11. Toys
  12. Nova



Artista: Jon Hopkins; Álbum: Insides

 



Artista: Jon Hopkins
Álbum: Insides
Ano: 2009
Gênero: Música eletrônica; ambient; dubstep

Seja por preconceito ou desconhecimento, existem alguns gêneros musicais que são incrivelmente subestimados. O álbum aqui abordado traz influência de um desses gêneros: o ambient.

De certa maneira eu já falei de ambient neste blog quando resenhei o Low, do David Bowie. Para quem não sabe, trata-se de um gênero musical que tem suas origens lá no começo do século XX, nos movimentos futurista e dadaísta – mais especificamente com um músico francês chamado Erik Satie.

Satie começou a fazer experimentos que ele mesmo rotulava como “anti-música” ou “música de decoração”, um tipo de composição minimalista e repetitiva que serviria como um pano de fundo para atividades cotidianas e poderia facilmente ser ignorada – ao contrário de ser o foco da atenção. Esse mesmo conceito influenciou Brian Eno, o respeitadíssimo músico que já foi da lendária Roxy Music, trabalhou com Bowie no fim dos anos 70 e que é considerado o responsável pela criação do termo ambient music. No encarte do álbum Ambient 1: Music For Airports (o primeiro de uma série de 4 álbuns), Eno escreveu um tipo de manifesto  que dizia:  “a ambient music precisa ser capaz de acomodar diversos níveis de atenção do ouvinte sem focar em um em particular; precisa ser igualmente interessante e ignorável”.

ambient, como praticamente todos os estilos musicais, se fundiou a outros e teve diversas crias. Devido ao enorme uso de sintetizadores, o flerte com a música eletrônica foi assaz bem sucedido e resultou em pérolas como o álbum aqui resenhado.

Jon Hopkins é um londrino nascido em 1979 e tem um currículo bastante interessante, tendo trabalhado com o próprio Eno e com o Coldplay. Ele se interessou por música eletrônica ao ouvir bandas como DepecheModeNew Order e Pet Shop Boys, dedicando-se ao piano e aos sintetizadores desde os 12 anos.

Insides é o terceiro e mais bem sucedido álbum da carreira solo do músico. Apesar de eu ter dado uma ênfase grande à influência de ambient, o álbum é muito mais que isso – basta escutar a primeira faixa, a quase acústica The Wider Sun, para notarmos que estamos diante de um álbum difícil de classificar. Instrumentos de corda tocam uma melodia calma e melancólica que poderia estar na trilha sonora de algum filme de ficção científica e de repente um barulho de água começa bem suave, com sintetizadores ao fundo dando um clima amplo e espacial; é a deixa de Vessel, com sua percussão eletrônica minimalista e baixo à-lá dubstep. A melodia do piano é simples e belíssima, mostrando bem a influência de Eno no som do rapaz.

A terceira música é a faixa-título (Insides, caso você tenha esquecido) é um exemplo de como as possibilidades da música eletrônica são intermináveis. Um ritmo truncado, com influências que vão do downtempo até o já citado dubstep, criam um ambiente sombrio e tenso, inquietante como um filme de suspense com robôs malvados.

Wire, por sua vez, é justamente o oposto. Aqui, Hopkins mostra seu lado mais pop com melodia e batida muito mais convencional que poderia tranquilamente ganhar uma letra e tocar em alguma estação de rádio não-tão-convencional. Uma boa faixa, bem destoante das anteriores.

Colour Eye varia momentos do chamado IDM (Intelligent Dance Music, um termo muito controverso também conhecido como art techno) com ambient de uma maneira balanceada e imprevisível. A música é turbulenta e surpreendentemente termina com quase um minuto de barulho de chuva.



A próxima faixa é a minha favorita do álbum. Com um nome audacioso, Light Through The Veins conseguiu, pelo menos para mim (que sou meio doido e sinestésico), criar de fato uma sensação de luz correndo pelas veias. Uma balada épica, com um crescendo incrível que se extende por quase 10 minutos, sempre repetindo a mesma melodia no bizarro compasso de 9/4 (eu contei certo? Corrijam-me, músicos de plantão!). A música vai crescendo aos poucos e ficando enorme, envolvente, até morrer aos poucos, sempre lentamente e progressivamente, fluida e sem nada abrupto. O Coldplay sampleou essa música em Life In Technicolor e certamente não foi à toa. Faixa épica e sensacional.

Hopkins contrasta a grandiosa faixa anterior com a calmíssima The Low Places. Parece ter saído da mesma parte do cérebro que compôs Vessel, com uma estrutura semelhante apesar de não ter características de dubstep. Esta é mais ambient que qualquer outra coisa, com batidas minimalistas que vão progredindo muito levemente. Bela faixa.

Small Memory é uma pequena faixa tocada no piano, com uma melodia bonita e lenta. Engraçado como o único filler do álbum é justamente a faixa que foge do ambient e serve apenas para conectar a faixa anterior a A Drifting Up. Pelo instrumental, a faixa poderia estar tranquilamente em Vespertine, um dos meus álbuns favoritos da Björk. Novamente Hopkins experimenta com microbeats e texturas, fazendo uma faixa bonita e hipnotizante. A música tem vários níveis, e escutá-la com fone de ouvido é uma experiência incrível.

A última faixa do álbum é a belíssima Autumn Hill. Novamente ao piano, Hopkins nos mostra sua versatilidade com um tema que poderia estar em qualquer filme triste. Muitíssimo bem executada e com barulhos de pássaros ao fundo, sempre criando uma atmosfera envolvente. Fecha com chave de ouro.

Insides é um ótimo álbum. Hopkins foi muito feliz ao montar a estrutura, a ordem das faixas, criando as nuances necessárias para que um disco seja mais que apenas um conjunto de faixas. Há faixas memoráveis e a execução é impecável. Coisa fina.



Recomendadíssimo.

Tracklist:
1."The Wider Sun"  2:37
2."Vessel"  4:44
3."Insides"  4:40
4."Wire"  4:43
5."Colour Eye"  5:13
6."Light Through the Veins" (samples on Coldplay's "Life in Technicolor" and "The Escapist", from "Viva la Vida or Death and All His Friends")9:21
7."The Low Places"  6:37
8."Small Memory"  1:43
9."A Drifting Up"  6:29
10."Autumn Hill"  2:40

Artista: Gil Scott-Heron/Brian Jackson; Álbum: Winter In America

 


Artista: Gil Scott-Heron/Brian Jackson
Álbum: Winter In America
Ano: 1974
Gênero: Soul; Jazz-Fusion; Spoken Word


O álbum que irei resenhar é um álbum colaborativo feito por dois músicos muitíssimo competentes, então nada mais justo do que eu explicar um pouco quem são eles, como acabaram se juntando e, então, falar deste disco maravilhoso chamado Winter In America.

Gil Scott-Heron nasceu em 1949 em Chicago e faleceu em 2011, com apenas 62 anos de idade. Filho de uma cantora de ópera e de um jogador de futebol, Scott-Heron teve uma infância complicada, mudando constantemente de casa devido ao divórcio dos pais e à morte da avó. Sempre foi muito talentoso, e um de seus textos impressionou o diretor de uma escola majoritariamente branca dos EUA, e graças a isso ele ganhou uma bolsa integral para estudar lá – detalhe que ele tinha apenas 12 anos na época e era um dos 5 alunos negros em toda a escola. Durante sua entrevista de admissão, o seguinte diálogo teria ocorrido:

-Como você se sentiria se, ao subir o morro a pé depois de sair do metrô para vir para a escola, visse um de seus colegas chegando de limusine?
-Da mesma maneira que você. Você não tem dinheiro para comprar uma limusine. Como você se sente?

O tempo passou e o promissor aluno entrou na Lincoln University, concluindo inclusive um mestrado em Creative Writing (escrita criativa) em 1972. Durante a faculdade ele conheceu seu parceiro em diversos álbuns, inclusive o aqui resenhado. Seu parceiro se chama Brian Jackson.

Jackson nasceu em 1952 no Brooklyn, EUA. Seu estilo único ao piano é inconfundível, e ele já foi muito sampleado por diversos rappers de diversas gerações. Seu nome passou a ser muito vinculado ao de Gil Scott-Heron durante os anos 70, o período mais produtivo e significante da carreira de ambos os músicos.

O primeiro álbum que os dois lançaram juntos, apesar de ser creditado na capa apenas à Scott-Heron, foi o aclamadíssimo Pieces Of A Man, de 1971. Este álbum trazia um dos trabalhos mais reconhecidos e importantes de Scott-Heron, a canção The Revolution Will Not Be Televised – um trabalho que ele estimava tanto que também havia estado também em seu álbum anterior, Small Talk At 125th and Lenox. Esta canção é a marca registrada do artista porque traz seu tema preferido – política, mais especificamente a situação do negro estadunidense – sendo executado em seu estilo mais característico – o spoken word soul, um tipo de “avô” do rap que traz poesias, geralmente de cunho social, recitadas ritmicamente sobre um pano de fundo musical, geralmente  calcado no soul e no funk.

Mas Winter In America não é um disco de spoken word. Ele é muito mais que isso. Trata-se de uma viagem minimalista incrivelmente tocante, executada por músicos gabaritadíssimos.

Eu me lembro exatamente minha reação ao ouvir a voz de Gil Scott-Heron pela primeira vez. Eu falei exatamente isso:

-Puta que pariu, que voz é essa?

Ah, a voz de Gil Scott-Heron. Limpa, cristalina, grave na intensidade certa, com feeling. É realmente impressionante, ainda mais quando nos é apresentada em uma música tão bonita e tocante quanto Peace Go With You, Brother (As-Salaam-Alaikum). Trata-se de um desabafo sobre alguns representantes negros que estavam perdendo o foco e agindo de maneira hipócrita ou inadequada aos olhos de Scott-Heron. A melodia tocada por Jackson no piano elétrico somada à interpretação e aos versos nos entregam uma das melhores faixas do álbum logo de cara. Apenas para ilustrar, eis alguns versos:

Peace to you, brother – don’t seem to matter so much now just what I say
Peace go with you, brother – you’re the kind of man who think he’s got to have his own way
You’re my father, you’re my uncle and my cousin and my son
But sometimes, sometimes, I wish you were not”

Ou seja:

Paz para você, irmão – não parece que o que eu falo importa tanto agora
Que a paz vá com você, irmão – você é o tipo de homem que acha que deve seguir seu próprio caminho
Você é meu pai, você é meu tio e meu primo e meu filho
Mas às vezes, às vezes, eu queria que você não fosse”

Outra coisa que chama muito a atenção na música é como ela é guiada principalmente pelo piano e pelo baixo, com a bateria dando apenas alguns leves toques no prato de condução.

A segunda faixa é a longa Rivers Of My Fathers, uma música sobre a procura do homem negro moderno por suas origens, sobre seus questionamentos e preocupações. A levada da música é bem suave, com a bateria levando calmamente a música no aro da caixa e o piano de Jackson sempre bebendo da fonte do jazz. Na letra, o narrador sempre fala de “casa”, e apenas no final Scott-Heron deixa claro, em um sussurro, o que quer dizer: Africa. Tocante e bela.

A Very Precious Time é uma triste e bela canção de amor com uma letra nostálgica sobre inocência perdida. Após uma introdução com piano elétrico e flauta, Gil Scott-Heron canta melancolicamente:

Was there a touch of spring?
Did she have a pink dress on?
And when she smiled her shyest smile, could you almost touch the warmth?
And was it your first love a very precious time?”

Em português:

“Havia um toque de primavera?
Ela estava com um vestido rosa?
E quando ela sorriu seu sorriso mais tímido, você quase pôde tocar o calor?
E o seu primeiro amor foi um momento muito precioso?”

A música não tem nenhuma percussão, e isso dá um tom ainda mais triste e belo para esta belíssima canção.

Back Home, por sua vez, é bem mais animada, falando sobre a importância de nunca se esquecer das origens e da família. “Eu tenho que voltar e ver a minha gente”. Simples e genial, realmente revigorante e animadora. Destaque para o dueto de flautas no meio da canção.

The Bottle foi o único single do álbum e traz um swing de primeira junto com a letra sobre alcoolismo. O ritmo quase latino fez grande sucesso, e ao ser questionado sobre isso Scott-Heron foi categórico: “Música popular não precisa ser uma merda”. De fato é uma ótima música, com uma letra sensacional sobre pessoas que se deixam seduzir demais pelo álcool e acabam “na garrafa”.



Terminada a paulada anterior, o álbum volta a ter um momento introspectivo com a bela Song For Bobby Smith, uma música sobre um garoto de 4 anos que, segundo a apresentação do próprio Gil no começo da música, estava com Brian Jackson no dia em que eles estavam compondo a música. O garoto gostou tanto da música que se apropriou dela, dizendo que “era dele”. Os músicos gostaram da ideia e a concederam ao moleque – um belíssimo presente.

Um dos momentos que eu particularmente mais gosto em todo o álbum é a lindíssima Your Daddy Loves You. A música, endereçada obviamente à filha de Scott-HeronGia Louise, é uma linda declaração de amor com uma melodia alegre (apesar da execução minimalista). Your daddy loves you – your daddy loves his girl” – é impossível não sorrir. Ótima faixa.

Passado o momento “bonitinho”, Scott-Heron volta com tudo com a ácida H20 Gate Blues, uma paulada no puro estilo spoken word sobre, obviamente, o escândalo de Watergate. A letra é fenomenal, mas longa demais para eu colocar na íntegra aqui – por isso, faça um favor para você mesmo e clique aqui para lê-la. Isso sem contar os comentários muitíssimo bem humorados sobre o blues no começo da música (que, aliás, é um blues).

O álbum termina, finalmente, com uma versão bem mais curta de Peace Go With You, Brother.

Winter In America foge do convencional e nos mostra um som coeso e muito bem executado, com toda a banda no seu auge e composições originais e únicas. Música estadunidense negra setentista na sua forma mais sincera e seminal.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
  1. Peace Go with You, Brother (As-Salaam-Alaikum)
  2. Rivers of My Fathers
  3. A Very Precious Time
  4. Back Home
  5. The Bottle
  6. Song for Bobby Smith
  7. Your Daddy Loves You
  8. H²Ogate Blues
  9. Peace Go with You Brother (Wa-Alaikum-Salaam)


Banda: Sparks; Álbum: Kimono My House

 


Banda: Sparks
Álbum: Kimono My House
Ano: 1974
Gênero: Glam rock; pop

Finalmente uma resenha de um álbum que pode ser classificado, de certa forma, como glam rock, um gênero que é impiedosamente massacrado e confundido. Não tem como eu falar de Sparks e da história do rock and roll nos anos 70 sem explicar o que é esse estilo e quem são seus herois.

glam rock é um estilo nascido na Inglaterra no comecinho dos anos 70. Musicalmente falando, é um rock and roll carregado de sensualidade e irreverência, e isso se reflete muito (e não há como frisar esse muito suficientemente) no visual das bandas. O visual, aliás, é uma das peças-chave do glam – termo que remete a glamour. Valia tudo: botas-plataforma, maquiagem, roupas brilhantes, cachecóis, permanentes, glitter e por aí vai.

É geralmente aceito que o glam rock nasceu quando uma banda chamada Tyranossaurus Rex, liderada pelo eterno Marc Bolan, mudou de nome para T. Rex, trocou os violões pelas guitarras elétricas e lançou o single Ride A White Swan em outubro de 1970. A música aos poucos ganhou as rádios britânicas e conquistou o público com sua batida simples, guitarra-chiclete e a voz peculiar de Bolan. Mas não há glam rock sem imagem, e o T. Rex realmente começou a fazer história a partir desta apresentação, na qual Bolan e a banda aparecem usando roupas brilhantes e glitter:





Em 1971 o T. Rex lançou o essencial Electric Warrior (praticamente a enciclopédia do glam rock), mas o auge do estilo foi, sem dúvidas, 1972, quando a banda de Bolan se consolidou com The Slider, o Roxy Music lançou seu debut auto-intitulado e principalmente quando David Bowie lançou seu inacreditável The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars.

Esse álbum foi essencial para a difusão do estilo além-Reino Unido. Bowie conquistou fama internacional e levou a febre do glam rock para os EUA, influenciando nomes como LouReed e Iggy Pop (basta ver as capas de Transformer e Raw Power para entender o que eu estou falando). Além disso, a abordagem de Bowie era mais criativa que a de seu amigo Bolan, levando o estilo a um patamar mais elevado - fãs de T. Rex, não me crucifiquem! Eu adoro a banda, mas se compararmos Bowie e Bolan de 1970 até 1977 esse ponto de vista se sustenta quase sem argumentação.

De qualquer maneira, tudo isso para chegar até o Sparks. A banda, liderada pelos irmãos Ron e Russell Mael, nasceu nos EUA em 1968 com o nome de Halfnelson. O estilo deles nessa época era próximo ao pop/rock psicodélico, e não demorou para que o produtor e músico Todd Rundgren (que também é deveras talentoso, tendo lançado álbuns ótimos como Something/Anything e A Wizard, A True Star) os descobrisse. Lançaram um álbum auto-intitulado que vendeu muito mal, mudaram o nome da banda para Sparks e lançaram o álbum A Woofer In Tweeter’s Clothing. Esse álbum rendeu a eles uma turnê pela Inglaterra e uma apresentação na BBC na qual o apresentador Bob Harris os classificou como “uma mistura entre os Mothers Of Invention (banda de Frank Zappa) e The Monkees.

Em 1973, o Sparks se mudou de vez para a Inglaterra a convite da gravadora Island Records. Os irmãos aceitaram e mudaram-se para Londres, mesmo sem ter nenhuma música nova.

Esse problema seria resolvido durante o verão por Ron. Com um piano e um violão, ele compôs um conjunto de músicas com um padrão de qualidade nunca antes atingido pela banda – as músicas que estariam em Kimono My House.  As músicas incorporavam elementos interessantíssimos, como música clássica e rock – algo que não era tão apreciado nos EUA, mas que fazia um sucesso enorme no Reino Unido; eles chegaram a se apresentar para uma plateia de seis pessoas nos EUA, mas lotavam as casas de shows em Londres.

Além das composições únicas, a banda se destacava pela presença de palco interessantíssima: enquanto o vocalista Russell Mael era extravagante e hiperativo, dando pulinhos e fazendo caras e bocas, seu irmão Ron era o oposto, com uma expressão fixa, vestido com roupas sociais e seu bigodinho à-lá Hitler. Falemos, enfim, de Kimono My House.

Lançado em 1974, trata-se do primeiro álbum da banda na Inglaterra. Foi muitíssimo bem sucedido em muitos sentidos, e é certamente o álbum mais importante do Sparks – Kurt Cobain, o falecido frontman do Nirvana, e Morrissey, ex-frontman dos Smiths, citam este álbum em sua lista de favoritos – o último chegou a escrever uma carta para os irmãos Mael para agradecê-los por terem despertado seu interesse por música com Kimono My House. O que é sensacional sobre este álbum é que as músicas são incrivelmente extravagantes e urgentes ao mesmo tempo. Os ritmos e melodias são muito, mas muito inquietantes – no bom sentido. Algumas pessoas chegam a definir o estilo deles como um derivado do camp humour – um tipo de humor que é engraçado justamente porque é deliberadamente extravagante e ridículo.

Antes de falar das músicas, vou falar de outra parte do álbum que merece destaque: a capa. Sem nenhuma indicação na frente do nome da banda ou do álbum, traz apenas a foto de duas mulheres japonesas vestidas em trajes tradicionais (kimono) na frente de uma parede verde. Desafiador e muito incomum, até para os dias de hoje.

A faixa de abertura é talvez a música mais conhecida da banda: This Town Ain’t Big Enough For Both Of Us. Peculiaríssima, a música mostra bem o estilo do Sparks nesse álbum: dominado pelos teclados de Ron, com os únicos e agudos vocais de Russell em seu estilo operático cantando letras surreais e engraçadas. Começa com um teclado quieto, mas logo a voz e os riffs geniais da guitarra de Adrian Fisher, a bateria furiosa de Dinky Diamond e o baixo sólido de Martin Gordon dão um peso incrível a essa faixa memorável, que chegou a ocupar o segundo lugar nas paradas britânicas. Perfeita abertura para o álbum.



Amateur Hour começa com um riff frenético que tem a cara do Sparks. Frenética, foi o segundo single do álbum e alcançou o sétimo lugar nas paradas. A letra é um sarro e fala sobre como se deve treinar na prática sexual para se tornar um “profissional” – e que “ela vai fazer você perceber” quando você chegar lá. Os teclados de Ron e a bateria de Diamond são o grande destaque dessa faixa para mim.

Falling In Love With Myself Again é uma faixa esquisitíssima. É uma valsa meio dark, pesada, e com um toque daquelas canções tradicionais alemãs. Algumas passagens instrumentais são muito bem executadas e originais, com apenas o teclado, baixo e bateria levando a música. A parte em que a guitarra “pergunta” e o baixo “responde” é um show à parte.

Here In Heaven é espetacular. A melodia é belíssima e pesada ao mesmo tempo. A letra é um show à parte: fala de um garoto apaixonado que havia combinado de se suicidar junto com a namorada, mas na hora H apenas ele se matou. No fim, ele se encontra sozinho no paraíso sem ela. Tragicômica ao extremo, criativa e bonita.

Thank God It’s Not Christmas pode ser resumida em seu refrão: “Thank God it’s not Christmas, when there is only you and nothing else to do” – ou “Graças a Deus não é Natal, quando só tem você e nada mais para fazer”. Sensacional, novamente com uma melodia sombria e engraçada ao mesmo tempo, do jeito que só o Sparks consegue fazer. Os teclados dão um tom muito grandioso à música, principalmenten o refrão. Bela faixa.

Apesar da guitarra ser um instrumento “secundário” no Sparks, o talento do guitarrista consegue fazê-la sobressair em diversos pontos do álbum. Hasta Mañana, Monsieur começa com um teclado calmo, mas logo a música acelera e a guitarra de Fisher rouba a cena com riffs interessantíssimos. A letra fala sobre um rapaz tentando impressionar uma garota alemã falando uma mistura de inglês, francês e espanhol – como se fosse uma Michelle, dos Beatles, levada ao extremo do divertido.

Talent Is An Asset é uma das minhas preferidas do álbum. Abre com a batida direta e seca de Diamond e é uma pedrada do início ao fim, com algumas quebras rítmicas e melodias típicas do Sparks. Uma das faixas mais claramente influenciadas pelo glam rock, traz uma letra que fala de Albert Einstein. Foi lançada como single nos EUA, mas fracassou – lembre-se que o Sparks, apesar de estadunidense, estourou primeiro no Reino Unido. O refrão “Talent is an asset, you’ve got to understand that” (Talento é uma qualidade, você precisa entender isso), cantado em falsete por Russell, fica na cabeça.

Complaints foi descrita por Ron como “três minutos de reclamações”. Mas a música é muito mais que isso; um glam pop grudento, com uma melodia criativa e um quê de punk rock, mostrando como o Sparks é bem sucedido em misturar estilos.

In My Family é uma das faixas que menos me chamou a atenção até eu reparar na letra sensacional, que fala sobre empresas e negócios familiares. Em certo momento, o narrador afirma que vai se enforcar na árvore genealógica. Sensacional, apesar de não se destacar tanto assim das outras.

O álbum fecha com Equator, um quase-blues cantado em um falsete extremamente agudo. A palavra equator vai ficar na sua cabeça por horas após ouvir essa música, que termina com uma longa improvisação vocal de Russell. Brilhante, triste e engraçada ao mesmo tempo.

Kimono My House é um álbum muito peculiar. Tem um estilo muito bem definido e único, muitíssimo criativo e é praticamente uma aberração até hoje. Vale muito a pena escutar.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
  1. This Town Ain't Big Enough for Both of Us
  2. Amateur Hour
  3. Falling In Love With Myself Again
  4. Here In Heaven
  5. Thank God It's Not Christmas
  6. Hasta Mañana, Monsieur
  7. Talent Is An Asset
  8. Complaints
  9. In My Family
  10. Equator

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