Apenas um ano após Load, os Metallica voltam a lançar mais material que poderia ter feito parte desse mesmo disco. Se Load já afastou gente, Reload foi o prego final no caixão. Os Metallica já não eram a banda gigante que tinha chegado ao início dos anos 90.
Pouco mais há a acrescentar a Reload do que anteriormente foi dito ao disco que lhe precedeu, lançado apenas um ano antes. Mais uma vez sob a batuta do mago Bob Rock, os Metallica continuam a rejeitar o passado glorioso do metal e thrash metal e entregam-se ao rock clássico e sulista, sem espaço para os solos de guitarra de Kirk Hammett, cada vez menos “especial” na banda. A machadada do som típico seria dada em St. Anger, para desespero dos fãs da banda, tanto os mais acérrimos como os mais casuais.
Reload, tal como o nome indica, é a continuação do som que a banda tinha trazido um ano antes. rock sujo e “macho” mas sem a originalidade que tinha nos anos 80 nem a força pop de Black Album.
Load e Reload, um pouco como Use Your Illusion I e II, são produtos da mesma fornada, e feitos para serem lançados como um disco duplo, no entanto, dado ao não cumprimento do tempo agendado para o lançamento do disco, a banda decidiu editar Load primeiro e voltar ao estúdio para finalizar as músicas que tinham ficado de fora. Tivessem sido todas as músicas finalizadas e postas na mesma bandeja, certamente a banda teria descortinado que, cortando aqui e ali, poderia ter feito um só disco, quase tão forte como o Black Album.
Assim não aconteceu e quem pagou por isso foi a própria banda que viu o seu legado atingido por dois discos muito mais fracos que os seus trabalhos anteriores, sobretudo este Reload.
Se em Load poderíamos retirar mais de um mão de êxitos, em Reload a escolha é menor. “Fuel” a abrir é certamente uma escolha consensual, já “The Memory Remains” não agrada a gregos e troianos mas é, sem dúvida, um belo momento de Hetfield com a senhora do rock, Marianne Faithful. Uma colaboração muito mais feliz do que a com Lou Reed.
O pior estava para vir após as duas músicas iniciais, nada de realmente interessante, incluindo uma sequela de “Unforgiven” que quase nos faz não querer ouvir mais a original. O resto é meio insípido e morno sem nada de relevante.
Reload é a machadada final na tentativa dos Metallica serem a maior banda do mundo. O trono quase lhes pertenceu e esteve ali tão perto das suas mãos, no entanto, esta série de discos medianos e/ou medíocres fez a banda cair na realidade e seguir o seu caminho, sem nunca deixar, felizmente, de dar concertos que fazem inveja a muitos indies.
Podia ter sido com Vanilla Ice. Depois de Load, Reload e Garage Inc, para quem quisesse perceber os Metallica já o haviam mostrado – tinham perdido a vergonha. A disco passavam o que queriam, com a sonoridade que lhes apetecesse, com mais ou menos solos, mais ou menos depressa, com letras mais ou menos absurdas. Podiam gravar com Marianne Faithfull, podiam ganhar Grammys com covers de Thin Lizzy, podiam mesmo ter gravado com Vanilla Ice.
Desde 1991 que Michael Kamen estava na agenda de contactos. Através de Bob Rock, na longa maratona de produção do álbum homónimo, o maestro tinha sido desafiado a compor arranjos para uma versão acústica de “Nothing Else Matters”. Aceitou, entregou, mas nunca chegou a ouvir o resultado. À mistura final do disco pouco da orquestra passou e do lado da banda o agradecimento nunca apareceu. Anos depois, um novo desafio: E que tal um álbum duplo?
O desconforto
Mais um impulso? Nova aventura falhada? Não seria melhor gravar um disco com o Vanilla Ice? De um lado, cinquenta músicos capazes de, nas palavras do maestro, “tocar uma cagadela de mosca se estiver em pauta” mas na sua maioria virgens em terrenos de heavy metal. Do outro, uma banda a caminhar para a implosão. Se Lars queria “gravar com música clássica”, Hammett já via Kamen como “outro membro da banda” e Newsted deixara-se deslumbrar pelas capacidades dos novos companheiros de palco, Hetfield subia ao palco convencido que a mistura “nunca iria funcionar”. Tal como no dia em que achou boa ideia gravar um disco com Lou Reed, estava enganado.
E lá subiram, nas noites de 21 e 22 de Abril de 1999, ao palco da Berkley Community Theater desconfortáveis, mas trajados a preceito – há registos de botões de punho com caveiras na camisa de Hammett – para enfrentar uma plateia incrédula – Orquestra no palco? Cadeiras? – na companhia de cinquenta músicos. Tudo certo para mais uma cavadela no legado?
O resultado?
E se tiver funcionado? E se os senhores do metal afinal se alinharam mesmo com violinos e violoncelos? E se a Orquestra Sinfónica de São Francisco foi mesmo capaz de acrescentar música e ordem ao quarteto mais ruidoso da cidade? Hetfield estava enganado. Quem os condenou ao exílio também. Quem não percebeu que iriam continuar a gravar o que lhes apetecesse, podia estar só distraído. O que ninguém poderia imaginar? Que passados quase 20 anos S&M continua a envelhecer bem. Que ganhou estatuto de marco, de prova para como soava o bom rock do século passado. Um momento de classe em gigantes desordeiros.
“Uma noite no Bottle’s Bar, ainda meio vazio, ouvi um mulato forte e bonito cantando e tocando um violão muito diferente(...) Ele não dedilhava o violão mas tocava-o com a mão inteira, rítmico e percussivo, à maneira dos bluesmen. Mas o que ele tocava era indiscutivelmente samba, mas um samba muito diferente...”
Acabei de adquirir, há poucos dias, substituindo o meu “piratinha”, um dos mais importantes álbuns da discografia nacional; um daqueles discos revolucionários em linguagem, estilo e inovação. Trata-se do clássico “Samba Esquema Novo” disco de estréia de Jorge Ben, lançado em 1963 mas que permanece vanguardista e influente até hoje.
Toda essa onda de samba-rock; Seu Jorge, Otto, Lenine, Mundo Livre S/A; todos estes e muitos outros não seriam quem são nem teriam feito o que fazem sem a existência do “Samba Esquema Novo”. Diria mais: talvez de forma indireta, talvez por conexões desconhecidas, talvez pela própria expansão natural interfronteiras da música ou por correntes marinhas do Atlântico, mas vejo no pop rock inglês, principalmente do início dos ’90, muito da linguagem proposta neste álbum e que viria a se aprimorar e ficar mais clara nos discos seguintes, principalmente no grande "Tábua de Esmeraldas" de ‘74.
Sempre lembro da descrição de Nélson Motta, no seu ótimo “Noites Tropicais”, da primeira vez que ouviu Jorge Ben: “ele não dedilhava o violão, mas tocava com a mão inteira”. Tocava samba como se tocasse rock. E seria simplificar dizer que aquilo se resumisse a um dos dois estilos ou que fosse apenas uma conjugação dos dois. Era mais. Era jazz, funk, soul, blues, gafieira e um “misto de maracatu” como anunciava a letra da sua “Mas que Nada”. Jorge Ben talvez não soubesse o que estava fazendo ali, mas com “Samba Esquema Novo” ele revolucionava de novo a música brasileira, mesmo inserido num contexto absolutamente criativo e inovador como era a Bossa-Nova.
A já citada “Mas que Nada”, abrindo o disco, já dava o cartão de visitas, apresentando todo aquele misto inusitado até então. “Tim Don Don”, que a segue, é a única não composta por Jorge, mas se presta perfeitamente para esmiuçar a levada, com onomatopéias atribuídas ao som do violão que quase explicavam o som que o garoto estava fazendo ali.
“Rosa, Menina Rosa”, uma das melhores do disco, que acrescenta à mistura do cantor uma atmosfera meio espanhola por conta de seus metais, dá o recado de que aquele samba é capaz de passar muita gente pra trás. “Menina Bonita Não Chora” é outra das grandes do álbum, e as conhecidas “Chove Chuva” e “Balança Pema”, regravada depois por Marisa Monte, são outros grandes momentos do álbum. “Por Causa de Você, Menina”, que encerra a obra em grande estilo, traz aquele “voxê” que o cantor fazia em homenagem a uma pequena fã, e que muita gente na época acreditava ser um problema de dicção. Mesmo que fosse isso... Mesmo que fosse gago, não invalidaria o baita disco que é esse “Samba Esquema Novo”.
“O samba de Jorge Ben, da batida de seu violão à linha melódica e letra de suas composições revela um novo caminho nos horizontes de nossa música popular. É o esquema novo do samba(…) Seu inato talento musical proporcionou-lhe descobrir uma nova puxada para o nosso samba, fazendo do violão um instrumento, sobretudo, de ritmo (…) Somente o violão de Jorge já da a necessária marcação dispensando, portanto, aquele instrumento de ritmo. O balanço do acompanhamento repousa quase sempre no seu violão”.
"O Jorge [Ben] é o cara que eu conheço que consegue colocar mais palavras num mesmo verso." Jô Soares
Se a expressão samba-rock pode ser atribuída à música de um artista, esse cara com certeza é Jorge Ben. Agora, se tem um disco para o qual esta mesma expressão possa ser aplicada com perfeição, esse álbum é o "África Brasil". Neste disco de 1976, Jorge Ben com a ajuda de uma banda de peso, cheia de suíngue, embalo, com músicos de diversas procedências e influências, trocava o violão pela guitarra elétrica e conjugava magistralmente os elementos básicos destes dois estilos, enriquecendo-os ainda com outros como funk, soul e jazz, obtendo um resultado absolutamente inigualável. Pode-se dizer que "África Brasil" é mais ou menos como Bob Dylan 'abandonado' as canções folk e pegando a guitarra... Só que aqui sem as vaias. Com eletricidade, potência, ímpeto e pegada, "O Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)", que dá as boas-vindas no disco, é o sonho de qualquer banda que tenha tentado dotar seu rock de embalo. Com um riff contagiante e pungente, um baixo envolvente e uma cozinha que mescla funk, samba e batidas afro, a música que fala de um atacante carismático e goleador, a quem torcida saíra de casa somente para ver jogar, talvez seja o melhor exemplo dessa sonoridade pretendida e obtida por Jorge Ben neste álbum. "Hermes Trismegisto Escreveu", uma das referências e amarração com o disco "A Tábua de Esmeralda" é uma incrível soul music da melhor qualidade onde reaparecem os interesses do cantor por assuntos místicos; já demonstrados em outros trabalhos; o futebol por sua vez, também volta a aparecer em "Meus Filhos, Meu Tesouro", batucada, carregada de brasilidade e ritmo, é interessantemente cantada à rock por Jorge Ben, chegando a rasgar a voz em determinados momentos, numa descontraída declaração de amor aos filhos. As boas "O Filósofo" e "O Plebeu" mantém a tradição do sambalanço de letras quase ingênuas características do cantor; e o clássico "Taj Mahal" ganha uma versão mais elétrica, mais guitarrada, mas interessantemente, cheia de cuícas. "Xica da Silva", que serviu de trilha sonora para o filme homônimo, narra, em um samba manemolente e sensual, a história de uma negra que ascendeu à aristocracia brasileira graças a um caso com um nobre português na época do Império, bem naquele estilo característico de letra de Jorge Ben, de versos extensos com o máximo de palavras possíveis como observou muito bem certa vez o apresentador Jô Soares numa entrevista com o diretor do filme, Cacá Diegues. Em "A História de Jorge", o cantor faz aquela tradicional auto-referência ("Jorge de Capadócia", "Jorge Well") dotando desta vez o personagem de mesmo nome que ele com o poder de voar; em "Camisa 10 da Gávea", Jorge Ben expressa mais uma vez sua paixão pelo futebol manifestando dessa vez sua admiração pelo ainda jovem craque rubro-negro, Zico, num samba-jazz cadenciado com mais um trabalho admirável do baixista Dadi, o Leãozinho da música de Caetano Veloso, ex-Novos Baianos e que viria a tocar em bandas como A Cor do Som e Barão Vermelho. O Babulina faz a também costumeira homenagem a seu santo de devoção e igualmente xará, São Jorge, no rock-jazz-samba frenético e acelerado "O Cavaleiro do Cavalo Imaculado"; e fecha o disco com a faixa que lhe empresta o nome, "África Brasil", que na verdade não seria mais que uma versão da música "Zumbi", do álbum "A Tábua de Esmeralda", em outra referência-laço com aquele disco clássico, se não fosse sua agressividade rock, gritada e rasgada, a ponto de me lembrar "California Über Alles" dos Dead Kennedy's. "África Brasil" foi o responsável pela retomada da minha coleção de LP's uma vez que há uns 3 anos atrás, numa exposição sobre vinil, no CCBB resolvi comprar a reedição em bolachão deste clássico que havia acabado de sair (cara $$$), antes mesmo de comprar um novo toca-discos. Mas agora tenho ambos, o LP e o toca-discos. Bom,... e na verdade tenho o CD também. Por muitos, "África Brasil" chega a ser apontado como o melhor disco nacional de todos os tempos e embora não seja o meu, entendo a preferência e não considero nenhum absurdo. Com certeza é um dos grandes álbuns da discografia nacional e mais uma obra-prima da fase mais criativa de Jorge Ben. Salve Jorge! Salve a África! Salve "África Brasil"! *******************
FAIXAS: 01 – Ponta de Lança Africano (Umbabarauma) 02 – Hermes Trismegisto Escreveu 03 – O Filósofo 04 – Meus Filhos, Meu Tesouro 05 – O Plebeu 06 – Taj Mahal 07 – Xica da Silva 08 – A História de Jorge 09 – Camisa 10 da Gávea 10 – Cavaleiro do Cavalo Imaculado 11 – Africa Brasil (Zumbi)
O fato de que eu não poderia permanecer nelas por uma razão ou outra foi doloroso para mim.
Os homens envolvidos são pessoas boas.
Eu fui apaixonada por eles neste dia.
Temos um carinho mútuo, mesmo que cada um tenha ido para novos relacionamentos.
Certamente bolsões de mágoa se formam.
Você fica um pouco maltratada ao sair de um relacionamento que vê não vai durar para sempre.
Eu não vivo em amargura.” Joni Mitchell, em 1979, para a Rolling Stone, respondendo à matéria da revista que falava sobre seus relacionamentos
Foi muito difícil resolver escrever sobre este disco. Ele é talvez o disco que eu mais goste de todos os que já ouvi na minha vida. Pelo significado das letras, pela música estranha e sombria e, ao mesmo tempo, lírica e sensível, pela sonoridade que não se encontra em qualquer outro trabalho. E também porque partilho este apreciar com um dos meus melhores amigos, o Mauro Magalhães. O que eu escrever aqui terá o julgamento dele. Bom, o disco é “Hejira” da cantora e compositora canandense Joni Mitchell. Este disco foi lançado em 1976 e é fruto de uma viagem de carro que Joni fez do estado do Maine até a Califórnia, onde mora, sozinha e com seu violão. Isto equivaleria vir do Amazonas até o Uruguai. Nesta viagem, Joni, que estava saindo de um relacionamento, compôs o tempo inteiro. O resultado é este disco.
Começamos por "Coyote", talvez a música com mais jeito de hit do disco. Um ritmo folk com aquele violão num groove, a percussão de Bobbye Hall e, especialmente o baixo fretless de Jaco Pastorius, ele próprio um quase coautor do disco, tamanho o destaque e a importância que tem para o som de "Hejira". A letra conta uma carona que Joni deu para um índio e das aventuras que os dois viveram durante este período. O refrão diz tudo: "você pegou um caroneiro/ um prisioneiro das faixas brancas da estrada". A canção seguinte, "Amelia", é uma homenagem à aviadora Amelia Erhart e uma evocação da mulher que se liberta e consegue destaque no mundo dos homens. É bom lembrar que o disco foi gravado na metade dos anos 70, quando as mulheres ainda lutavam por sua independência e lugar na sociedade. Além disso, havia um preconceito contra atuação sexual da mulher. E Joni era namoradeira. Um ano antes, a revista Rolling Stone, num arroubo machista como jamais visto, publicou uma "árvore genealógica" dos amores de Joni. De certa maneira, "Amelia" – e todo o disco – se constitui numa resposta à toda esta intolerância. Depois de descrever todo um trecho da viagem e fazer um relatório lírico, ela diz: "Parei num cactos Tree Motel/ Pra tirar a poeira/ e dormi num travesseiro estranho da minha luxúria/ Sonhei com 747/ sobre fazendas geométricas/ Sonhos, Amelia, sonhos e falsos alarmes". Tudo isso com a guitarra de Larry Carlton como nunca foi ouvida em outro disco. Pontuando o violão de Joni e a guitarra de Carlton, está o vibrafone de Victor Feldman, totalmente integrado ao clima.
Depois, vem "Furry Sings the Blues", que conta sua visita ao blueseiro Furry Lewis, em Memphis. Observadora, Joni mistura o relato da visita a uma acurada descrição da decadência dos bairros pobres da cidade. Ela levou bebida e cigarros para o lendário homem do blues que está numa cama sem uma perna. A visita se torna tensa: "Velho Furry canta o blues/ Ele aponta um dedo grosso pra ti/ e diz: 'Não gosto de você'/ Todo mundo ri como se fosse uma piada/ mas é verdade/só somos bem-vindos porque trouxemos bebida e cigarros". Nesta viagem, Joni traz dois de seus companheiros do L.A. Express, banda que tinha tocado com ela: Max Bennett no baixo e John Guerin na bateria, na época, seu namorado. E também Neil Young, que faz intervenções exatas e precisas na harmônica. Como sempre, Joni e seus violões com afinações diferentes. Mais um relato de um amor da estrada, "A Strange Boy" conta do relacionamento dela com um jovem skatista. Similar em tema e sonoridade a "Coyote", a canção faz Joni admitir que estava numa viagem a procura de si mesma e do amor: "Apenas quando eu penso que ele é bobo e infantil/ e eu quero que ele seja adulto/ eu resgato minha bobice e infantilidade/ precisando de amor e compreensão". É o grito de uma mulher à procura do amor e de alguma coisa a mais.
Este disco dá uma série de pistas ao que se passava na cabeça de Joni Mitchell nesta e em todas as épocas. À medida que o disco avança, mais e mais, ela vai se desnudando, lentamente, mas nunca deixando ver tudo. E aí vem a música mais emblemática, a faixa-título. Novamente aquele violão strummed, o baixo de Pastorius e a percussão de Bobbye Hall. “Héjira” foi a jornada do profeta Maomé e seus seguidores de Meca a Medina. Joni usa o termo para fazer um relato da viagem e da jornada para dentro de si mesma e dos relacionamentos amorosos entre os seres humanos. A letra é toda interessante e citável, mas destaco alguns trechos: "No nosso relacionamento possessivo/ muita coisa não podia ser dita/ agora estou voltando pra mim mesma/ estas coisas que eu e você suprimimos". Mais adiante, ela diz: "Na igreja, eles acendem as velas/ e a cera corre como se fosse lágrimas/ Tem a esperança e o desespero/ que eu presenciei 30 anos". E o refrão – se é que se pode chamar de refrão este trecho – afirma: "Estou viajando em um veículo/ Estou sentada em algum café/ um desertor de guerra sem importância/ Até que o amor me carregue de volta pra aquele caminho". Lírica e intensa, Joni faz metáforas com prédios e sua solidez com a natureza volátil do amor.
Entretanto, uma das chaves para entender "Hejira" e Joni Mitchell está na música seguinte, "Song for Sharon". Escrita como se fosse uma carta a uma amiga que vai casar, Joni deixa transparecer sentimentos confusos e contraditórios a respeito de sua liberdade e da "prisão" em que sua amiga está entrando. Ela começa descrevendo uma viagem que fez a Staten Island, onde comprou um mandolin. Durante toda a música, Joni fala para Sharon das coisas que vê durante esta viagem como se a estivesse provocando. Lá pelas tantas, a descrição se torna sombria: "Uma mulher que eu conhecia se afogou/ O poço estava lamacento e profundo/ Ela estava se livrando da futilidade/ ou punindo alguém/ Meus amigos ligaram ontem o dia inteiro/ todas emoções e abstrações/ Parece que todos nós vivemos muito perto desta linha/ e tão longe da satisfação". Joni fala do casamento como se fosse uma prisão, mas toda aquela cerimônia e os rituais parecem lhe fascinar. As explicações virão seis anos depois, quando ela se casa com o baixista Larry Klein e faz um disco inteiro celebrando este casamento chamado "Wild Things Run Fast".
Já "Black Crow" compara o corvo que ela encontra na estrada a si mesma. "À procura de amor e de música/ toda minha vida foi dedicada/ Iluminação, corrupção/ e mergulho, mergulho, mergulho, mergulho/ Mergulho pra pegar qualquer coisa brilhante/ como aquele corvo voando/ num céu azul". A busca do corvo é a mesma de Joni: algo que a faça feliz, mesmo que efêmero. O que é a mesma busca que empreendemos toda nossa vida. Metaforicamente falando. Com os violões, temos a guitarra de Carlton nunca tão violenta e lancinante. Depois de tanta procura e frustração, vem o momento em que as coisas dão uma trégua. "Blue Motel Room" usa o clima de balada jazzística para contar uma história de amor moderna. "Você ainda vai me amar/ quando eu te ligar, quando eu voltar pra casa". Depois, ela brinca que "sabe que você tem todas estas garotas espalhadas pela cidade... diga pra elas que tu tens sarampo, que tu tens germes". Ou em: "Você e eu somos como América e Rússia/ Estamos sempre tentando ganhar... Precisamos armar uma conferência de paz/ em algum café neutro/ Você vai continuar circulando pela cidade/ e eu vou cair na estrada". O amor continua, mas a liberdade é mais importante para Joni.
E, pra fechar, ela procura "Refuge of the Roads". Como em todo o disco, o clima é confessional. Joni vai contando de figuras que encontrou. Cada uma delas procura o refúgio nas estradas. Andarilhos, homens e mulheres perdidos, personagens desgarrados pelo mundo. São estas pessoas que Joni Mitchell descreve e com as quais se sente em casa. Jaco Pastorius brilha como nunca nesta canção, acompanhado pelos sopros de Chuck Findley e Tom Scott e pelo sempre presente violão de Mitchell e suas afinações malucas. É muito difícil analisar um disco que se ama tanto e que a cada ouvida se descortina. Algumas das coisas que Mitchell diz neste disco iriam se revelar por completo anos depois com o surgimento de uma filha adulta que ela tinha abandonado para adoção em 1965. Bom, isso é outra história. Recomendo a todos que mergulhem neste disco como ela mergulhou na estrada. E eu nem falei da capa, uma das mais lindas ever.
It's All Meat foi uma banda do final dos anos 60/início dos anos 70, vinda de Toronto, que lançou este excelente álbum em 1970 (Columbia). Antes disso, It's All Meat era conhecido como The Underworld. O Underworld lançou um single de garagem soberbo e bruto ("Go Away"/"Bound" – o selo é Regency) em 1968 e também gravou um excelente material inédito capturado em acetato. Como mencionado anteriormente, alguns dos membros do The Underworld formariam o It's All Meat. Em 1969, este novo grupo lançaria seu primeiro 45, "Feel It", juntamente com "I Need Some Kind of Definitive". “Compromisso.” O lado A combina a energia do MC5 com a arrogância do New York Dolls e apresenta bastante feedback e ótimas pausas de guitarra. É um dos grandes proto-punks.
Seu álbum foi lançado no ano seguinte e continha 8 faixas originais inéditas escritas pelo baterista Rick McKIM e pelo tecladista/vocalista Jed MacKAY. Há um monte de bons e sólidos garage rockers que formam o eixo deste LP: "Make Some Use Of Your Friends", "Roll My Own", "You Brought Me Back To My Senses" e "You Don't Know The Time You Waste". Esta última faixa seria lançada como o segundo e último single do grupo, mas "Roll My Own" e "Make Some Use Of Your Friends" foram igualmente boas, apresentando um bom trabalho de guitarra psicodélica e vocais crus. Outras faixas dignas de nota flertavam com o blues ("Self-Confessed Lover") e o folk-rock ("If Only"), mas os momentos mais brilhantes do LP foram suas duas composições maratonas de 9 minutos. “Crying Into A Deep Lake” era a psicodelia completa do Doors, com teclados espaciais e vocais assustadores influenciados por Jim Morrison. A outra faixa longa, “Sunday Love”, soa como uma estranha mistura de Lou Reed e John Cale, com muitos ruídos psicodélicos de guitarra e passagens suaves de folk, salpicadas com teclados leves de garage. Portanto, embora essas duas últimas faixas sejam muito longas, elas nunca se esgotam e são obrigatórias para fãs de garage e psych. A produção do álbum oscila entre um som de gravação primitivo e o brilho típico de uma grande gravadora, o que o torna perfeito.
It's All Meat é uma viagem excelente e consistente do começo ao fim. É um dos melhores álbuns de garage rock do período tardio (muito tardio) que conheço. Os sons hard rock e proto-punk do álbum lhe conferem um toque agradável e visceral. It's All Meat foi relançado em 2000 pela Hallucinations.
Embora o Krautrock do início dos anos 70 tenha assumido muitas formas, com algumas bandas sendo rockers pesados e outras mais voltadas para o jazz-fusion, quase todas essas bandas compartilhavam um atributo tangível: motivos psicodélicos e oníricos que serpenteavam despreocupadamente por longos períodos. Embora fosse um atributo compartilhado por todo o subgênero, algumas bandas o levaram a extremos, e a banda alemã YATHA SIDHRA foi uma dessas bandas que levou esse tipo de música meditativa a novos patamares relaxantes. Essa banda foi formada em Freiburg em 1973 pelos irmãos Rolf e Klaus Fichter sob o nome Brontosaurus, mas logo descobriram que um dinossauro gigante não transmitia exatamente a mensagem que esperavam, então seguiram a tendência do mundo indo-raga e mudaram seu nome para YATHA SIDHRA, que soava mais hindu. Embora a existência da banda tenha sido bastante breve e eles só tenham conseguido criar este clássico cult intitulado A MEDITATION MASS, um verdadeiro tesouro no mundo da música experimental, progressiva e über-kosmische que, para todos os efeitos, cria uma única faixa longa de álbum conectada, apesar de ser tecnicamente separada em quatro suítes. Esta é uma música hipnotizante, se é que alguma vez houve alguma. O tipo de música que você imagina tocando em sua cabeça em uma miragem perto de um oásis no deserto, onde o mundo espiritual e o físico estão de alguma forma conectados por um breve momento. Esta jornada espacial de quarenta minutos começa com alguma eletrônica progressiva estelar que exibe o sintetizador Moog como o principal gerador atmosférico do álbum. Depois de um tempo, a música cede a uma forma suave de rock com uma forte presença da flauta indiana, vibrafones, um piano elétrico e vocais esparsos.
Os aspectos do rock estão praticamente ausentes em "Parte 1", mas se tornam mais proeminentes em "Parte 2", o que permite que a bateria e o baixo brilhem por um breve momento em um álbum etéreo e suave, que é uma experiência mística alucinante com um devaneio pulsante da cultura acid dos anos 60, soando mais sofisticado com a miscelânea de influências étnicas e rompendo com os clichês. O álbum brilha ainda mais na excelente produção que teve Achim Reichel no comando para dar acabamento ao projeto, lançado pelo famoso selo Brain, que recebeu muitas das grandes bandas de Krautrock, como NEU!, Guru Guru, Cluster, entre outras. Continue em "Parte III" e a música se envolve em um rock jazzístico de forma livre com uma guitarra lamentosa, uma batida sincopada que se destaca sobre ritmos que induzem ao trance, culminando nos esperados surtos aprovados por Kraut. "Parte IV" simplesmente continua o rock espacial com atmosfera.
Este álbum, majoritariamente instrumental, é supostamente um álbum conceitual, mas não é preciso investir capital intelectual para apreciá-lo. No fim das contas, esta é uma jornada guiada por Moog na esfera sonora que leva o ouvinte a uma viagem espacial definitiva. Uma jornada musical em direção a um êxtase fluido que oscila lentamente entre folk pastoral, rock espacial e a incursão ocasional em passagens mais jazzísticas. No geral, A MEDITATION MASS é o álbum perfeito para o seu homônimo. Não é complexo demais para seu próprio bem, nem simplista demais para ter algum valor. É perfeitamente equilibrado, pois pega melodias suaves e as provoca em direção ao infinito, que por acaso é interrompido pelas limitações da tecnologia de gravação original da época.
Se você busca música espacial hipnotizante, onírica e hipnótica, com toques de rock, folk étnico e jazz, Yatha Sidhra criou a viagem sonora perfeita para os mundos interiores da sua meditação. O que diferencia A Meditation Mass de outros artistas como Amon Düül II ou Ash Ra Tempel é que este é menos "esquisito" e mais pé no chão. Ressoa como algo mais espiritual e menos inspirado em química, mas tão distante da realidade quanto o melhor que o Krautrock tinha a oferecer. Talvez o parente musical mais próximo que encontrei dessa época não seja da Alemanha, mas do Japão. A banda Far Out, de Tóquio, também lançaria um clássico meditativo, "日本人 (Nihonjin)", apenas um ano antes, e compartilha as mesmas características gerais. Enquanto Yatha Sidhra lançaria apenas este clássico underground, os irmãos Fichter continuariam seu universo psicodélico com sua sequência de música eletrônica progressiva, Dreamworld, que lançaria mais dois álbuns nos anos 80.
Yatha Sidhra - A Meditation Mass (1973)
Lista de faixas:
1. A Meditation Mass 1 17.45 2. A Meditation Mass 2 3.13 3. A Meditation Mass 3 12.00 4. A Meditation Mass 4 7.16
O único álbum do Extradition é uma música folk altamente valiosa e, muitas vezes, fascinante, que se mistura ao folk-rock e à psicodelia, mesmo sem guitarras elétricas nem bateria de rock convencional. Embora as músicas, inteiramente originais, sejam, em sua essência, muito parecidas com a música folk britânica, com suas melodias assombrosas e tom lírico sombrio, elas devem muito menos ao folk britânico tradicional do que boa parte do folk-rock britânico, atraindo influências do "acid folk" (embora esse rótulo não existisse na época), da música clássica e até mesmo da vanguarda. Com harmonias refinadas e os vocais puros e agudos de Shayna Karlin (talvez o elemento folk mais convencional aqui), o grupo criou algo individual com uma fragilidade sinistra, realçada pelo uso discreto de tantos instrumentos além do violão acústico — flauta, órgão, dulcimer, cravo, harmônio e todo tipo de dispositivo percussivo exótico. Embora alguns possam considerá-lo precioso demais em alguns momentos, ele merece uma audição mais ampla, já que seu apelo não se limita estritamente aos colecionadores especialistas e ávidos do gênero acid folk.
Gênero: Psicodélico, Progressivo
Foi em 1971 que o álbum folk australiano mais raro e provavelmente mais maravilhoso de todos os tempos foi lançado. O trio EXTRADITION gravou esta obra-prima, Hush, e a lançou pelo selo Sweet Peach (o mesmo do nosso Phil Sawyer, "Childhoods End"). É um álbum aclamado por colecionadores e fãs de folk, psicodelia e progressivo do mundo todo, embora seja basicamente música folk ácida. É tão frágil, tão rico, tão lindamente executado. Há uma lista extensa e impressionante de instrumentos usados aqui, como piano, harmônio, cravo, flauta de bambu, dulcimer, triângulo, glockenspiel, violão, violino, tablas, etc., e os belos vocais femininos completam todo o repertório.
Lista de faixas
1 A Water Song 2 A Love Song 3 Original Whim 4 Minuet 5 A Moonsong 6 Dear One 7 A Woman Song 8 I Feel The Sun 9 Ice 10 Song For Sunrise
Bonus Tracks - Live March 1970:
11 Honeychild 12 In The Evening 13 Ballad Of Reading Gaol 14 Hold On To Me, Babe 15 Seeds Of Time 16 Ice