Os Garbage são, indubitavelmente, um produto dos anos 90. Surgiram quando a primeira vaga do grunge já tinha feito o seu trabalho, abrindo caminho para o mainstream aos sons mais rockeiros que acabaram por marcar a década.
Quando se estrearam, em 1995, os Garbage tornaram-se imediatamente um sucesso e uma marca reconhecida. O seu rock certeiro, produzido até à medula (três quartos da banda tinham já extensa carreira como produtores) e com um formato canção quase sempre certeiro, encontraram na vocalista Shirley Manson o rosto ideal para uma MTV que, nos tempos em que ainda passava música, era capaz de fazer estrelas do dia para a noite.
Muita água correu debaixo da ponte desde então, naturalmente. Ao álbum homónimo de estreia, casa de temas como “Stupid Girl” ou “Only Happy When it Rains”, sucedeu Version 2.o, outro sucesso planetário, puxado por singles como “I Think I’m Paranoid”. Depois, o mundo foi mudando, as modas também, e os Garbage não mais voltariam ao grande estrelato que haviam então conhecido. Lançaram mais três discos entretanto, o último dos quais, após sete anos de silêncio, foi Not Your Kind of People, de 2012.
Quatro anos depois, o regresso. Agora mais confiante, mais sério, com uma banda realmente madura em busca de reclamar o seu lugar.
Este Strange Little Things, de alguma forma, traz-nos os Garbage surpreendentemente coerentes com o som dos seus primeiros dois discos. Um pop-rock de guitarras e de percussão industrial, feito de canções com princípio, meio e fim, feito por gente do tempo em que, graças a deus, um refrão ainda era encarado como algo que pode salvar a nossa vida.
As letras continuam a oscilar entre o medo e a desilusão amorosa – tema recorrente de Manson – e a estranheza da vida moderna, do lugar do humano entre a corrida maquinal dos dias de hoje. O disco é, diga-se, Garbage em modo vintage. Está lá tudo. A batida maquinal, as guitarras cortantes, a produção exemplar, os temas pop sempre com alguma ansiedade lá injectada, alguns temas mais lentos que são tão bonitos como inquietantes. A diferença face aos dois discos iniciais está, talvez, na ausência de malhas pop demolidoras, embora tenhamos potencial de singles em “Empty” ou “We Never Tell”.
Tirando isso, talvez o maior defeito de Strange Little Things seja a sua maior qualidade. É um disco com o carácter da banda claramente marcado, o seu som característico que nos atira para os anos 90. Será que é isso que queremos hoje ouvir? Difícil dizer. Mas é um disco que cairá às mil maravilhas aos fãs de antigamente que queiram reviver o seu amor pela banda.
Eric Clapton ao vivo em 1975, e a Grand Funk Railroad (acima), caught in the act em 1975
O ano de 1975 foi pródigo em bons discos, como a recente recuperação dos melhores do ano da Consultoria demonstrou. Quando se trata de discos ao vivo, os lançamentos não ficam muito atrás, como a lista de escolhidos irá provar. Fazê-la, entretanto, rendeu um problema: dois dos melhores discos ao vivo do ano já foram resenhados nos Templos do Rock, mas seria uma injustiça não os mencionar. Além disso, o Deep Purple tem diversas gravações ao vivo feitas em 1975, algumas com Ritchie Blackmore, outras com Tommy Bolin; escolher uma seria desprezar as outras, por isso optei por não as considerar na lista.
1975 é marcado por alguns eventos interessantes: Bob Dylan concebeu sua Rolling Thunder Revue como uma “caravana” itinerante de músicos que se reuniam e se apresentavam sem nenhuma divulgação prévia, incluindo Roger McGuinn e Joan Baez; o Led Zeppelin quebrava seus próprios recordes em turnê que atingiria seu apogeu na apoteótica sequência de shows na Earl’s Court Arena de Londres; Rolling Stones anunciaram sua Tour of Americas, que acabou se restringindo aos EUA e Canadá, pois, com a proibição dos shows no Brasil, ir à Venezuela se tornou antieconômico (e os anunciados shows no México também foram cancelados); Pink Floyd apresentava Dark Side of the Moon e Wish You Were Here na íntegra em shows com bela produção de palco; a turnê americana de Elton John ajudou a sedimentar seu nome como um dos principais rockstars da época; The Who fazia um show no Pontiac Silverdome para 78.000 pessoas – recorde de público na época; Alice Cooper introduzia cenários e coreografia fortemente elaborados na teatralizada Welcome to my Nightmare Tour; Paul McCartney fez seus primeiros shows nos EUA desde 1966; o Genesis fez sua última turnê com Peter Gabriel; e Bruce Springsteen se tornava uma estrela com sua Born to Run Tour.
No entanto, várias dessas turnês não têm registros ao vivo oficiais até hoje, ou então apenas trechos de shows foram disponibilizados. Assim, minha lista acaba não tendo Zeppelin, Floyd ou Who – e deixa os Stones para outra ocasião. Antes de passar para ela, é preciso ter algumas coisinhas em mente:
a) Alguns dos álbuns escolhidos não foram lançados na época, mas anos depois, caso do Lynyrd Skynyrd, do Trapeze e do Earth Wind & Fire;
b) Pelo menos um dos escolhidos contém gravações feitas bastante tempo antes – Lou Reed Live. Lou preparara um álbum duplo quando fizera seu Rock’n’Roll Animal, mas a gravadora vetou e na época;
c) As escolhas se deram meramente por gosto pessoal e nada mais. Selecionei dez álbuns ao vivo que considero bastante interessantes, mesmo que alguns deles às vezes não sejam muito valorizados. Como sempre adoto, o critério para a escolha é simplesmente o meu gosto pessoal. E fica a sugestão: se você que lê este artigo conhecer um bom disco ao vivo gravado em 1975, coloca lá nos comentários para que eu saiba do que foi que me esqueci!
O quarto álbum – e primeiro ao vivo – do Blue Öyster Cult pode ser visto, em retrospecto, como o fechamento de uma fase da carreira do grupo; o hard/heavy misterioso dos três primeiros álbuns (a trilogia em branco-e-preto) daria lugar a um som um pouco mais comercial, mas ainda embasado em letras diferenciadas, que aparece em “Spectres” e “Agents of Fortune”. Gravado em abril e outubro de 1974, em sete locais diferentes nos EUA e Canadá, o álbum começa meio devagar com “The Subhuman” (gosto da música, mas tinha coisa melhor para abrir o show, como “Dominance and Submission”, por exemplo), mas ganha peso e energia com “Harvester of Eyes”, “Hot Rails to Hell” (a melhor versão do clássico) e uma frenética “The Red and the Black”. Outros destaques incluem as ótimas versões para “Cities on Flame” e “ME 262”, mas não é exagero dizer que o álbum é uniformemente bom. Incluindo material dos três primeiros discos, a instrumental “Buck’s Boogie” (em uma versão editada, pois os solos foram cortados), à época inédita nos discos anteriores, mais covers para “Born to be Wild” e “I Ain’t Got You” (com letra modificada e rebatizada como “Maserati GT” – que incorpora um trecho de “Buck’s Boogie”), On Your Feet or On Your Knees é um ótimo registro do poderio do BÖC no palco em seu começo de carreira, com destaque para os ótimos solos de Buck Dharma na guitarra, embora o excelente Allen Lanier se mostre igualmente habilidoso na guitarra e nos teclados; os vocais estão tão bem gravados que me deixam com dúvida se não foram mexidos em estúdio. O álbum original compensava a capa esquisita com um encarte de quatro páginas com fotos dos shows.
A banda de Maurice White estava no topo da forma, mas ainda não tinha atingido o auge do sucesso. Gravado em diferentes arenas nos EUA em 1975, o álbum traz Maurice White (vocais, percussão e kalimba), Philip Bailey (vocais e percussão), Verdine White (baixo e vocais), Larry Dunn (teclados), Johnny Graham (guitarra) e Al McKay (guitarra e vocais), Fred White e Ralph Johnson (bateria e percussão) e a seção de metais com Don Myrick, Michael Harris, Louis Satterfield e Andrew Woolfolk. O EWF lançou seu primeiro álbum ao vivo, o duplo “Gratitude”, em 1975, mas este lançamento mais recente traz repertório diferente em outros shows. Os vocais se harmonizam perfeitamente, os guitarristas mantêm o funk rolando e se alternam em solos, Verdine White é um monstro no baixo, e os metais dão um colorido especial às músicas. Após uma introdução pré-gravada, “Shining Star”, “Happy Feelin’”, “Yearnin’ Learnin’” e “Sun Goddess” botam todo mundo para dançar, tornando o “Interlude” após a quarta música uma pausa bem necessária. “Evil” retoma a festa, que prossegue com “Kalimba Story”, a baladinha “Reasons” (com o insuperável falsete de Bailey) e “Mighty Mighty”, até o final com “That’s the Way of the World”. Há quem me olhe esquisito quando digo que gosto de funk, e sou obrigado a explicar que o funk que aprecio não tem nada a ver com aquela bobajada semipornográfica que circula por aí, e sim coisas como o Earth Wind & Fire, uma banda formada por gente absurdamente talentosa que sabia fazer música para a cabeça e para os pés.
Depois de dois discos de estúdio em que Clapton manteve sua guitarra em versão diet, a gravadora decidiu que deveria lançar um ao vivo que provasse que ele ainda era um guitar hero. O problema é que o Slowhand, ainda se recuperando do vício em heroína, não estava muito seguro da sua relevância nem de suas habilidades, e por causa disso o guitarrista George Terry acaba ganhando um destaque incomum. O repertório do álbum, fortemente calcado no blues, inclui apenas seis músicas, “Have You Ever Loved a Woman”, “Presence of the Lord”, “Drifting Blues” (cuja versão original no LP era cerca de 1/3 da completa, disponibilizada apenas nos CDs – acho que foi cortada porque Clapton a interpreta em medley com “Rambling on My Mind”), “Can’t Find My Way Home”, “Rambling on My Mind” e “Further On Up the Road” – ou seja, traz os cavalos de batalha do repertório de Clapton misturado com músicas menos comuns. Já na abertura percebe-se que Terry ocupa mais espaço que Eric, tornando esta versão de “Have You Ever…” diferente de outras presentes nos álbuns do guitarrista. As vocalistas Yvonne Elliman e Marcy Levy ganham destaque em “Can’t Find My Way Home” (em bela versão) e em “Presence of the Lord”, aqui tornada excessivamente lenta, quase arrastada, salva pelo trecho nstrumental em que mais uma vez Terry se destaca mais que o chefe. Após “Rambling on My Mind”, mais uma vez um pouco arrastada, “Further On Up the Road” encerra o disco de maneira bem animada. Material adicional dos shows compilados para este álbum (no Hammersmith Odeon, Nassau Civic Center e Long Beach Arena) seria incluído na box set “Crossroads 2 Live in the Seventies” e em “Give Me Strenght: The ‘74/’75 Recordings”, que no final das contas se tornam opções bem mais interessantes para um fã de Clapton. De todo modo, E. C. Was Here chegou a uma respeitável 20ª posição nos EUA e ainda é válido como registro dos shows do guitarrista na metade dos anos 70.
O segundo duplo ao vivo do Grand Funk Railroad foi lançado em 1975 e, de acordo com a parte interna da capa, gravado no mesmo ano – mas não há menção a datas e locais. A banda se apresenta na sua configuração de quarteto que inclui Craig Frost nos teclados e backing vocals junto a Mark, Don & Mel, e conta com o acréscimo das Funkettes (Jane Giglio e Lorraine Feather) engrossando os backing vocals. A banda tivera um ritmo frenético no começo dos anos 70, com nove álbuns de estúdio, um ao vivo e uma coletânea oficial lançados entre 1969 e 1974, e Caught in the Act deu à banda a chance de respirar um pouco. Ainda que haja alguma sobreposição entre este álbum e o anterior (Live Album, de 1970), pois “Heartbreaker”, “Inside Looking Out” e “T.N.U.C.” aparecem nos dois discos, isso não chega a ser problema pois em cinco anos a banda evoluíra bastante e incorporara o tecladista Frost. É interessante observar que o repertório inclui pelo menos uma música de cada disco de estúdio da banda, e os maiores sucessos do grupo são apresentados em versões cheias de energia, às quais o público responde à altura, vibrando e gritando. Em Caught in the Act, as versões de “Rock’n’Roll Soul”, “Closer to Home” (em versão mais curta do que a original – o que é uma vantagem), a funky “Shinin’ On” (com belo vocal de Don Brewer), a cover para a jurássica “The Loco-Motion”, “We’re An American Band” (com uma bizarra introdução pré-gravada) e “Inside Looking Out” (superior à registrada em Live Album) são destaques num álbum praticamente perfeito. O vinil duplo original foi espremido num único CD em 2003, na edição que se tornou “canônica”, por meio do corte da “Introduction”, que abria o lado A do primeiro LP, e da diminuição dos aplausos e do papo com a plateia entre as músicas; em compensação, tanto “T.N.U.C.” (com solo de bateria desnecessariamente longo) quanto “Gimme Shelter” ganharam alguns segundos a mais. Se alguém tiver curiosidade, a introdução cortada do CD foi parar como hidden track após “Some Kind of Wonderful”, em All the Girls in the World Beware!. Mas acho que um fanático pelo Grand Funk precisa ter tanto o LP quanto o CD!
Em 1973-74, Robert Fripp fez muitas gravações ao vivo do Crimson, algumas das quais (sem o ruído da plateia) fizeram parte de Starless & Bible Black e Red. Outras formaram o segundo ao vivo oficial do grupo, lançado em 1975 e trazendo a formação com Fripp (guitarra e mellotron), John Wetton (baixo e vocal), David Cross (violino e mellotron) e Bill Bruford (bateria e percussão). Gravado quase inteiramente num show no Asbury Park de New Jersey em 28 de junho de 1974, o álbum inclui alguns overdubs de violino e piano elétrico feitos por Eddie Jobson, pois David Cross tinha sido demitido do grupo pouco depois da gravação, e em alguns trechos o som ficara de má qualidade. O álbum se concentra em material mais recente do grupo, com apenas “21st. Century Schizoid Man” representando as primeiras encarnações do Rei Escarlate; uma das improvisações do show, “Asbury Park” (iniciada pela bateria de Bruford), também foi incluída (ainda que em versão editada). Três músicas provêm de “Larks Tongues in Aspic: “Easy Money” (também infelizmente editada), “Larks Tongues in Aspic Part 2” e “Exiles” (com desempenho fantástico de Wetton no vocal), todas em versões simplesmente fantásticas, com “Lament” sendo a única representante de Starless and Bible Black. A reedição em CD de 2002 trouxe mais duas músicas: “Fracture” (de Starless and Bible Black) e “Starless” (essa última em uma versão memorável) representando Red. Atualmente, o show completo está disponível na box set The Road to Red. USA matou um pouco a fome dos fãs quando foi lançado, mas hoje em dia não ranqueia muito alto entre as gravações da época lançadas por Fripp ao longo dos anos, disponíveis nas boxes Starless e The Road to Red. Pelo menos USA é fácil de obter por aí a um preço acessível.
Em alguns dias irei ampliar esta lista, com mais discos ao vivo fundamentais lançados e/ou registrados em 1975.
Hoje, trago mais cinco discos para conhecermos alguns dos excelentes lançamentos ao vivo de 1975, junto de três bônus que são bastante conhecidos do leitor.
LOU REED – Live
As sobras de Rock’n’Roll Animal, talvez não tão bom quanto o “irmão” mais velho, mas ainda assim tem-se aqui um ótimo álbum, lançado pela gravadora após o fiasco de Metal Machine Music – já que Rock’n’Roll Animal fora bem-sucedido, este Live foi uma tentativa de fazer Lou ser comercialmente viável novamente. É sabido que, em 1973, Reed preparara um duplo ao vivo, mas a RCA vetou o projeto; o resultado saiu em 1975 como Lou Reed Live. A versão de “Vicious”, com seu riff ainda mais inspirado em “Louie Louie”, traz os ótimos Dick Wagner e Steve Hunter fazendo misérias nas guitarras, e abre muito bem o álbum. A bela “Sattelite of Love” ganha um andamento um pouquinho mais acelerado, e mais uma vez as guitarras ganham destaque. Em “Walk on the Wild Side”, o baixo de Prakash John não chama tanto a atenção quanto o de Herbie Flowers no original, mas o trabalho de guitarras no fundo dá um charme especial a esta versão. “Waiting for the Man” também está mais acelerada do que o original, e esta pode ser considerada uma das melhores versões do clássico. “Oh Jim” traz, mais uma vez, solos de guitarra fantásticos, num longo interlúdio instrumental que faz com que Lou Reed acabe se tornando um coadjuvante no seu próprio disco. E “Sad Song” encerra este álbum que, com seu “irmão” mais velho, representa uma exceção no universo do velho Lou: foi uma das poucas vezes que ele se rendeu ao que era comercialmente mais viável na sua época – outra foi quando ele encheu de eletrônica Mistrial, mas aí o resultado não foi tão bom. Para finalizar, uma nota pessoal: um amigo meu detestava Lou Reed, e emprestei este e Rock’n”Roll Animal; quando ele me devolveu, teve que admitir que os discos eram bons, mas não deu o braço a torcer, pois disse que faltava um vocal decente…
LYNYRD SKYNYRD – Live at the Cardiff Capitol Theatre 1975
Este pequeno CD (cerca de 50 minutos) foi gravado na capital do país de Gales e faz parte de uma coleção de authorized bootlegs que inclui outra gravação ao vivo do Lynyrd Skynyrd posterior (1976). Aqui temos o Lynyrd em sua configuração de sexteto, com dois guitarristas (Ed King já tinha saído e Steve Gaines ainda não tinha entrado); é impressionante como isso não diminuiu o poder de fogo do LS, pois a banda está em plena forma e o show (gravado para uma transmissão de rádio) é excelente. O rock come solto sem descanso até o final com a obrigatória “Free Bird”, numa sequência incrível de clássicos do grupo, começando com uma “Double Trouble” meio curtinha e seguindo com “I Ain’t the One” em que Allen Collins brilha na slide guitar. “The Needle and the Spoon” e “Saturday Night Special” são interpretadas com a faca nos dentes, e a voz de Ronnie van Zant está simplesmente perfeita nessa altura do show – curiosamente, o backing vocal de Leon Wilkeson na segunda música desapareceu no primeiro refrão, e é um elemento que sempre apreciei em “Saturday…”; parece ter sido falha da gravação, ou então o baixista dos chapéus esquisitos se esqueceu de se aproximar do microfone. “Gimme Three Steps”, “Whiskey Rock-a-Roller” e “Call me the Breeze” mantêm a festa para o gran finale com “Sweet Home Alabama” (quem conhece bem a versão perfeita de One More for the Road sente falta das Honkettes no backing vocal, embora o refrão traga o acompanhamento vocal de Wilkeson e Artimus Pyle) e “Free Bird” – ou seja, a banda deixou os hits para o final. Na configuração com duas guitarras, Billy Powell tinha um pouco mais de espaço, e ele o usa com o brilhantismo de sempre. E o final de “Free Bird” continua trazendo lágrimas aos olhos, mesmo que seja apenas Allen Collins soltando todos os bichos do zoológico em cima da base de Gary Rossington, e Collins está soberbo como em todas as versões que já tive a oportunidade de ouvir dessa música. Esse álbum não substitui o indispensável One More for the Road, mas se você é fã do Lynyrd Skynyrd, vai querer tê-lo para comparar como a banda soava com um guitarrista a menos. E se não for, recomendo dar outra chance ao grupo.
Buchanan foi uma vez rotulado como o melhor guitarrista desconhecido do mundo, e este álbum ao vivo é uma prova de que o título era merecido. O homem tocava demais, não há como contestar, mas também fez de tudo para destruir sua carreira até morrer numa delegacia após ter sido preso por bebedeira. Neste seu primeiro disco ao vivo oficial, ele é acompanhado por Billy Pryce (vocal), Byrd Foster (bateria), John Harrison (baixo) e Malcolm Lukens (teclados). Após o clássico do rock’n’roll “Reelin’ and Rockin’”, “Hot ‘Cha” mostra ao mundo as razões para John Lennon ter desejado formar uma banda com Roy, Jeff Beck ser seu fã e os Stones o terem convidado para o lugar de Brian Jones. Na sequência, “Further On Up the Road” traz Buchanan fazendo um de seus solos baseados em palhetadas secas que eram sua marca registrada, e prepara para o grande momento do disco, “Roy’s Bluz”, em que ele canta com sua voz baixa e suave, e mostra todo seu talento num blues rasgado, lento, que serve de veículo para solos impressionantes. “I’m Evil” é outro blues com Roy no vocal principal (suas únicas composições no álbum são blues), e mais uma vez o cara prova que se, sua voz não era essas coisas, suas mãos faziam mágica numa guitarra. A balada soul “Can I Change my Mind” traz a Telecaster de Roy soando funky, como se ele quisesse atestar sua versatilidade numa música que, à parte o longo solo de teclado, não faria feio num álbum como It’s Only Rock’n’Roll dos Rolling Stones). “I’m a Ram” também é mais funkeada, com Roy usando brevemente um pedal wah wah (ele normalmente plugava a guitarra direto no amplificador). Um disco essencial para quem gosta de uma boa guitarra blueseira.
TRAPEZE – Live at Boat Club 1975
O Trapeze em 1975 não tinha Glenn Hughes, mas nem por isso era desinteressante. O grupo mantinha os fundadores Mel Galley (“promovido” a vocalista principal, além da guitarra) e Dave Holland (bateria), mais Rob Kendrick (guitarra), Pete Wright (baixo) e, como convidado, Terry Rowley (que participara do primeiro disco do grupo e saíra logo depois) num sintetizador discreto em poucas músicas. A qualidade de gravação é meio fraca, mas o show é bom e Galley canta muito bem as músicas que Hughes imortalizara, além de apresentar material da nova configuração da banda. No repertório, três músicas de Medusa (a faixa-título, “Jury” e “Black Cloud”, todas em versões mais longas que as originais), duas de You Are the Music – We’re Just the Band (“You Are the Music” e “Jury”), “Back Street Love” de Hot Wire (de 1974, primeiro disco sem Glenn Hughes) e três de Trapeze (1975 – “Star Breaker”, a bizarra cover para “Sunny Side of the Street” e “The Raid”) em cerca de 69 minutos. As novas músicas são boas (em especial a hard rocker “Back Street Love”, que abre o show) e trazem um Trapeze mais rocker e menos funky, mas o principal destaque acaba sendo realmente o material gravado originalmente com Hughes, e quero mencionar especialmente a enorme (mais de 15 minutos) versão de “Black Cloud”, que começa com os dois guitarristas trocando riffs sobre uma base mais acelerada de Dave Holland, até entrar na música propriamente dita, e tem um longo interlúdio em que Galley e Kendrick se desafiam mutuamente. Só não é a melhor versão do clássico porque Mel não canta tão bem quanto Glenn, e o eco que colocam em seu vocal me desagrada um pouco. “The Raid” encerra o disco com a mesma vibe que o inicia, com seu riff que lembra um pouco o de “You Really Got Me” do The Kinks e Mel gritando “I wanna take you higher” como Sly Stone. O álbum traz no encarte uma pequena história do grupo e uma memória de Mel Galley, além de várias fotos em preto e branco.
UTOPIA – Another Live
O combo prog-pop de Todd Rundgren lançou seu segundo disco em 1975, usando gravações feitas em dois shows em agosto daquele ano. A banda tinha se modificado um pouco em relação ao primeiro LP (que mesclava material ao vivo e de estúdio), incorporando Roger Powell (sintetizador, trompete, vocal) e John “Willie” Wilcox (bateria, vocal), que, junto com Kasim Sulton e o próprio Rundgren, formariam a banda pelos anos seguintes. Neste álbum, além de Rundgren, Powell e Wilcox, tem-se Ralph Schuckett (teclados, acordeão, vocais), Mark “Moogy” Klingman (teclados, sintetizador, vocal) e John Siegler (baixo, vocal). O lado A é formado por músicas inéditas e abre com “Another Life”, que estabeleceria o padrão do disco: bom trabalho de vocais, camadas de teclados e a guitarra de Rundgren escapulindo de vez em quando e ganhando o merecido destaque. A pop “The Wheel” faz o público bater palmas enquanto Rundgren solta a voz. “The Seven Rays” dá mais destaque à guitarra, mas o solo de sintetizador (de Roger Powell?) também é muito interessante. Virando o disco, “Intro/Mr. Triscuits” apresenta as credenciais progressivas do grupo numa bela instrumental. “Something’s Coming” não voa tão alto quanto a versão do Yes, mas continua uma bela música no arranjo do Utopia, enquanto “Heavy Metal Kids” é uma regravação da carreira solo de Todd; impressionante como lembra Queen! “Do Ya” é a mesma do The Move/Electric Light Orchestra, e a versão da turma de Rundgren é bem fiel à original – o que é bom, pois a música é ótima. “Just One Victory” encerra o álbum em alto astral. Confesso que prefiro o Utopia mais pop dos anos 80 ao dos primeiros discos, mas Another Live é uma boa demonstração do que a banda podia fazer num palco. Todd Rundgren, na minha opinião, é um músico genial que em muitos momentos prefere se esquecer disso e faz uns discos que ninguém, nem o fã mais ardoroso, consegue defender. Felizmente Another Live não está nessa lista.
Bonus tracks Como bônus, sugiro dois álbuns ao vivo que já foram resenhados anteriormente (Kiss e Alex Harvey), por isso serão mencionados rapidamente e um dos discos mais importantes da história no seu gênero, o famoso Live de Bob Marley – não gosto de reggae, mas respeito bastante Marley e considero esse disco essencial para quem quer conhecer o ritmo jamaicano no seu melhor.
KISS – Alive! O Kiss precisava de um sucesso em 1975, e optou por um duplo ao vivo. Deu certo, pois Alive! bateu as vendas dos álbuns anteriores. É verdade que é um ao vivo pero no mucho, pois as “mexidas” em estúdio foram muitas (mesmo a foto da capa foi tirada em estúdio), algo que a banda e o produtor Eddie Kramer reconhecem, mas o que importa é que as novas versões das músicas são superiores às de estúdio e o clima de “ao vivo” é contagiante. O primeiro disco é praticamente impecável (só “Firehouse” e “She” não fariam parte de um setlist que eu gostaria de ver ao vivo), o segundo é prejudicado pelo desnecessariamente longo solo de Peter Criss (e a enrolação de Paul Stanley) em “100.000 Years” (mesmo os fãs mais ardorosos do Kiss admitem que o Catman não é grandes coisas como baterista), mas tem bastante coisa boa no meio, destacando-se “Rock Bottom”, “Black Diamond” e a dobradinha de encerramento com “Rock’n’Roll All Nite” e “Let Me Go Rock’n’Roll”). Pessoalmente, acho o Kiss uma banda um tanto superestimada, mas Alive! é um dos melhores ao vivo da história, e ponto final.
THE SENSATIONAL ALEX HARVEY BAND – Live Este Live só não é melhor porque não é duplo. O doidão Alex Harvey e sua sensacional banda faziam um dos melhores shows de rock da Inglaterra na metade dos anos 70, e este álbum gravado no Hammersmith mostra várias facetas do grupo em suas seis músicas (mais a “fanfarra” introdutória). “The Faith Healer” e “Tomahawk Kid” mostram que a banda não tinha vindo para brincar, com Zal Cleminson, Chris Glen e os irmãos Ted e Hugh McKenna dando o melhor de si para Harvey brilhar. A longa “Vambo” dá ao guitarrista Cleminson espaço para brilhar e, verdade seja dita, o sujeito é fera. O grande destaque para mim é “Framed”, que corporifica o que a SAHB tinha de melhor; o clássico meio bluesy de Leiber e Stoller nunca soou melhor do que na longa versão da turma de Alex. E, claro, não dá para deixar de destacar a versão canalha de “Delilah”, em que Alex e sua turma deitam e rolam em cima de uma música celebrizada por Tom Jones – dá para imaginar alguém com uma voz como a de Alex Harvey cantando uma música feita para um cantor com registro de barítono? A SAHB durou relativamente pouco tempo e Alex Harvey morreu em 1982 quando tentava trazer a banda de volta, mas sobrou este ótimo Live (e mais um punhado de discos finíssimos!) para quem procura rock para se divertir.
BOB MARLEY & THE WAILERS – Live! Falando francamente, não gosto de reggae, mas não considerar este disco na lista de 1975 seria um erro sério, pois é um dos grandes responsáveis por popularizar o ritmo jamaicano no mundo. Com sua banda de ases (os irmãos Barret, o ótimo guitarrista Al Anderson, entre outros), Bob leva o público londrino do Lyceum Theatre de Londres à loucura com algumas de suas músicas mais conhecidas até então, como “Trenchtown Rock”, “No Woman No Cry” (primeiro hit internacional de Marley), “I Shot the Sheriff” e “Get Up Stand Up”, formando uma das melhores introduções possíveis ao trabalho do mestre do reggae. É verdade que as músicas foram extraídas de apenas dois discos de estúdio, mas o fato é que as versões ao vivo superam as originais: Marley sabia como conduzir o público e tinha uma banda de apoio que conseguia brilhar mesmo com arranjos enxutos e pouco espaço para improvisos. A versão original trazia apenas sete músicas, acrescidas de “Kinky Reggae” na remaster de 2001; em 2016 uma edição deluxe (3 CDs) trouxe os dois shows completos gravados para o álbum.
O mundo da música já é praticamente infinito, mesmo que a pessoa tenha interesse em apenas um estilo dentre os diversos existentes. É impossível conhecer tudo o que existe nesse mundão aí, imagina então as bandas que nem existem. No universo do cinema e televisão algumas histórias fictícias envolvendo o mundo da música já surgiram diversas vezes. Porém, alguns produtores resolveram não só escrever histórias, mas também as músicas que fazem parte daquele universo criado por eles. Assim apresento aqui cinco discos para se conhecer algumas bandas fictícias que de alguma forma tiveram músicas lançadas sob seu nome. O mais interessante é que algumas delas saíram das telas da TV ou do cinema e se tornaram bandas reais que chegaram até mesmo a se apresentarem ao vivo. Esse texto já estava programado há algum tempo e acabou sendo publicado em meio à polêmica do Velvet Sundown, que é uma banda criada por inteligência artificial. Esse artifício está sendo muito utilizado pelas plataformas de streaming para tentar emplacar músicas feitas por IA para evitar a necessidade de pagamento das bandas reais. É um assunto polêmico que não será abordado nesse texto.
Se é para começar, vamos começar do início. Os Monkees foram os pioneiros das bandas fictícias. A banda foi criada para a série de TV de mesmo nome e seus integrantes foram selecionados entre centenas de jovens atores. Em um primeiro momento a única coisa que faziam era cantar, mas a partir do terceiro disco, Headquarters, começaram a criar suas próprias músicas e a tocar os instrumentos. A partir daí se tornaram uma banda de verdade. Os dois primeiros discos valem a audição pois possuem músicas cativantes e refrãos marcantes na linha do que os Beatles estavam fazendo nos seus primeiros álbuns. Ouça “I’m A Believer”, seu maior sucesso, do segundo álbum More of The Monkees. O estilo no terceiro disco não mudou muito o estilo, mas tem a vantagem de ter seus componentes realmente tocando e cantando e no todo é um disco melhor que os dois primeiros.
O filme Quase Famosos, ou Almost Famous, de Cameron Crowe, é um clássico dos filmes musicais. Apresenta uma história baseada em um escritor iniciante que trabalhava para a revista Rolling Stone no ínicio dos anos 70 que tem a missão de acompanhar uma banda grande da época e conseguir uma matéria. Vivendo com a banda ele descobriu que a vida na estrada e nos bastidores do rock and roll não é tão glamourosa quanto parece. O Sitllwater é a banda ficítica, muito baseada no Led Zepellin, mas que é uma amálgama de várias outras também. Esse é o EP que veio com o DVD da versão do diretor para o filme. A trilha sonora original traz apenas uma das músicas, “Fever Dog”, mas o EP vem com mais cinco faixas que foram escritas comente para a banda. Músicos como Peter Frampton e Nancy Wilson, do Heart e então esposa de Cameron Crowe, participam das composições que misturam os estilos de Led Zeppelin, Alman Brothers e Humble Pie.
Outro clássico quando se fala de filmes musicais. Primeiramente a banda foi apresentada dentro de um programa de humor em 1979. Era um especial da TV e a “banda” participou de um esquete. Alguns anos depois decidiram fazer um filme em forma de documentário acompanhando o dia a dia da banda como se eles fossem um grupo famoso com anos e anos de estrada que passava por um momento turbulento de sua carreira. Esse estilo de filme chama-se “mockumentary”, que significa um documentário satírico. Eles brincam com a cena do heavy metal e hard rock do início dos anos 80 com tom debochado, parodiando todos os exageros do mundo do rock nos anos 70 e 80. A cena em que brincam com a produção de palco com o uso de uma representação de Stonehenge é ilária. Também brincam com as contantes trocas de músicos que as bandas passam normalmente – o baterista é substituído praticamente todos os dias. Apesar da origem cômica, os atores tocaram de verdade e a banda fez turnês no mundo real. As músicas são feitas com temas engraçados, mas são tocadas como se fossem hinos. Ouçam “Big Bottom” e a faixa que se tornou número 5 no Japão. “The Farm”. Não deixem de ver o filme também.
A história por trás do que aconteceu com Tim Owens quando substituiu Rob Halford no Judas Priest foi a inspiração e foi adaptada para o enredo de Rock Star. Conta como que um vocalista já sem clima dentro de sua banda, muito por conta da sua homossexualidade recém-descoberta, foi substituído por um fã do grupo. Na trilha sonora diversas bandas consagradas como Motley Crue, Bon Jovi, Kiss e Ted Nugent, mas o que conta e faz valer a pena é mesmo as músicas compostas para serem os sucessos do próprio Steel Dragon. São seis faixas compostas e gravadas por Zakk Wylde, Jason Bonham, Jeff Pilson (Dokken), Jeff Scott Soto, entre outros. Músicas muito na linha do que Whitesnake, Dio e Ozzy Osbourne faziam ali no meio dos anos 80, mas claro que o próprio Judas Priest também foi uma grande influência. Os inconfundíveis harmônicos de Zakk Wylde não poderiam faltar.
Daisy Jones & The Six – Aurora (2023)
O responsável por eu ter elaborado essa lista. Vi a série recentemente e achei ótima. E aqui o pacote é completo. A série é baseada em um livro escrito por Taylor Jenkins Reid em 2019. Então temos um combo completo: livro, série e disco. O enredo se baseia em uma banda com dificuldades de se estabelecer que consegue um sucesso depois de uma parceria com outra compositora. No geral a história se inspira no sucesso, conflitos e dramas do Fletwood Mac da época do álbum Rumours. As músicas também têm muita influência dessa banda e foram compostas e gravadas pelo próprio elenco. Músicas como “The River” e “Look At Us Now” são ótimas e funcionam demais mesmo fora da série. Incrível a química entre Riley Keough e Sam Claflin tanto na atuação quanto no dueto vocal. A série e as músicas cresceram demais coma presença desses dois. Riley vem de uma família do ramo. Ela é filha de Lisa Marie Presley, portanto neta de Elvis Presley.
A New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM) produziu centenas de bandas com variados graus de importância e reconhecimento. A meu ver, quatro delas extrapolaram os limites do movimento, tornaram-se amplamente conhecidas e são consideradas influências para muitos que vieram depois: Iron Maiden, Saxon, Def Leppard e Venom.
Além dessas, há um grande número de outros nomes que sempre são citados como referência por terem produzido álbuns de alta qualidade — entre eles, o Praying Mantis.
Eles quase foram reduzidos a uma banda de um álbum só, lançado durante o período de ouro da NWOBHM. Time Tells No Lies (1981) é considerado um dos clássicos da época, embora, na minha opinião, não seja o melhor trabalho da banda (leia mais sobre o álbum aqui). Depois disso, ficaram anos batendo cabeça, sem conseguir dar continuidade à carreira. Chegaram até a mudar o nome da banda para Stratus, cuja formação incluía o baterista Clive Burr e o vocalista Bernie Shaw.
Essa, aliás, não foi a única ligação com o Iron Maiden. Anos depois, durante um show no Japão — evento que buscava resgatar a nostalgia da NWOBHM — convidaram Dennis Stratton e Paul Di’Anno para participações especiais. O show foi gravado e lançado sob o nome Live at Last. Em seguida, Dennis Stratton foi efetivado na banda, iniciando uma parceria que resultaria em diversos álbuns — e é essa fase que será tema deste texto.
Após sua saída do Iron Maiden em 1980 (após o álbum de estreia), Dennis Stratton tocou em diversos projetos, incluindo Lionheart e o projeto Gogmagog. Sua saída do Iron Maiden se deu muito pelo tipo de música que o guitarrista gostava e pela intenção de adicionar mais polimento às músicas, algo que ele já esboçava fazer no Iron Maiden. Isso desagradou a Steve Harris e sua saída foi questão de tempo.
Esse estilo mais melódico de Stratton casou perfeitamente com a sonoridade do Praying Mantis — mais próxima do AOR e do hard rock melódico. O primeiro álbum dessa nova fase foi Predator in Disguise (1991), que abusava das harmonias de guitarras e vocais bem trabalhados em uma mistura de hard rock melódico e heavy metal. A formação incluía Tino Troy (guitarra e piano), seu irmão Chris Troy (baixo e voz), Bruce Bisland (bateria) e Dennis Stratton na outra guitarra e, um detalhe importante, também era creditado como voz principal e isso vou detalhar um pouco mais na frente. Tino e Dennis também assinam a produção do disco.
Outro detalhe curioso é que o produtor executivo dessa nova empreitada foi o japonês Itoh Masanori — jornalista, DJ e entusiasta do rock, conhecido por participar de diversos documentários sobre o gênero ao longo dos anos.
A sequência veio com A Cry for the New World (1993), que manteve a linha melódica do álbum anterior e acrescentou climas mais épicos, lembrando bastante bandas como UFO e Thin Lizzy. O terceiro álbum com Stratton, To the Power of Ten (1995), é ligeiramente inferior aos anteriores, mas mantém a mesma proposta musical.
Quanto aos vocais, há certa confusão. Em Predator in Disguise, apenas Tino e Dennis são creditados. No disco seguinte, junta-se Colin Peel, e em To the Power of Ten, aparece também o nome de Gary Barden (ex-MSG). Se você ouvir os discos sem atenção aos créditos, pode ter a impressão de que é sempre o mesmo vocalista. Isso se deve ao uso intenso de harmonias vocais e à semelhança entre os timbres. Ou, talvez, à tentativa consciente de manter uma uniformidade sonora. Na minha análise, as faixas em que Dennis Stratton canta sozinho são, ao menos: “Can’t See the Angels” (Predator in Disguise), “Best Years” (A Cry for the New World) e “Turn the Tide” (To the Power of Ten).
Foi com Gary Barden nos vocais que gravaram um álbum ao vivo no Japão: Captured Alive in Tokyo City (1996). Mas outra conexão com o Iron Maiden ainda surgiria. Durante a turnê japonesa de 1995, o baterista Bruce Bisland sofreu um acidente de bicicleta e quebrou o braço. Para não cancelar os shows — já que a banda era bastante popular no Japão — Clive Burr foi chamado para substituí-lo. Ele é, portanto, o baterista nesse registro ao vivo. Seria o “Praying Maiden”?
Após isso, iniciou-se uma nova fase. Tony O’Hara foi convidado a se tornar vocalista principal e também trouxe suas habilidades como tecladista, o que agregou ainda mais à sonoridade da banda. O resultado foi Forever in Time (1998), considerado por muitos o melhor trabalho do grupo — e é difícil discordar. Dois anos depois, com essa formação consolidada, lançaram Nowhere to Hide, um bom álbum também, embora alguns fãs achem que a banda exagerou nos elementos AOR. Pessoalmente, não vejo problemas no álbum. Um detalhe importante é que a participação de Dennis Stratton começou a diminuir — tanto nas composições quanto nos vocais.
O encerramento dessa fase veio com um disco um tanto estranho. Dennis Stratton praticamente limitou-se às guitarras, já não contribuía nas composições, Tony O’Hara saiu e os vocais foram divididos entre John Sloman (Uriah Heep, Lone Star, Gary Moore Band), Dougie White e, pela primeira vez, Chris Troy assumindo os vocais principais em uma faixa.
Seguiu-se mais um hiato na carreira da banda, que só retornaria seis anos depois com os irmãos Troy e novos músicos. Desde então, lançaram cinco álbuns, sempre mantendo o selo de qualidade do Praying Mantis — mas essa já é outra história.
A fase com Dennis Stratton ajudou a consolidar o estilo do grupo inglês, contribuindo com sua abordagem melódica na guitarra e nas harmonias vocais — hoje uma das marcas da banda. Foi uma época de maturidade musical, marcada por um hard rock britânico mais clássico, distante do metal agressivo e mais próximo do AOR. Muitos fãs consideram essa a melhor formação da banda, mesmo que tenha atuado quase exclusivamente em nichos. Todos esses álbuns foram lançados praticamente apenas no Japão, com tiragens mínimas no Reino Unido. Dennis Stratton é sempre tratado como o ex-Iron Maiden, mas seria muito mais justo ele ser conhecido com o ex-Praying Mantis.
O Praying Mantis é uma banda que nunca recebeu o reconhecimento que merece. Espero que esta análise ajude, de alguma forma, a influenciar novos ouvintes.