quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

CRONICA - LOS GATOS | Los Gatos (1968)

 

A ascensão meteórica de “La Balsa” e do álbum de estreia homônimo catapultou a banda argentina Los Gatos para o centro das atenções no cenário nacional. Emissoras de televisão e rádio abraçaram o fenômeno. O grupo participou dos programas mais populares, concedeu inúmeras entrevistas e realizou diversos shows em Buenos Aires e outras grandes cidades do país. Os jovens os seguiam com fervor, as casas de shows lotavam e suas canções se tornaram hinos de uma geração.

No entanto, esse triunfo se desenrolou sob um regime repressivo que via a música rock como uma ameaça à ordem moral. Usar cabelo comprido ou minissaia podia levar à prisão ou expulsão de um local público. Nesse contexto de austeridade e censura, Los Gatos emergiu como símbolo de liberdade e modernidade, quase que involuntariamente.

Essa enorme exposição, aliada ao impacto sem precedentes do primeiro álbum, apresentou à banda um imperativo crucial: capitalizar essa onda de entusiasmo. Eles precisavam gravar rapidamente um segundo álbum para manter o ímpeto e consolidar seu status como pioneiros do rock italiano. Foi nesse contexto de intensa pressão criativa e midiática que o quinteto retornou ao estúdio menos de um ano após o sucesso inicial.

O resultado fala por si. Enquanto o primeiro LP parecia mais espontâneo, por vezes até um pouco cru, este segundo LP, frequentemente chamado de Vol. 2 nas lojas de discos na primavera de 1968, novamente pelo selo Vik, beneficia de uma produção mais refinada, maiores recursos e arranjos mais ambiciosos. O grupo ganhou em finesse, coesão e maturidade. A urgência dos seus primeiros tempos dá lugar a uma genuína exploração sonora. Litto Nebbia (vocal, guitarra, gaita), Kay Galifi (guitarra solo), Alfredo Toth (baixo), Ciro Fogliatta (órgão, piano) e Oscar Moro (bateria) agora querem explorar, experimentar e inventar.

Uma canção encapsula perfeitamente essa metamorfose: a experimental “Una Nube En Tu Vida”. Uma verdadeira joia do folk psicodélico, ao mesmo tempo desencantada e luminosa, a faixa flutua sem peso por quatro minutos. O órgão celestial e o violino outonal criam uma atmosfera cósmica, frágil, estranha, quase espectral. Uma melancolia suspensa, a léguas de distância das baladas adolescentes de seus primeiros trabalhos.

O restante do álbum é mais realista, mas igualmente cativante, rico em emoção, melodia e estética. O quinteto explora novas cores instrumentais. Um cravo cintilante ilumina a calorosa “Dónde Está Esa Promesa”, enquanto uma flauta andina, com um toque quase tribal, surge em “Déjame Buscar Felicidad”.

“Hoy Amaneció” e “La Mujer Sin Nombre” flertam com um ritmo e blues cintilante, demonstrando uma nova confiança. Ainda mais ousada, “El Niño y el Mar” aventura-se em efeitos estratosféricos, quase opressivos, enquanto a astral “Viento, Dile a la Lluvia” eleva-se com a grandiosidade de uma orquestra sinfónica. A etérea gaita ressurge em “La Canción del Hombre Feo”, recapturando a melancolia do primeiro álbum.

O grupo não esquece as suas raízes. “Los Payasos no Saben Reír” evoca tristemente a miséria e o sofrimento dos argentinos, “Dónde Está Esa Promesa” canta o desgosto e “De Nuevo en el Camino  transmite o desejo de fuga e de uma estrada aberta.

Longe de competir com John, Paul, George e Ringo, Los Gatos merecem, sem dúvida, o apelido de Beatles argentinos, tanto pela frescura melódica quanto pela capacidade de se conectar com toda uma geração. É um título que agora terão de defender.

Títulos:
1. El Niño Y El Mar
2. Hoy Amaneció
3. Los Payasos No Saben Reir
4. La Mujer Sin Numéro
5. Déjame Buscar Felicidad
6. Una Nube En Tu Vida
7. Viento, Dile A La Lluvia
8. Las Vacaciones
9. Dónde Está Esa Promesa
10. De Nuevo En El Camino
11. La Canción Del Hombre Feo
12. Un Dia De Fiesta

Músicos:
Litto Nebbia: Vocal, Guitarra Rítmica, Harmônica;
Kay Galifi: Guitarra Solo, Vocal de Apoio;
Ciro Fogliatta: Piano, Órgão, Vocal de Apoio;
Alfredo Toth: Baixo, Vocal de Apoio;
Oscar Moro: Bateria

Produção: Los Gatos, Fabián Ross




CRONICA - OS MUTANTES | Os Mutantes (1968)

 

Referência no rock psicodélico brasileiro, Os Mutantes viu sua reputação se estender para além do continente sul-americano.

1968 foi um ano crucial para o Brasil. O país vivia sob o regime da ditadura militar instaurada em 1964, que impunha censura, repressão política e rígido controle social. Nesse clima tenso, os jovens buscavam formas alternativas e criativas de expressão. A cultura popular tornou-se um campo de batalha de resistência: o cinema, a literatura e, sobretudo, a música ofereciam maneiras de contornar a censura e afirmar uma identidade nova, moderna e audaciosa.

Foi nesse contexto que surgiu o Tropicalismo, um movimento artístico e musical que fundiu a tradição brasileira, o samba, a bossa nova e o folclore local com influências do rock psicodélico internacional, do pop, do free jazz e da música de vanguarda. Entre as principais figuras, Os Mutantes se destaca por sua abordagem radical e experimental. O grupo não se limita a reproduzir modelos estrangeiros; ele os reinventa, misturando cores locais, ritmos brasileiros e uma fantasia sonora desenfreada.

O grupo foi formado em 1966 em São Paulo pelos irmãos Arnaldo Baptista (baixo, teclados, vocais) e Sérgio Dias (guitarras, vocais), com a participação da cantora Rita Lee. Após um primeiro single que passou despercebido, o trio adotou o nome Os Mutantes, uma referência ao romance de ficção científica O Império dos Mutantes, de Stefan Wul. O grupo participou do programa O Pequeno Mundo, de Ronnie Vononde sua notável performance lhes garantiu um lugar no elenco fixo. Eles também participaram da gravação do LP Ronnie Von nº 3 .

De transmissão em transmissão, Os Mutantes participaram de inúmeros festivais e algumas gravações com Gilberto Gil. Com a ajuda do baterista Dirceu Medeiros, o grupo assinou com a Polydor em 1968, que lançou seu álbum homônimo em junho, composto por 11 faixas cantadas em português, um verdadeiro manifesto psicodélico e o início de uma carreira que deixaria uma marca indelével no rock brasileiro.

Um início rápido e repleto de fanfarras com “Panis et Circencis”, uma composição de Gilberto Gil, mas acima de tudo, uma abertura alucinante em algum lugar entre os Beatles e o Mothers of Invention de Frank Zappa. Algo realmente impressionante! Sob essa melodia pop vibrante, a faixa se transforma em um campo experimental onde um instrumento de sopro vitoriano e colagens sonoras audaciosas se cruzam, criando um turbilhão sonoro absolutamente fascinante.

A Minha Menina” é um convite para um carnaval garageiro doo-wop, onde o fuzz e as influências folk se misturam numa explosão sonora no coração do Rio. A faixa exala energia, exuberância e uma alegria tipicamente brasileira, como se a psicodelia e o pop estivessem celebrando juntos nas ruas da cidade. Tropicalismo em sua melhor forma!

O canto angelical de Rita Lee em “O Relógio” nos embala em um sonho caleidoscópico, antes da música explodir, nos levando de volta ao carnaval do Rio.

A festa noturna continua com “Maria Fulô”, impulsionada por uma percussão de samba exuberante e um ritmo irresistível que te faz dançar até altas horas da noite. “Baby” é uma balada estranha e etérea, enquanto “Senhor F” é como um trem partindo para uma casa de shows vibrante. “Bat Macumba” estende o frenesi com uma faixa de bossa nova eletrizante, um turbilhão rítmico que literalmente nos lança em órbita. Vale ressaltar que Gilberto Gil toca percussão nesta faixa.

Felizmente, a versão de Françoise Hardy para "Le Premier Bonheur du Jour", cantada em francês, nos permite recuperar a compostura. A flauta suave e os coros quase religiosos trazem uma calma frágil, quase sagrada. Mas a acidez nunca está longe. Como uma doçura que pode desmoronar a qualquer momento. "Trem Fantasma" retoma sua jornada alucinógena antes de dar lugar a "Tempo no Tempo", sustentada por uma base de jazz de Nova Orleans e uma missa estranhamente eficaz.

Por fim, “Ave Gengis Khan” conclui essa jornada fantástica juntando-se ao Magical Mystery Tour no meio das favelas, em um turbilhão alucinante tão louco quanto inesperado.

Um clássico do rock psicodélico.

Títulos:
1. Panis Et Circensis 
2. A Minha Menina   
3. O Relógio  
4. Adeus Maria Fulô 
5. Baby          
6. Senhor F    
7. Bat Macumba        
8. A Primeira Felicidade do Dia       
9. Trem Fantasma     
10. Tempo No Tempo (Once Was A Time I Thought)       
11. Ave Genghis Khan

Músicos:
Rita Lee: Vocais
Sérgio Dias: Vocais, Guitarra
Arnaldo Baptista: Baixo, Vocais
+
Maestro: Bateria
Jorge Ben: Vocais, Violão
Dr. César Baptista: Vocais
Clarisse Leite: Piano
Cláudio Baptista efeitos eletrônicos
Gilberto Gil: Percussão

Produção: Manoel Barenbein




CRONICA - LOS VIDRIOS QUEBRADOS | Fictions (1967)

 

Em 1964, na Universidade Católica do Chile, em Santiago, Cristián Larraín (baixo, voz) e Juan Enrique Garcés (bateria) conheceram Héctor Sepúlveda (guitarra, gaita, flauta). Juntos, decidiram formar uma banda numa época em que o país atravessava um período de modernização e de significativa agitação social. Sob a presidência de Eduardo Frei Montalva, as reformas visavam modernizar o Chile, mas as desigualdades persistiam. Nas cidades, a juventude urbana descobria o rock britânico e americano, enquanto o cenário cultural se abria para as canções de protesto latino-americanas.

Em 1966, o trio foi reforçado por Juan Mateo O'Brien (vocal e guitarra). Notavelmente, cada músico construiu seu próprio instrumento e amplificador. Com o nome artístico de Los Vidrios Quebrados (“As Janelas Quebradas”), participaram com sucesso do primeiro Festival de Canções da UC, realizado no Teatro Nataniel, em Santiago. Essa apresentação impressionante resultou em um contrato de gravação com a gravadora EMI-Odeon, pela qual lançaram seu primeiro single.

No ano seguinte, Los Vidrios Quebrados gravaram seu único álbum, Fictions , em apenas três noites, com pouquíssimas faixas, para a UES Producciones.

O ano de 1967, marcado mundialmente pelo lançamento de álbuns como Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e The Piper at the Gates of Dawn, encontrou eco no Chile, onde alguns músicos apaixonados, muitas vezes estudantes e autodidatas, tentaram recriar essa energia psicodélica com recursos modestos.

Fictions situa-se precisamente nesse momento. Um momento em que o rock chileno buscava definir sua própria voz, mesmo que ainda expressa em inglês. Essa contradição, longe de ser uma rejeição, testemunha, ao contrário, uma curiosidade intelectual e um profundo desejo de abertura ao mundo. Uma sede de liberdade que anima toda uma geração de estudantes e músicos.

 Ao ouvir faixas como "En Tu Mirada", "La Primavera De Miss L. O'B", "Palabras Y Palabras Y…", "Las Dos Caras Del Amor" ou mesmo "Concierto En La Menor, Opus 3", com sua flauta bucólica, a influência dos Byrds é claramente sentida. São canções que misturam rock, folk, country e música quase sacra, conduzidas por harmonias vocais luminosas e instrumentação delicada.

Mas a banda de Roger McGuinn não é o único fantasma que assombra este álbum surreal. O amor também aparece. Entre guitarras bruxuleantes e harmonias sonhadoras, encontramos a urgência e a melancolia que tanto inspiraram Arthur Lee, particularmente em "Una Manera De Vivir", "Introducción A La Vida Narrada Por El Tío Juan", "Como Jesucristo Usó El Suyo" e… "Oscar Wilde".

Esta última faixa, que abre Fictions , revela a influência literária do escritor irlandês, figura do dandismo e da rejeição das convenções, que paira sobre o álbum como uma sombra poética. Os textos, frequentemente introspectivos, transmitem essa tensão entre o ideal e a desilusão, entre o impulso estético e a consciência de um mundo em constante transformação.

Outra presença espectral: a de Syd Barrett, que assombra a lunar "Se Oyen Los Pasos". Já em "Que Importa El Tiempo" e "Ficciones", sua aspereza e sonoridade precária evocam o 13th Floor Elevators, não pela agressividade, mas por essa textura crua, instável e confusa, que confere ao conjunto uma intensidade singular.

Fictions seria o único álbum de Los Vidrios Quebrados. Mas que disco! Gravado às pressas, com recursos escassos, consegue, no entanto, capturar a essência de uma época em que tudo parecia possível. Por trás de sua aparente fragilidade, reside uma obra de modernidade surpreendente, na encruzilhada do folk, da psicodelia e da reflexão poética.

Mais do que um simples testemunho, Fictions é um manifesto. É o manifesto de uma juventude chilena culta e curiosa, resolutamente voltada para o futuro. Este álbum único, luminoso e nada convencional marca o nascimento de um rock chileno autoconsciente, um rock de ideias tanto quanto de sons, de imaginação tanto quanto de instinto.

Após o lançamento de Fictions , o grupo se desfez, levado pelas vicissitudes da vida e pelas limitações da época. Mas seu legado permanece. O legado de quatro estudantes modernos que, durante a duração de um álbum, conseguiram transformar sonhos em uma realidade sonora, frágil e eterna.

Títulos:
1. Oscar Wilde          
2. Que Importa El Tiempo
3. En Tu Mirada
4. Una Manera De Vivir
5. La Primavera De Miss L. O'B.
6. Ficciones   
7. Concierto En La Menor, Opus 3
8. Introduccion A La Vida Narrada Por El Tío Juan
9. Palabras Y Palabras Y…
10. Las Dos Caras Del Amor
11. Se Oyen Los Pasos         
12. Como Jesucristo Uso El Suyo

Músicos:
Cristián Larrain: Baixo;
Juan Mateo O'Brien: Guitarra;
Juan Enrique Garcés: Bateria;
Hector Sepulveda: Vocais, Guitarra, Gaita, Kazoo, Flauta, Piano

Produção: Los Vidrios Quebrados




CRONICA - LAGHONIA | Glue (1971)

 

Entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70, a cena musical peruana estava em pleno esplendor e, entre os grupos e artistas do país que surgiram durante esse período, estava o LAGHONIA.

Originária de Lima, a banda LAGHONIA foi formada em meados da década de 1960 pelos irmãos Saul e Manuel Cornejo. O grupo aprimorou suas habilidades durante anos e foi em 1971 que realmente se destacou com o lançamento de seu primeiro álbum, intitulado  Glue .

Este primeiro passo discográfico do LAGHONIA está totalmente em sintonia com os tempos atuais. O grupo peruano se sente em casa nas águas do Rock Psicodélico e não hesita em nos mostrar isso através de "Neighbor", uma faixa enérgica, envolvente e cativante que alterna entre versos falados e um refrão cantado; a faixa de andamento médio "Billy Morsa", que possui seus encantos cativantes ao revelar uma nonchalance, um toque de melancolia com uma certa sensibilidade Pop, um ritmo tribal sincopado no meio que atesta as raízes latino-americanas do grupo; "Glue", uma composição bem arranjada, envolta em guitarras afiadas e vibrantes com um ritmo envolvente que sustenta tudo. As influências latino-americanas também estão claramente presentes em "Bahia", uma faixa que une THE DOORS e SANTANA, onde os vocais de apoio reforçam o refrão de forma eficaz e o solo de guitarra alucinógeno penetra insidiosamente na mente do ouvinte. Igualmente enraizada no início dos anos 70, "And I Saw Her Walking" é uma composição divertida cantada em coro e que apresenta um solo final aparentemente simples, mas incrivelmente eficaz. LAGHONIA também se aventura no território do Pop-Rock com "The Sand Man", uma faixa salpicada de toques psicodélicos, envolta em vocais melodiosos e etéreos, um solo de guitarra penetrante e estridente e algumas notas de piano que nem os próprios BEATLES teriam rejeitado. "Trouble Child" é uma composição despreocupada onde guitarras suaves assumem o protagonismo, permitindo que os guitarristas mostrem seus talentos. Já "My Love" é uma balada delicada com um toque de romantismo agridoce e melodias suaves e refinadas. Embora não seja irresistível, continua sendo aceitável, ainda que seu final um tanto repetitivo se estenda um pouco demais.

Como álbum de estreia,  Glue  se mostrou bastante convincente. E mesmo que os vocais em inglês não sejam perfeitos (Davey Levene tem um sotaque perceptível), o LAGHONIA surgiu em 1971 como uma espécie de resposta peruana ao JEFFERSON AIRPLANE e ao CREAM (sem, no entanto, alcançar o mesmo nível, já que a expectativa era muito alta), com aqueles pequenos toques latino-americanos que permitiram à banda se destacar. As composições são, em sua maioria, agradáveis ​​e fáceis de ouvir, e os músicos demonstraram um bom nível de habilidade, particularmente os guitarristas, que se entregaram a diversas improvisações muito interessantes.

Lista de faixas :
1. Neighbor
2. The Sand Man
3. Billy Morsa
4. Trouble Child
5. My Love
6. And I Saw Her Walking
7. Glue
8. Bahia

Formação :
Davey Levene (vocal, guitarra)
Saul Primera (vocal)
Saul Cornejo (guitarra)
Eddie Zarauz (baixo)
Manuel Cornejo (bateria, piano)
Alex Abad (percussão)
Carlos Salom (órgão Hammond, vibrafone)

Etiqueta : Discos Mag




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