O Led Zeppelin começou o ano de 1969 voando alto com uma agitada sequência de turnês pela a América do Norte e Europa, e que se estenderia ao longo daquele ano. E não era para menos: a boa receptividade por parte do público pelo primeiro e homônimo álbum do quarteto inglês, lançado em janeiro daquele ano, acabou lotando a agenda de shows da banda.
Para aproveitar a boa maré, o Led Zeppelin já pensava no segundo álbum. Como a agenda da banda estava apertada e o tempo era escasso, as músicas para o álbum seguinte foram compostas e gravadas durante as turnês do primeiro álbum. A cada cidade que o Led Zeppelin passava para fazer show, a banda alugava um estúdio local para gravar material, e depois partiam para a próxima cidade para se apresentar. Por causa disso, aconteceram situações curiosas como uma música ter a base instrumental gravada em Londres, a voz em Nova York, a gaita em Vancouver e a mixagem em Nova York.
As sessões de gravação do segundo álbum ocorreram nos estúdios Olympic Studios e Morgan Studios em Londres, Inglaterra; estúdios A&M Studios, Quantum, Sunset, Mirror Sound e Mystic em Los Angeles, Califórnia; Ardent Studios, em Memphis, Tennessee; estúdios Atlantic Studios, A&R Studios, Juggy Sound Studios, Groove e Mayfair em Nova Iorque; e R&D Studios, em Vancouver, Canadá.
Jimmy Page, guitarrista e produtor do álbum, contou com o valioso apoio de Eddie Kramer, engenheiro de som que já havia trabalhado com Jimi Hendrix. Kramer teve um papel importante na mixagem das faixas e contribuiu para que elas, embora fossem gravadas em estúdios diferentes, dessem unidade sonora ao álbum.
O produtor e engenheiro de som Eddie Kramer em 2019: papel fundamental no processo de mixagem do álbum Led Zeppelin II.
Intitulado Led Zeppelin II, o álbum teve a arte de sua capa concebida pelo ilustrador e designer gráfico britânico David Juniper. Para criar a capa, Juniper partiu de uma antiga fotografia do Esquadrão de Combate nº1 da Força Aérea Alemã, que participou da Primeira Guerra Mundial, e era comandada por Manfred von Richthofen (1892-1918), mais conhecido como “Barão Vermelho”. O artista gráfico recortou os rostos dos integrantes do Led Zeppelin e os colou sobre os rostos de alguns pilotos presentes nas fotos. Juniper teria inserido na montagem também os rostos de Peter Grant (empresário do Led Zeppelin), e de Richard Cole (gerente de turnê da banda).
O rosto de uma mulher loira presente na capa, é outra montagem, é da atriz Glynis Johns. A montagem teria sido uma brincadeira com o engenheiro de gravação, Glyn Johns, por causa da semelhança do seu nome com o da atriz.
Após mais de sete meses de gravações nos mais diversos estúdios de cidades diferentes, a Atlantic Records lançava Led Zeppelin II, em 22 de outubro de 1969, nos Estados Unidos, enquanto que no Reino Unido, o álbum só foi lançado em 31 de outubro.
Foto original que serviu de referência para capa de Led Zeppelin II, e que traz o legendário piloto Manfred von Richthofen, o "Barão Vermelho", cabine do avião.
Led Zeppelin II começa com o hard rock arrasa-quarteirão “Whole Lotta Love”, cuja letra foi inspirada em “You Need Love”, do bluesman norte-americano Willie Dixon (1915-1992), e gravada em 1962 por Muddy Waters (1913-1983). Para fazer os arranjos de “Whole Lotta Love”, o Led Zeppelin tomou como referência “You Need Loving”, uma canção dos Small Face, lançada em 1966. Até mesmo o fraseado do canto de Robert Plant em “Whole Lotta Love” é semelhante à de Steve Marriott (1947-1991), então vocalista dos Small Faces quando gravou “You Need Loving”. Curiosamente, os versos da música dos Small Faces foram descaradamente surrupiados de “You Need Love”, de Dixon, e creditados a Ronnie Lane (1946-1997) e Steve Marriott. Por incrível que pareça, os Small Faces nunca sofreram processo por isso, porém, o Led Zeppelin, não escapou: os membros da banda foram acionados judicialmente, acusados de plágio. O imbróglio foi resolvido com a inclusão do nome de Willie Dixon nos créditos de Whole Lotta Love”, junto aos nomes de Jimmy Page, Robert Plant, John Paul Jones e John Bonham (1948-1980).
Musicalmente, “Whole Lotta Love” é marcado não só pelo peso sonoro, mas também pela performance vocal de Robert Plant, que imprime um canto agressivo. No trecho psicodélico da música, Plant faz improvisações vocais com uma forte carga sexual que mais parece uma explosão orgásmica.
“What Is And What Should Never Be”, a faixa seguinte, alterna na sua primeira metade suavidade e peso, para na sua reta final descambar para o hard rock. Robert Plant teria escrito a letra da canção se referindo a um romance que ele teve com a irmã de sua esposa antes de casar-se com ela.
O Led Zeppelin foi acusado de plagiar os versos de "You Need Love" de Willie Dixon (foto) para compor "Whole LottalLove".
O blues rock “The Lemon Song” foi inspirado em “Killing Floor”, de Howlin’ Wolf (1910-1976), música que o Led Zeppelin costumava tocar durante a turnê do primeiro disco. “The Lemon Song” foi mais um caso em que banda foi acusada de plágio. O Led Zeppelin foi processado pela Arc Music, editora onde as canções de Wolf foram registradas. Após um acordo entre as partes, Wolf recebeu um cheque de 45.123 dólares, e as reedições subsequentes de Led Zeppelin II,passaram a trazer nos créditos Chester Burnett - nome de batismo de Howlin’ Wolf - como coautor de “The Lemon Song”. Gravada praticamente ao vivo dentro do estúdio, “The Lemon Song” traz em seus versos uma conotação sexual inspirada em “Travelling Riverside Blues”, de Robert Johnson: “Squeeze me baby, 'till the juice runs down my leg / The way you squeeze my lemon, I'm gonna fall right out of bed” (“Me aperte baby, até o caldo começar a escorrer pela minha perna / O modo como você espreme meu limão, eu vou cair da cama”).
O lado A da versão LP de Led Zeppelin II se encerra com “Thank You”, uma linda balada folk rock. Foi através de “Thank You” que Jimmy Page percebeu que Robert Plant estava evoluindo como letrista e que estava capacitado para escrever a maioria das letras das músicas da banda. Plant escreveu “Thank You” dedicando-a à sua esposa, Maureen. A música possui uma delicada e agradável base instrumental em que se destaca o órgão Hammond C-3, executado por John Paul Jones, que além de baixista, mostra que é um tecladista competente. Próximo ao fim da faixa, o órgão cria um final falso, quando segundos depois, o som do órgão retorna rapidamente para encerrar em seguida a canção em definitivo.
Lado interno da capa dupla de Led Zeppelin II.
“Heartbreaker” abre o lado B do álbum com um riff de guitarra fantástico de Jimmy Page, imitado por gerações de guitarristas. O final deste blues rock é emendado com a próxima faixa, “Living Loving Maid (She’s Just A Woman)”, um hard rock curto e com forte apelo comercial: riffs de guitarra afiados, ritmo contagiante e refrão “grudento”. A letra trata de uma senhora de meia-idade, outrora da alta sociedade, que depois da decadência social, vive de pensão e circula com seu velho Cadillac tentando aproveitar os prazeres da vida que ainda lhe resta. Lançada como lado B do single de “Whole Lotta Love”, “Living Loving Maid (She’s Just Woman)” é uma das poucas músicas do Led Zeppelin em que Jimmy Page fez vocais de apoio.
“Ramble On” é um folk rock com uma letra inspirada na obra Senhos dos Anéis, de J.R.R. Tolkien (1892-1973), e faz referências a personagens da obra como Mordor e Gollum. Enquanto esteve na ativa, o Led Zeppelin nunca tocou essa música na íntegra nos seus shows, no máximo, e raramente, tocava uma parte dela de forma introdutória para emendar com outra música. Em 2007, “Ramble On” foi tocada na íntegra ao vivo pela primeira vez, quando houve uma reunião do Led Zeppelin, na Arena O2, em Londres.
Na sequência, mais uma faixa com referência literária, a instrumental “Moby Dick”, cujo título foi tomado emprestado do romance de mesmo nome, de autoria do escritor norte-americano Herman Melville (1819-1891). A faixa começa com baixo, guitarra e bateria juntos em ritmo de hard rock. No meio da música abre-se espaço para John Bonham fazer o seu solo de bateria incrível. Após o longo solo de bateria, a música termina com todos os instrumentos tocando juntos novamente.
O blues rock “Bring It On Home” fecha o álbum brilhantemente. A música começa num ritmo que remete aos blues antigos, com Robert Plant cantando como se estivesse com a voz abafada ao estilo dos velhos bluesmen norte-americanos. O solo de gaita foi executado pelo próprio Plant, gravado separadamente num estúdio em Vancouver, no Canadá. Após o blues de raiz introdutório, um hard rock furioso e pesado toma conta da faixa, até que mais à frente, sai de cena e dá espaço novamente ao blues rústico inicial que encerra a música.
Composta por Willie Dixon, em 1963 e gravada pela primeira vez por Sonny Boy Williamson II (1912-1965), “Bring It On Home” foi mais uma faixa do álbum que levou o Led Zeppelin à acusação de plágio. Jimmy Page e Robert Plant se defenderam dizendo que a intenção era fazer uma homenagem a Sonny Boy Williamson II na parte introdutória da música em que reproduz os versos de Dixon. O restante da letra da canção foi composto por eles. Contudo a ideia do tributo a Williamson II não convenceu e a dupla foi processada em 1972. Um acordo entre Page, Plant, e a Arc Music (editora onde a música de Dixon foi registrada) foi fechado, e o nome de Willie Dixon passou a ser incluído como coautor da música.
Sonny Boy Williamson II, bluesman que gravou "Bring It On Home", de Willie Dixon, muito antes do Led Zeppelin.
A reação da crítica a Led Zeppelin II, a princípio, foi razoável. No Reino Unido, a revista Time Out afirmou que em seu segundo álbum, o Led Zeppelin se mostra mais solto do que no primeiro, enquanto que a revista Disc And Music Echo, destacou que embora fosse difícil registrar em disco a excitação que a banda provocava no palco, Led Zeppelin II chegava bem perto disso. Já nos Estados Unidos, o crítico musical John Mendelssohn, da revista Rolling Stone, que não fora tão receptivo ao primeiro álbum, mostrou-se irônico com o segundo ao dizer que ouviu o álbum “com um pouco de erva vietnamita pesada... mescalina, novocaína, um pouco de Romilar, e foi tão surpreendente quanto antes”, e depois arrematou: “Devo admitir que ainda não ouvi sóbrio, mas não acho que seja a melhor maneira de ouvir um grupo tão pesado”.
O público por sua vez, aguardou Led Zeppelin II com ansiedade, a tal ponto do álbum ter a vendagem antecipada chegando à casa das 400 mil cópias vendidas. A Atlantic Records fez uma caprichada campanha promocional para divulgar o álbum, e usou slogans como “Led Zeppelin - A única maneira de voar” e “Led Zeppelin II - Voando agora”. A contragosto do Led Zeppelin, a Atlantic Records lançou o single de “Whole Lotta Love” no mercado norte-americano, onde vendeu mais de 900 mil cópias. No entanto, a banda vetou o lançamento do single no Reino Unido, e divulgou uma nota justificando: “O Led Zeppelin não pretende lançar essa faixa como compacto, pois foi conceitualmente composta como parte de um conceito de álbum”.
Nos Estados Unidos, Led Zeppelin II fez uma disputada acirrada com Abbey Road, dos Beatles, destronando o álbum do quarteto de Liverpool do primeiro lugar por duas vezes, sendo assim o primeiro álbum do Led Zeppelin a conquistar o topo da parada de álbuns do mercado norte-americano, onde permaneceu nessa posição por sete semanas. Na Grã-Bretanha, Led Zeppelin II conquistou o primeiro lugar em fevereiro de 1970. Em seis meses de lançamento, o álbum vendeu em todo o mundo cinco milhões de cópias, 3 milhões somente nos Estados Unidos.
Ainda em 1970, o designer gráfico David Juniper foi indicado ao Grammy Awards para a categoria “Melhor Capa de Álbum”, pelo trabalho que fez para a capa de Led Zeppelin II. No mesmo ano, em outubro, o Led Zeppelin lançava o terceiro álbum, Led Zeppelin III, um trabalho onde a banda inglesa aliviou no peso, e deu mais ênfase à sonoridade eletroacústica do folk rock.
Ao longo das décadas, a reputação de Led Zeppelin II e a sua relevância para a história do rock só cresceram. Para uma parcela da crítica, o álbum se tornou um padrão de rock pesado que serviu de referência para bandas de hard rock e heavy metal que viriam a surgir após o seu lançamento como Aerosmith, Iron Maiden e Guns N’ Roses. Os solos de Jimmy Page em “Heartbreaker”, por exemplo, foram inspiração para os guitarristas Eddie Van Halen e Steve Vai. Em 2011, Led Zeppelin II foi classificado em 79º lugar da lista dos 500 Melhores Álbuns de Todos Os Tempos, da revista Rolling Stone.
Faixas
Lado A
1 – “Whole Lotta Love” (Jimmy Page - Robert Plant - John Bonham - John Paul Jones - Willie Dixon)
2 – “What Is and What Should Never Be” (Page - Plant)
3 – “The Lemon Song” (Page - Plant – Jones - Bonham - Chester Burnett)
4 – “Thank You” (Page - Plant)
Lado B
5 – “Heartbreaker” (Page - Plant – Jones - Bonham)
6 – “Living Loving Maid (She's Just a Woman)” (Page - Plant)
7 – “Ramble On” (Page - Plant)
8 – “Moby Dick” (Bonham – Jones - Page)
9 – “Bring It On Home” (Page – Plant - Dixon)
Led Zeppelin: Robert Plant (vocal e gaita), Jimmy Page (guitarra, vocais de apoio e teremim em "Whole Lotta Love"), John Paul Jones (baixo, órgão e vocais de apoio) e John Bonham (bateria, percussão, tímpano e vocais de apoio).
Gal Costa ainda desfrutava do sucesso comercial do seu primeiro e autointitulado primeiro álbum solo, lançado em 1969, quando no segundo semestre do mesmo ano, lançou o segundo álbum, Gal, considerado o mais experimental e psicodélico da carreira da cantora baiana.A arte psicodélica da capa, um trabalho do artista plástico baiano Dircinho, já dá pistas do conteúdo sonoro do álbum. Se o primeiro álbum solo, mostrava uma Gal Costa bem mais extrovertida do que a da sua estreia em disco, o álbum Domingo (1967), gravado em dueto com Caetano Veloso e mais voltado à bossa-nova, Gal traz a cantora baiana numa versão mais explosiva e radical do que dos dois álbuns anteriores.
Sob total influência de Janis Joplin, Gal Costa canta de uma maneira mais raivosa e ameaçadora. O radicalismo musical e visual pelos quais passava a cantora, eram um reflexo do momento turbulento e sombrio em que o Brasil estava mergulhado, conduzido por uma ditadura militar que através do AI-5 (Ato Institucional Nº5), promulgado no final de 1968, que limitou ainda mais a liberdade de pensamento no país e perseguiu todos aqueles que o regime julgava uma ameaça, dentre eles, Caetano Veloso e Gilberto. Ambos foram presos e meses depois obrigados a partir para um exílio na Inglaterra, fazendo com que o movimento tropicalista que tanto incomodava o regime, perdesse suas duas principais figuras de liderança. Sem Caetano e sem Gil, Gal Costa se tornara uma porta-voz do pouco do que restou do Tropicalismo.
Gal Costa em versão psicodélica e rebelde.
Produzido por Manoel Barenbein, e com arranjos e direção musical de Rogério Duprat, o álbum começa com uma Gal Costa um tanto quanto tranquila, mas que no decorrer das faixas, vai pondo para fora uma fera contida dentro de si, ao mesmo tempo que as músicas vão se tornando mais ruidosas e experimentais, com destaque para os solos de guitarra de Lanny Gordin, uma espécie de “Jimi Hendrix tropicalista”.
Composta por Caetano Veloso, “Cinema Olympia” é quem abre o álbum Gal. A música faz referência a um antigo cinema que havia na Baixa dos Sapateiros, em Salvador, frequentado pelas camadas mais populares da população soteropolitana da época. Conforme a letra da música, o cinema era famoso pelas matinês que exibiam filmes antigos de faroeste como os de Tom Mix e Buck Jones, pelo público que promovia bagunça durante as sessões, pelo ambiente sujo e pelas cadeiras cheias de pulgas.
Fachada atual do antigo Cinema Oympia, na Baixa dos Sapateiros, em Salvador. No passado, o cinema inspirou Caetano Veloso a compor 'Cinema Olympia".
A faixa seguinte é “Tuareg”, de Jorge Ben, uma canção com arranjos bem elaborados, fazem o ouvinte viajar até o deserto do Saara, no norte da África. Os tuaregues são um povo nômade que vive naquela região desértica africana. No entanto, a letra mostra uma mensagem cifrada, e parece dizer mais sobre a realidade política brasileira do que a daquele povo do norte da África. O tuaregue retratado na música seria provavelmente o guerrilheiro urbano que participava da guerrilha urbana contra a ditadura militar, em confrontos que ocorriam nas grandes cidades brasileiras no final dos anos 1960: “Pois ele é guerreiro / Ele é bandoleiro / Ele é justiceiro / Ele é mandingueiro / Ele é um Tuareg”.
A partir da terceira faixa, “Cultura E Civilização”, de Gilberto Gil, o tom vocal de Gal Costa torna-se mais agressivo e rasgado. Em “País Tropical”, de Jorge Ben, Gal Costa conta com a participação discreta de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Não se sabe ao certo como se deram as participações de Caetano e Gil, já que na época de gravação do disco, ambos estavam em prisão domiciliar em Salvador.
Caetano Veloso e Gilberto Gil: antes de partirem para o exílio em Londres, gravaram participação juntos na faixa "País Tropical" com a amiga Gal Costa.
Fechando o lado A, “Meu Nome É Gal”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, foi composta especialmente pela dupla para Gal Costa. Roberto e Erasmo conseguiram muito bem retratar na letra da canção, o perfil jovem e libertário de Gal Costa. Durante um trecho da canção, Gal descreve quem ela era naquele momento:
“Meu nome é Gal, tenho 24 anos
Nasci na Barra Avenida, Bahia
Todo dia eu sonho alguém pra mim
Acredito em Deus, gosto de baile, cinema
Admiro Caetano, Gil, Roberto, Erasmo,
Macalé, Paulinho da Viola, Lanny
Rogério Sganzerla, Jorge Ben, Rogério Duprat,
Waly, Dircinho, Nando,
E o pessoal da pesada
E se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar
Não precisa sobrenome
Pois é o amor que faz o homem."
Roberto Carlos (à direita) compôs com Erasmo Carlos canção especialmente para Gal Costa gravar, "Meu Nome É Gal".
O lado B do álbum começa com o baixo pulsante e a guitarra estridente de “Com Medo, Com Pedro”, de Gilberto Gil, que traz como destaque as várias camadas de vozes de Gal Costa cheias de efeitos de eco. “The Empty Boat”, de Caetano Veloso, foi gravada pelo próprio no seu “álbum branco”, numa versão mais intimista. Única faixa em inglês do álbum Gal, versão de Gal Costa para “The Empty Boat” segue num caminho oposto: uma interpretação mais enfurecida, berrada e caótica, em que a cantora conta com a participação de Jards Macalé nos vocais. “Objeto Sim, Objeto Não”, é mais uma música de Gilberto Gil presente no álbum.
“Pulsars e Quasars”, de Capinam e Jards Macalé, encerra a lisergia musical do álbum Gal. A música é mais uma do álbum dotada de muito experimentalismo, regado a muitos ecos de vozes e distorções da guitarra psicodélica de Lanny Gordin. Num trecho da música, versos citam discretamente Caetano e Gil em uma espécie de homenagem:
“O inverso, um ser mutante universal / Meu ingresso para as touradas do mal
Dos sóis, Cá e Gil me mandem notícias logo / A sós, pulsos abertos, eu volto”.
Lanny Gordin, o mais destacado guitarrista do Tropicalismo e que teve uma participação importante no álbum Gal.
Em novembro de 1969, Gal Costa iniciou uma temporada de shows no Teatro Oficina, no Rio de Janeiro, ao lado de Jards Macalé, do guitarrista Lanny Gordin e da banda Som Beat. Amparado no repertório dos álbuns Gal Costa e Gal, o espetáculo passou por outras cidades brasileiras. No ano seguinte, em 1970, após uma viagem à Inglaterra, onde visitou Caetano Veloso, Gilberto e suas respectivas esposas, Gal Costa retornou ao Brasil com novas canções e lançou o álbum Legal, que inclui “London London”, de Caetano Veloso, e a regravação “Eu Sou Terrível”, de Roberto e Erasmo Carlos. Legal foge completamente do radicalismo psicodélico de Gal, e foca numa sonoridade mais amena e aberta, flertando com o blues, a MPB, a folk music, o jazz, e até o frevo.
“Irmãos e Irmãs! Eu quero ver um mar de mãos! Me deixem ver um mar de mãos! Eu quero que todo mundo faça barulho. Eu quero ouvir um pouco de revolução, irmãos. Eu quero ouvir uma pequena revolução. Irmãos e Irmãs, chegou a hora de cada um de vocês decidir se vocês serão o problema ou se vocês serão a solução. Vocês devem escolher, irmãos, vocês devem escolher. Leva cinco segundos, cinco segundos de decisão, cinco segundos para perceber o seu propósito aqui no planeta. Cinco segundos para saber que é tempo de se mover. É hora de começar com isso. Irmãos, é hora de testemunhar e eu quero saber, vocês estãos prontos para testemunhar? Vocês estão prontos? EU LHES DOU UM TESTEMUNHO, O MC5!”
Oito anos de atividade e uma pequena discografia. Foi tudo o que o MC5, os “Cinco da Cidade do Motor”, precisaram para mudar a cara do Rock and Roll para sempre. Apaixonados pelo som enérgico e elétrico de gente como Chuck Berry, Dick Dale e The Ventures e pela viagem libertadora de jazzistas como John Coltrane e Sun Ra, a banda de Detroit (maior polo automobilístico americano, logo, “A Cidade do Motor”) logo chamou a atenção ao abrir shows e roubar a atenção do público de Cream e Big Brother & The Holding Company e mais ainda quando se afiliou politicamente ao poeta e ativista de esquerda John Sinclair para ser o empresário da banda fazendo uma ponte até então inédita entre o jovem gênero musical e o marxismo assumido – em plena época de paranoia e perseguição anticomunista.
Membros do “Panteras Brancas”, grupo de extrema-esquerda anti-racista fundado por Sinclair, a banda mais politicamente comprometida à época misturava junto ao discurso anti-capitalista explícitas referências ao trinômio “sexo, drogas e rock and roll” sendo pregado como contracultura em shows que eram além de concertos de música verdadeiras intervenções políticas e artísticas, sempre com provocações que não poucas vezes terminaram em quebra-quebra, prisões e controvérsia.
Pessoal e artisticamente, o MC5, com sua clássica line up de Rob Tyner (vocais), Wayne Kramer (guitarras, vocais), Fred “Sonic” Smith (guitarras, vocais), Michael Davis (baixo, vocais) e Dennis Thompson (bateria), é uma das verdadeiras representações dos excessos do Rock and Roll. Visceral, rasgado e primal, seus três discos gravados 69 e 71 inspirariam no final da década de setenta junto com outras bandas o punk, o hardcore e praticamente tudo que era pautado por velocidade e volume.
Kick Out The Jams [1969]
Não obstante ser um debut ao vivo, é um registro que abre com o discurso citado no início do texto a plenos pulmões pelo vocalista Rob Tyner, sendo logo seguido por “Ramblin’ Rose”, que pega o soul em falsete de Ted Taylor para acelerar em 500 por hora, com Wayne Kramer emulando Ted de forma de forma bradada e desesperada. E em sequência “Kick Out The Jams”, cujo brado inicial “Kick out the jams, motherfucker!” promoveu uma sinuca de bico entre a banda, a gravadora Electra e a loja de departamentos Hudson que se recusava a vender o álbum. A corda acabou estourando em seu nó fraco quando a banda comprou um anúncio de página inteira mandando a Hudson “ir se foder”, causando a demissão dos músicos da gravadora. As guitarras barulhentas de Kramer e Fred “Sonic” Smith (pai dos Ramones em som, visual e atitude) criam aquela que é talvez a primeira canção punk da história: a velocidade anfetamínica, os brados e gritos e a distorção e intensidade criam algo no mínimo deslocado em 1969. A porrada continua comendo solta em “Come Together” e “Rocket Reducer No. 62 (Rama Lama Fa Fa Fa)”, com refrãos fortes e riffs impactantes. A piração chega ao auge no soul-rock apocalíptico “Motor City Is Burning” (com o groove de baixo ornamentando belos e chapados solos de guitarra) e a versão da banda para “Starship” de Sun Ra, com a improvisação rolando desenfreada com distorção de guitarra, sons estranhos e harmonias vocais correndo livres e desimpedidas, sem estrutura definida. “Kick Out The Jams” quebrou com a moda do rock “bicho grilo” que discursava sobre paz e amor com baladas folk com um registro “quente”, sonora e liricamente revolucionário. Mesmo o sucesso à época sendo moderado, nada impediu o novo paradigma aberto de crescer vigorosamente: nada mais seria como antes.
Back In The Usa [1970]
Agora assinados com a Atlantic, o som do debut em estúdio do MC5 deve muito à paixão do seu produtor Jon Landau (co-produtor da obra-prima de Bruce Springsteen “Born To Run”, entre outros discos do Boss) pelo rock cinquentista e sua pouca afeição ao rock psicodélico. O resultado foi que, justamente, a banda concentrou todos seus esforços em fazer uma versão pesada e alucinada do que os pioneiros do estilo tocavam, o que se vê na abertura e no fechamento do álbum, os covers “Tutti-Frutti” de Little Richard e “Back in the USA” de Chuck Berry. Menos politizado mas ainda fazendo música barulhenta o suficiente para fazer qualquer conservador ficar de cabelos em pé, na hora de compôr material próprio a banda investe na delinquência e no hedonismo, como dá pra ver em “Teenage Lust” e “Call Me Animal”, rythm and blues com guitarras pesadas, cozinha marcada e vocais raivosos. Também se sai muito bem nos temas mais elaborados, como na balada “Let Me Try” e “Looking At You”, com os solos de guitarra de Wayne Kramer antecipando aquele hard rock mais rápido praticado no final da década e o baixo “na cara” levando a música. A pedrada política da vez fica por conta de “The Human Being Lawnmower”, com uma cozinha tensa e explosiva, em uma música que varia entre o tom pulsante e as frases rapidíssimas para a época (construção que lembra muito do que o pessoal do hardcore viria fazer na década seguinte) para criticar o histórico de violência e opressão da raça humana, definidos na música como uma “raça ancestral de primatas assassinos”. Afiados e diretos como nunca, o MC5 estava em sua melhor forma ao fazer Back in the USA, legítimo disco de rock mal educado, desordeiro e desobediente – trilha sonora perfeita para exorcizar angústias.
High Time [1971]
Banda libidinosa que só eles, o MC5 fez do seu canto de cisne “High Time” o resultado de uma transa entre seus dois registros anteriores. O mais criticamente elogiado e menos vendido álbum do grupo (que causou a demissão da gravadora e pouco após a dissolução do grupo, que jamais veria a sua formação original novamente – Tyner morreria de ataque cardíaco em 91 e Fred de overdose em 94) é de longe o álbum mais elaborado da banda, apresentando além do trinômio guitarra-bateria-baixo vários outros instrumentos pouco usuais no rock. Isso logo se vê na introdução, a obra-prima de sete minutos “Sister Anne” (com a ponte-refrão emprestada pelos Dead Kennedys em “Let’s Lynch The Landlord”), com o ritmo pesado da banda sendo acompanhado por um piano cinquentista com solo de gaita e backing vocals femininos dando uma belíssima adição, com um final marcial de percussão marcada e instrumentos de sopro dando um final hilário à música que versa sobre uma moralista. Disco de composições mais longas, a banda mostra ser formada por compositores de mão cheia, cruzando tudo bom feito na música americana até então; para os amantes de barulho, as porradas de três minutos “Gotta Keep Movin’” e “Poison”, um grooveado hard rock que antecipou a sonoridade da década seguinte em alguns anos; há também a a balada groooveada “Miss X”, e de quebra a banda ainda entrega duas peças mais experimentais, “Future/Now”, metade metralhadora sônica e metade cadência etérea e a influenciada por free jazz e sobretudo Sun Ra “Skunk (Sonically Speaking)”, pesada e viajante, com os tradicionais instrumentos mais percussão, conga, trompete, trombone e sax tenor desenhando uma música intensa e cheia de camadas. Fechamento com chave de ouro para uma banda com fome de tudo que era novidade para quela juventude: liberação de costumes, experimentações sonoras e ativismo político se mostraram os ingredientes certeiros para um fenômeno trangressor que definitivamente não se ouve todo dia.
Homenageados e regravados por artistas tão diferentes como Rage Against The Machine, Jeff Buckley, Monster Magnet, Pearl Jam, The Damned, Corrosion of Conformity, Bad Brains e Entombed, a sensação de ouvir MC5 permanece com um inedistismo fresco e vigoroso até hoje. Dá pra entender o saudosismo de uns dos anos sesenta/setenta: poucas vezes na história da música popular se viu em quantidade tão grande artistas rompendo os limites impostos de maneira tão desavergonhada.
Mas que mudança de aparência temos aqui, no espaço de apenas 4 anos, do folk hippie ao glam rocker ao piano no longo roupão real à la Chopin ou Liszt! E, de fato, concomitantemente, mantendo as aparências como é comum no pop, a música passou do material acústico um tanto derivado dos Beatles para canções mais produzidas e comercializadas, um pouco mais de rádio pop no formato, não necessariamente melhor, apesar da mudança.
Deste álbum, espero que todos concordem que a música Bad For You é de longe a melhor faixa que eu acho, com sua surpreendente harmonia vocal de Matthew, e seu refrão irresistível:
Até o arranjo é feito perfeitamente, com a introdução de piano elétrico mais acústico e acordes de guitarra criteriosamente adicionados ao fundo, então o sostenuto de corda adicionado em execuções posteriores do mesmo padrão... que música!
Deveria ter sido um sucesso na época como eu sempre digo...
Há canções aqui em que ele está estranhamente imitando Nick Drake, às vezes até citando suas canções, " quando eu era jovem, etc, " (Place to Be) foi alterado para " quando eu era uma folha". Infelizmente, ele não explorou as incríveis afinações originais que Nick fez, com o som de cordas soltas dando a tudo aquelas ricas texturas harmônicas / harmônicas, que tornaram suas músicas tão inesquecíveis. Eu acho que ele usa algumas afinações não convencionais aqui e ali. Além das canções de Nick Drake, existem faixas ssw relativamente comuns para preenchê-lo. Os fãs de Nick podem achar isso interessante e, de qualquer forma, bastante raro e, até onde eu sei, nunca copiado para digital antes. .