Em 1959, o mundo da música havia sido assombrado pelo lançamento do álbum Chega de Saudade, de João Gilberto. Em seu álbum de estreia, o baiano de Juazeiro trazia uma nova maneira de cantar e de tocar violão como nunca se viu até então. Para completar, aquele álbum acendeu o pavio do movimento da bossa nova, que ganhou força no cenário musical brasileiro, e quatro anos depois, já havia conquistado plateias internacionais.
Foi justamente quando a bossa nova fazia carreira internacional que aqui no Brasil, chegava às lojas, o primeiro álbum de um jovem negro e suburbano carioca, de cerca de 20 anos de idade, trazendo um outro som inovador que abriria outros caminhos para a música popular brasileiro. Trata-se de Samba Esquema Novo, álbum de estreia de Jorge Ben, que a partir de 1989, rebatizou seu nome artístico para Jorge Ben Jor. O álbum trazia em suas faixas uma sonoridade que era mesmo tempo simples e complexa, reconhecível, mas difícil de classificar. A música praticada por Jorge carregava a malícia do samba dos morros cariocas, a economia sonora da bossa nova, a sofisticação do jazz e o embalo do rock’n’roll.
E mais uma vez, assim como aconteceu com a bossa nova e o álbum Chega de Saudade, com Jorge e o seu Samba Esquema Novo, o violão foi o grande protagonista. Jorge trouxe com sua maneira própria de tocar violão, um novo jeito tocar esse instrumento, simples e tão miscigenado musicalmente, dançante e cheio de ritmo.
Filho de pai estivador e de mãe de descendência etíope, Jorge Duílio Lima Meneses nasceu em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, em 1942, mas foi criado no bairro de Rio Comprido, na mesma cidade. Durante a adolescência, foi amigo de Tim Maia, Erasmo Carlos e Roberto Carlos, que mais tarde, se tornariam grandes estrelas da música brasileira. Assim como eles naquela época de adolescente, Jorge ouvia o rock’n’roll de Elvis Presley, Chuck Berry e Little Richard, sem, no entanto, deixar de lado as raízes da música brasileira como o samba.
Aos treze anos, iniciou-se na música tocando pandeiro em blocos de carnaval, ao mesmo tempo que participava do coral da igreja da escola que estudava, o Colégio São José. Na mesma época em que servia ao Exército, ganhou de sua mãe de presente, um violão acompanhado de método para aprender as primeiras lições. E Jorge aprendeu a tocar o instrumento sozinho. Dali para tocar em festinhas de amigos, foi um curto espaço de tempo. E tocava de bossa nova a rock’n’roll.
Sua carreira profissional começa a dar os primeiros passos em 1961 quando participa dos ensaios do conjunto Copa Trio. Recebe um convite do organista Zé Maria para tocar no seu conjunto como pandeirista na boate Little Club, no Beco da Garrafas, no Rio de Janeiro, onde a música fervilhava naquela época em criatividade e novidades. Não demorou muito, e Jorge já estava se apresentando com seu violão, tocando em cantando suas próprias canções nos bares e boates do mesmo Beco das Garrafas. É bem verdade que seu estilo próprio e diferenciado de tocar e cantar não era visto com desdém por uma parcela do público bossa novista que frequentava aquele lugar.
Em 1963, o organista Zé Maria gravou para o seu álbum, Tudo Azul, duas canções do jovem Jorge Ben, “Mas, Que Nada” e “Por Causa de Você”, contando o próprio Jorge cantando as duas músicas.
Pouco depois, Jorge foi contratado pela gravadora Philips que lança um disco de 78 rpm com as canções “Mas, Que Nada” e “Por Causa de Você”. O discos vendeu 100 mil cópias. O sucesso do disco de 78 rpm motivou a Philips a fazer um álbum com Jorge. Foi escalado o produtor Armando Pittigliani, o mesmo que havia produzido o disco de 78 rpm de Jorge.
Para a gravação do álbum, Pittigliani contou com a participação de músicos e arranjadores de altíssimo gabarito que valorizaram a musicalidade de Jorge Ben. Dois conjuntos acompanharam Jorge Ben na gravação das faixas, o Copa 5 e o trio Bossa Três, ambos formados por músicos com ampla experiência na bossa nova. O Copa Trio passou por uma reformulação: virou um quinteto, foi rebatizado para Copa 5, e passou a ser formado por J.T. Meirelles (1940-2008) na flauta e saxofone, Pedro Paulo no trompete, Luiz Carlos Vinhas (1940-2001) no piano, Manuel Gusmão no contrabaixo acústico e Dom Um Romão (1925-2005) bateria. O Bossa Três trazia em sua formação o Luiz Carlos Vinhas no piano (o mesmo do Copa 5), Tião Neto (contrabaixo acústico) e Edilson Machado (bateria). Os arranjos das canções ficaram por conta J.T. Meirelles, Luiz Carlos Vinhas - os dois do Copa 5 - e dos maestros Carlos Martins de Souza e Lindolfo Gaya.
No tempo do Beco das Garrafas, da esquerda para a direita: Dom Um Romão, Manuel Gusmão, Jorge Ben Jor e o pianista Dom Salvador, no Bottle's Bar.
Quem abre o álbum é a clássica “Mas, Que Nada”, com Jorge Ben acompanhado do Copa 5. A canção começa com Jorge cantando o refrão que se tornou antológico, mas cujas palavras não têm sentido álbum: “O ariá raio / Obá obá obá”. É o que no jazz se costuma chamar de scat singing, onde o cantor usa a voz como se fosse um instrumento musical, improvisando sílabas sem necessariamente ter algum sentido, onde o que importa é o som proporcionado pela técnica. Alguns cantores da bossa nova fez bastante uso desse recurso vocal. A levada rítmica de “Mas, Que Nada” é o embrião que conhecemos hoje como samba rock.
“Tim, Dom, Dom”, é a única do álbum que não foi composta por Jorge Ben. Toque de tamborim fazem a introdução desta música em que Jorge compara as batidas do seu coração com o do som do seu violão. A letra é muito simples, o arranjo da canção é enxuta, mas muito bem construída e executada.
A faixa seguinte, “Balança Pema”, possui um ritmo dançante e sedutor, assim como a sua letra: “Se você jurar / Me ensinar / A sambalançar assim”. “Balança Pema” voltou a fazer sucesso através da regravação de Marisa Monte para o seu álbum Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão, lançado naquele ano.
“Vem Morena, Vem” é curta, quase dois minutos de duração. Traz na sua introdução o som elegante do trompete de Pedro Paulo. A base instrumental revela uma influência da sonoridade econômica da bossa nova. Na letra, Jorge convida a sua amada morena para sambar com ele, porque sem ela, ele ficará triste e samba não mais haverá.
Marisa Monte regravou "Balança Pema" para o seu álbum Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão.
“Chove Chuva” é uma das canções mais conhecidas da carreira de Jorge Ben, e ela está presente em Samba Esquema Novo. Jorge pede na canção que Deus para que a chuva não molhe a sua amada, o seu “divino amor”. Na reta final da canção, Jorge Ben faz improvisos vocais cheios de muito ritmo e malemolência. Em 2005, a banda Biquini Cavadão “Chove Chuva” para o seu álbum Biquini Cavadão Ao Vivo, numa versão pop que acabou fazendo um grande sucesso.
“É Só Sambar” encerra o lado A da versão LP do álbum. Apesar de tranquila e serena, a música fala de samba, um ritmo musical tão dançante e contagiante. Na letra, Jorge diz que só quer sambar, e que não adianta chamá-lo para ir a um lugar sem um samba animado. É uma das poucas faixas de Samba Esquema Novo que possui um naipe de violinos.
O lado B começa com o ritmo dançante e gostoso de “Rosa, Menina Rosa”. É um samba, mas com uma percussão leve, “econômica”, enxuta. O destaque fica para o trompete de Pedro Paulo e o saxofone de J.T.Meirelles, que percorrem a música do começo ao fim. “Quero Esquecer Você” traz Jorge falando “voxê” ao invés de você, o que acabou se tornando uma característica marcante no jeito do seu jeito de cantar.
Em “Uála Uálalá”, é perceptível a influência da bossa nova na levada rítmica. Inclusive, na primeira metade da letra da canção, Jorge parece “incorporar” o estilo de cantar de João Gilberto. No entanto, mais adiante, Jorge muda o estilo de cantar e explora um canto cheio de ritmo e malemolência nos versos “Ele é um samba diferente / Lá dos tempos de sinhá e de sinhô / É um lamento / Que o negô entoava pelas noites / É um lamento de amor”.
“Desde que se foi / O nosso Rei Nagô / Ninguém jamais fez samba / Ninguém jamais cantou”, canta Jorge em “A Tamba”, evocando os seus antepassados negros que vieram da África para o Brasil. A herança da presença africana em terras brasileiras será um tema que Jorge se dedicará com mais intensidade nos anos 1970.
Em 2005, a banda carioca Biquini Cavadão fez uma versão pop para "Chove Chuva" para o álbum Biquini Cavadão Ao Vivo.
Na faixa seguinte, “Menina Bonita Não Chora”, Jorge banca o cavalheiro consolador e apaixonado: “Vem e deixe de chorar / Pois menina bonita não chora / Eu estou aqui para lhe consolar / O meu amor é forte / Você pode nele confiar / Se você é triste, feliz você será”.
“Por Causa De Você” é outra música de Samba Esquema Novo famosa do repertório de Jorge Ben, e é ela quem encerra com chave de ouro o álbum. Jorge faz uso mais uma vez da expressão “voxê” ao invés de “você”. Em “Por Causa De Você”, o Copa 5 mostra toda a sua habilidade técnica ao mesclar com refinamento samba, bossa nova e jazz. E todo esse refinamento musical do Copa 5 fica explícito no pequeno trecho instrumental no meio da canção, onde o destaque é o solo de piano de Luiz Carlos Vinhas.
Jorge Ben Jor no final dos anos 1960.
Samba Esquema Novo fez um grande sucesso de público e de crítica. Jorge conseguiu a proeza de gravar um álbum ao mesmo tempo sofisticado e de grande alcance popular. As faixas “Mas Que Nada”, “Chove Chuva”, “Por Causa De Você” e “Balança Pema” se tornaram os grandes sucessos do álbum e projetou o jovem Jorge Ben nas paradas de sucesso de todo o Brasil.
No rastro do sucesso do seu álbum de estreia, Jorge lançou em 1964 dois álbuns, Sacundin Ben Samba e Ben É Samba Bom. Em 1965, a convite do Ministério das Relações Exteriores, vai aos Estados Unidos, e lá passa três meses se apresentando em clubes e universidades. De volta ao Brasil, se aproxima da turma do programa da Jovem Guarda, TV Record, apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa. Por causa disso, Jorge Ben passa a ser hostilizado pela ala mais radical da MPB que via na Jovem Guarda, a representação de uma cultura descartável e alienada. No entanto, essa aproximação com a musicalidade roqueira da Jovem Guarda, ajudou Jorge Ben a direcionar a sua música para uma orientação mais pop dando origem ao samba rock, o que ficaria mais evidente nos álbuns O Bidú - Silêncio No Brooklin (1967) e Jorge Ben (1969).
Em 1966, “Mas Que Nada” alcançou um grande sucesso nos Estados Unidos através da regravação de Sérgio Mendes & Brazil’ 66 que chegou ao 4° lugar na parada Billboard Adult Contemporany. A partir dessa versão, outros tantos artistas internacionais regravaram “Mas, Que Nada”, bem como outras canções de Jorge Ben, o que contribuiu para projeção da carreira do cantor fora do Brasil, despertando interesse do público internacional pela sua obra.
13 de dezembro de 1968. O então presidente do Brasil, Artur Costa e Silva (1899-1969), o segundo do período da Ditadura Militar, sanciona o temível Ato Institucional Nº 5, mais conhecido como AI-5. O ato dava plenos poderes ao governo ditatorial para dissolver o Congresso Nacional, cassar mandato de parlamentares, promover intervenções em estados e municípios, suspender habeas corpus, censurar previamente músicas, filmes, peças teatrais, programas de TV e jornais impressos.
Em um curto espaço de tempo, políticos tidos como opositores ao regime, artistas e intelectuais foram presos, uma verdadeira “caça às bruxas”. O movimento tropicalista, que tinha em Caetano Veloso e Gilberto Gil seus dois maiores expoentes, fazia algum tempo, vinha se tornando um incômodo para o governo ditatorial. A postura contestadora e provocativa dos dois baianos, mais os seus companheiros de movimento, estava na alça de mira dos militares. Prender Caetano e Gil era uma questão de tempo, um temor que já era admitido até mesmo pelos amigos dos cantores, como o humorista Jô Soares na época.
A gota d’água para os militares foi uma apresentação provocativa de Caetano Veloso, no dia 23 de dezembro, no Divino, Maravilhoso, programa tropicalista comandado por Caetano, Gil, Gal Costa e demais artistas tropicalistas na TV Tupi, em São Paulo. Na noite de antevéspera do Natal de 1968, Caetano aparece em rede nacional, diante das câmeras de TV, cantando a singela canção natalina, “Boas Festas”, de Assis Valente (1911-1958), segurando um revólver apontado para a sua própria cabeça. A performance bizarra de Caetano chocou os telespectadores, principalmente os mais conservadores. O número musical custaria caro para o baiano.
Programa Divino, Maravilhoso: vida curta e muita polêmica.
No dia 28 de dezembro, a Polícia Federal prende Caetano Veloso e Gilberto Gil em São Paulo. Logo são enviados para o Rio de Janeiro, e lá são confinados no quartel do 1º Exército. Passam por outros quarteis do Rio durante os dois meses seguintes. Em fevereiro de 1969, Caetano e Gil são mandados para Salvador, onde passam cinco meses presos, mas dessa vez em prisão domiciliar numa casa que alugaram no bairro da Pituba. Entrevistas, apresentações em rádio e TV estavam completamente proibidas. Eram obrigados diariamente a se dirigirem à Polícia Federal.
Impedidos de fazer shows, a situação financeira de Caetano Veloso, Gilberto Gil, mais as suas respectivas esposas, não era das melhores. Numa tentativa de ajudar os dois cantores baianos, a gravadora Philips decide lançar um álbum novo de cada um. Como estavam presos em Salvador, a gravadora envia para a capital baiana o produtor Manoel Barenbein, o arranjador e maestro Rogério Duprat (1932-2006), dois técnicos de som e equipamentos de gravação. Para fazer as gravações, Barenbein desembarcou em Salvador munido de uma autorização da Censura Federal que fora apresentada às autoridades locais, que logo liberaram Caetano e Gil para gravar.
O que Barenbein, Duprat e os técnicos vindos de São Paulo não imaginavam é que não encontrariam um estúdio de gravação adequado em Salvador. Além de raros, o que existiam eram precários para se gravar material decente para um disco. Foi então que Rogério Duprat teve uma ideia: propôs a Caetano e Gil gravarem o material para os seus respectivos discos apenas com voz e violão, acompanhados de um metrônomo, e depois o material gravado seria enviado para São Paulo, onde os outros instrumentos (baixo, guitarra, bateria, piano, órgão e orquestra) seriam inseridos. No sistema convencional de gravação, o processo é inverso: grava-se primeiro a base instrumental e posteriormente a voz. Caetano Veloso e Gilberto Gil toparam a empreitada, e as gravações ocorreram no estúdio JS, em Salvador, o mesmo estúdio em que Gil anos antes, no início da carreira, gravava jingles para publicidade.
Caetano Veloso no estúdio JS, em Salvador, gravando voz para o seu "álbum branco".
Todo o processo de gravação e mixagem do álbum de Caetano Veloso (o segundo de sua carreira), assim como o de Gilberto Gil (o terceiro do cantor), ocorreu entre os meses de abril e maio de 1969. Foram envolvidos os estúdios JS, em Salvador, o Scatena, em São Paulo, e o da gravadora Philips, no Rio de Janeiro.
Intitulado Caetano Veloso, o segundo álbum de Caetano chegava às lojas em agosto de 1969. Logo de cara, o álbum estranhamente surpreendia o público visualmente: capa completamente branca trazendo tão somente o nome do cantor ao centro em forma de assinatura. Foi uma imposição dos militares que não permitiram o uso da imagem do cantor na capa do disco. A capa branca do segundo álbum de Caetano faz um contraponto ao colorido psicodélico da capa do álbum anterior do cantor.
Musicalmente, o “álbum branco” de Caetano, é marcado pelo ecletismo, assim como o álbum anterior do cantor baiano. O repertório deste segundo álbum, inclui bossa-nova, rock psicodélico, frevo, tango e até fado. Além dessa variedade, Caetano transita entre a tradição musical popular e o experimentalismo sonoro, duas das outras características do Tropicalismo no campo da música. O “álbum branco” de Caetano Veloso, como ficou conhecido, carrega uma aura de melancolia e tristeza, um reflexo do momento difícil em que Caetano vivia por causa dos meses de prisão.
O sentimento de tristeza se mostra sutilmente na primeira faixa do álbum, “Irene”. A canção foi composta quando Caetano quando estava preso no Rio de Janeiro, e a compôs sem violão. Caetano compôs a canção pensando na sua irmã Irene, em que ele manifesta a saudade de seu riso, que servia como um alívio para superar a dor da saudade da família e o tormento da vida no cárcere: “Eu quero ir, minha gente, eu não sou daqui / Eu não tenho nada, quero ver Irene rir / Quero ver Irene dar sua risada”. Curiosamente, a canção traz uma falha nos seus primeiros segundos: Caetano é acompanhado por Gilberto Gil que toca violão e faz a segunda voz, porém, ele erra. Eles recomeçam do zero novamente, e a canção segue normalmente. Não se sabe o motivo, o trecho inicial com a falha no processo de gravação ao invés de ser suprimido, foi mantido na gravação, o que acabou dando um certo charme à canção.
Propaganda do "álbum branco" de Caetano Veloso na edição de 20 de setembro de 1969 da revista Manchete.
“The Empty Boat” é uma canção em inglês composta por Caetano Veloso. O começo da canção é lento e melancólico. Mas a partir da metade da canção em diante, ela ganha um pouco mais de ritmo com a entrada do baixo, da bateria e da guitarra. Esta última, executada por Lanny Gordin, surge cheia de distorções, criando uma incrível textura sonora.
Caetano recupera uma canção tradicional do folclore baiano, “Marinheiro Só”. Ela começa no ritmo de samba do recôncavo baiano, com direito a percussão feita no prato pelo sambista baiano Tião Motorista. Mais adiante, a música descamba para um rock cheio de grooves fantásticos da linha de baixo, uma bateria garantindo um ritmo dançante e uma guitarra elétrica carregada de efeitos de wah-wah.
“Lost In The Paradise” começa calma num clima que remete à bossa nova, e à medida que a canção avança, ganha um tom rítmico mais agressivo. A canção termina com naipe de metais, violinos, solos de guitarra e o canto desesperado de Caetano num ritmo dançante.
Com “Atrás do Trio Elétrico”, Caetano difunde em escala nacional o trio elétrico, invenção da dupla Dodô & Osmar, que desde 1950, anima os carnavais de Salvador, tocando frevos em cima de caminhões sonorizados transformados em palcos ambulantes. Em “Atrás do Trio Elétrico”, o guitarrista Lanny Gordin executa solos de guitarra distorcidos de rock, e cheios de feitos de wah-wah num frevo elétrico. “Atrás do Trio Elétrico” possui uma sonoridade alegre e contagiante, que destoa da aura melancólica que domina o álbum.
Dodô e Osmar, em foto da década de 1970, inventores do trio elétrico (foto à esquerda) em 1950: inspiração para "Atrás Do Trio Elétrico".
Dos carnavais da Bahia, Caetano Veloso parte para o fado português em “Os Argonautas”, uma singela homenagem do baiano à cultura portuguesa. Caetano encarna com propriedade um fadista, com direito a sotaque português. Os arranjos muito bem trabalhados impressionam, e levam o ouvinte a ter a sensação de estar em alguma esquina de Lisboa. Caetano tomou emprestado versos de Fernando Pessoa (1888-1935), do texto “Navegar é Preciso” para emprega-los no refrão da canção: “Navegar é preciso / Viver não é preciso”. A frase antológica por sua vez, não foi uma exclusividade de Pessoa. O poeta português teria se inspirado na frase do general romano Cneu Pompeu (106–48 a.C.) que teria dito em latim: “Navigare necesse, vivere non est necesse" (“Navegar é necessário, viver não é necessário”).
Em “Carolina”, de Chico Buarque, Caetano canta de maneira calma e preguiçosa acompanhado do violão de Gilberto Gil. Da calmaria da canção anterior, Caetano se mostra altivo cantando em espanhol “Cambalache”, um tango do argentino Enrique Santos Discépolo (1901-1951), de 1934.
O guitarrista Lanny Gordin, um dos destaques do "álbum branco" de Caetano Veloso.
Uma curiosidade na versão de Caetano para “Cambalache” é que houve algum tipo de alteração na letra: trocou-se Stavisky por Toscanini, Carnera por Ringo Starr, e Don Chico por John Lennon. Na versão original é: “Que falta de respeto / Que atropello a la razón / Cualquiera es un señor / Cualquiera es un ladrón / Mezclaos con Stavisky / Van Don Bosco y la Mignón / Carnera y Napoleón / Don Chicho y San Martín”. Na versão de Caetano: “¡Qué falta de respeto / Qué atropello a la razón! / Cualquiera es un señor / Cualquiera es un ladrón... / Mezclao con Toscanini / Ringo Starr y Napoleón / Don Bosco y La Mignon / John Lennon y San Martín...”.
Embora composta por Caetano Veloso, “Não Identificado” foi gravada originalmente por Gal Costa em seu primeiro álbum solo, lançada meses antes do “álbum branco” do cantor baiano. A versão de Gal é uma bossa pop, enquanto que a de Caetano é uma canção pop com “pinceladas” de psicodelismo graças à guitarra de Lanny Gordin, cheia de distorção e efeitos de wah-wah. Na sequência, “Chuvas de Verão”, um samba-canção de Fernando Lobo (pai do cantor e compositor Edu Lobo) que trata de desilusão e fim de amor.
O experimentalismo tropicalista segue nas duas últimas faixas do álbum. “Acrilírico” é um poema de Caetano, cujo jogo de palavras e neologismos são inspirados na poesia concreta, uma das influências do Tropicalismo. O título do poema é uma junção das palavras “acrílico” e “lírico”. Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jussara Moraes, declamam os versos, tendo como pano de fundo musical, arranjos de orquestra que dão todo um clima de trilha sonora cinematográfica, incluindo colagens sonoras: sons de gelo no copo de vidro, sons de buzina, de carros e até de um peido, que teria sido dado pelo maestro e arranjador Rogério Duprat.
Maestro e arranjador Rogério Duprat
“Alfômega”, de Gilberto Gil, é quem fecha o “álbum branco” de Caetano Veloso, uma canção pop em que Caetano conta com participação de Gil nos vocais, além do violão. Os versos da música apresentam neologismo estranhíssimos “analfomegabetismo” e “somatopsicopneumático”. No livro Gilberto Gil – Todas as letras, de Carlos Rennó, há um depoimento de Gil em que ele explica o significado dessas estranhas palavras:
“O ‘analfomegabetismo’ – o analfabetismo cósmico, a nossa profunda ignorância acerca do universo aberto, vasto e vago do esoterismo; o mistério sobre isso. E o ‘somatopsicopneumático’ – a trindade, a soma de: soma, corpo, carma, encarnação do homem; psique, alma; e neuma (do grego sopro), espírito. A consciência disso.
Os termos vêm do procedimento concretista de ligar palavras e inventar neologismos compostos. Começando a estudar religiões orientais e ciências ocultas, eu convivia com palavras não popularmente difundidas, algumas de cujo significado até então eu não sabia (como ‘Neuma’, ‘neumático’; ‘soma’ eu já conhecia dos rudimentos de anatomia dados no ginásio) e que eram novidade para mim.
A música foi feita na Bahia quando encontro o Rogério Duarte e o Walter Smetak, e se dá a transposição desses interesses intelectuais e espirituais em minha música. ”
Anos mais tarde, “Alfômega” foi inspiração para a banda Pato Fu compor “A Necrofilia da Arte”, presente no álbum Televisão de Cachorro (1998).
Após as gravações do seus respectivos discos, Caetano Veloso e Gilberto Gil, mais o empresário dos dois, negociaram com os militares a permissão para a realização de dois shows. O objetivo era arrecadar fundos para custear a viagem dos artistas para o exílio no exterior. As negociações foram mediadas por um comandante da Polícia Federal. Caetano e Gil conseguiram a permissão, e nos dias 20 e 21 de julho de 1969, os dois se apresentaram juntos no Teatro Castro Alves, em Salvador. Contaram com Os Leif’s como banda de apoio, formada por quatro músicos muito jovens que nem se quer haviam chegado aos 20 anos de idade, dentre os quais o guitarrista Pepeu Gomes e o baterista Jorginho Gomes, futuros membros dos Novos Baianos. As apresentações de Caetano e Gil foram gravadas ao vivo precariamente, e lançadas no álbum Barra 69, em 1972, um registro muito ruim em termos de gravação.
Caetano e Gil no show de despedida, no Teatro Castro Alves, em Salvador, antes da partida para o exílio em Londres, na Inglaterra.
No dia 27 de julho, Caetano Veloso, Gilberto Gil e suas respectivas esposas, partiram para o exílio em Londres. Quando o “álbum branco” de Caetano, e o terceiro e autointitulado álbum de Gilberto Gil foram lançados em agosto do mesmo ano, os dois cantores baianos já estavam fora do Brasil. Os artistas só voltaram em definitivo ao Brasil, em 1972, quando naquele mesmo ano, cada um lançou álbuns antológicos: Caetano Veloso com Transa, e Gilberto Gil com Expresso 2222.
Faixas
Todas as faixas foram compostas por Caetano Veloso, exceto onde indicado.
Lado 1
“Irene”
“The Empty Boat”
“Marinheiro Só” (Tradicional. Adaptação e arranjo: Caetano Veloso)
Alex Beaupain é um premiado cantor, compositor e compositor. Ele chamou minha atenção pela primeira vez quando vi o filme Dans Paris , o segundo de seus seis filmes que ele compôs para o célebre cineasta Christopher Honoré.
(Pense em Blake Edwards e Henry Mancini - é uma parceria cineasta/compositor que abrange suas carreiras.) A música era tão bonita que assisti aos créditos para ver quem a criou. Assim que soube quem estava por trás da música, fiquei viciado.
Criado na tradicional Chanson Française, e influenciado por Alt, os principais cantores franceses de pop e rock do final dos anos 70 e 80, bem como pelos roqueiros ingleses The Smiths, Alex Beaupain é conhecido por seu pop literário, principalmente, letras de canções de amor cheias de metáforas e jogo de palavras.
Foi o terceiro filme de Beaupain e Honoré juntos, Les Chansons d'Amour , que consolidou seus lugares na história - Honoré como uma nova voz cinematográfica corajosa na tradição da Nouvelle Vague francesa e Beaupain como uma nova voz brilhante em Chanson française.
Beaupain escreveu todas as canções para o filme musical Les Chansons d'Amour , que lhe rendeu um Prêmio César (equivalente a um Oscar) de Melhor Trilha Sonora Original. O sucesso do festival de cinema tornou-se o filme de uma geração.
Suas outras trilhas sonoras incluem Dix-sept fois Cécile Cassard, La Belle Personne e Les Bien-Aimés (Beloved) , que foi o filme de encerramento do Festival de Cinema de Cannes de 2011 e lhe rendeu outra indicação ao Prêmio César.
Seus álbuns sem trilha sonora são Garçon d'honneur , 33 Tours , Pourquoi battait mon coeur , indicado ao Prêmio Constantin 2011, e seu último álbum, Après Moi le Deluge .
De Pourquoi battait mon coeur , aqui está o dueto “Avant la Haine” com Camelia Jordana :