sábado, 16 de novembro de 2024

Glory Days (1985) – Bruce Springsteen

 

Glory Days é o grande sucesso do rock, jukebox, do álbum Born in the USA de Bruce Springsteen . Foi o quinto single lançado do disco. Como fica evidente no videoclipe oficial, em nenhum lugar Bruce Springsteen mostra e abraça mais essa imagem de cidade natal e operário do que nesta música. Um cínico pode achar isso cafona agora, mas assistir ao vídeo ainda me traz um largo sorriso no rosto. Glory Days e Dancing in the Dark estavam entre as primeiras músicas que apresentei aos meus filhos do vasto catálogo de Bruce Springsteen, pois pensei que seu apelo cativante e otimista seria a maneira perfeita de fazer alguém tão jovem se interessar por sua música. Admito que minha apreciação pelo álbum Born in the USA se dissipou ao longo dos anos em preferência por outras músicas de seus discos menos conhecidos, mas não consigo deixar de pensar às vezes em... Glory Days !

A música foi escrita inicialmente como uma trilogia – um amigo (1º verso), uma garota (2º verso) e um pai (o “verso perdido”). Essas foram três pessoas que o impactaram significativamente e o ligaram à sua cidade natal. A referência do compositor americano abaixo pretende como Glory Days foi inspirado por um encontro casual com um antigo amigo do ensino médio, conforme retratado no 1º verso:

O verso relata um evento que aconteceu em Jersey Shore em 1973. Springsteen estava saindo do Headliner em Neptune quando cruzou o caminho de um velho amigo do ensino médio. Eles voltaram ao bar e relembraram suas aventuras anteriores jogando beisebol. Eles foram companheiros de assento na sétima série na St. Rose of Lima High School em Freehold. O speedballer em questão se chamava Joe DePugh e jogava no mesmo time de beisebol da Babe Ruth League. DePugh se destacou no monte, enquanto Springsteen jogou no campo direito e ganhou o apelido de "Saddie".

Springsteen lançou seu segundo álbum e recentemente abriu um show de arena para os Beach Boys. O grupo de Springsteen, que viria a ser chamado de The E Street Band, estava construindo uma forte reputação com seus shows ao vivo, e a dupla ficou no bar até ele fechar, relembrando seus "dias de glória".

…..Seu amigo Scott Wright ouviu “Glory Days” pela primeira vez e reconheceu a situação pela história de DePugh. Em 2011, DePugh disse a Kevin Coyne do  The New York Times , “Ele me disse, 'Springsteen tem um novo álbum, e tem uma música sobre você. É exatamente a história que você me contou.' DePugh não acreditou nele, então Wright pediu a música em uma estação de rádio de Montpelier, Vermont. “Minha esposa começa a chorar”, disse DePugh. “Foi assim que eu soube exatamente que era eu.”

Bruce decidiu emitir o verso do pai (você pode ler abaixo) da versão oficial porque percebeu que não se encaixava no enredo da música. Talvez se afastasse muito dos temas da juventude e que o futuro "sem saída" tornasse o tom sombrio. Ele também havia escrito sobre seu pai em outras músicas ouvidas no disco Darkness on the Edge of Town .
Glory Days alcançou o 5º lugar na  Billboard no verão de 1985. Foi o quinto de um recorde de sete singles de sucesso no Top 10 lançados por  Born in the USA

[Verse 1]
I had a friend was a big baseball player
Back in high school
He could throw that speedball by you
Make you look like a fool, boy
Saw him the other night at this roadside bar
I was walking in, he was walking out
We went back inside, sat down, had a few drinks
But all he kept talking about was

[Chorus]
Glory days
Well they’ll pass you by, glory days
In the wink of a young girl’s eye, glory days
Glory days (Alright)

[Verse 2]
Well, there’s a girl that lives up the block
Back in school, she could turn all the boys’ heads
Sometimes on a Friday, I’ll stop by and have a few drinks
After she put her kids to bed
Her and her husband, Bobby, well they split up
I guess it’s two years gone by now
We just sit around talking about the old times
She says when she feels like crying, she starts laughing, thinking ’bout

[Chorus]

[Missing Verse]
My old man worked twenty years on the line
And they let him go
Now everywhere he goes out looking for work
They just tell him that he’s too old
I was nine-years old and he was working
At the Metuchen Ford plant assembly line
Now he just sits on a stool down at the Legion Hall
But I can tell what’s on his mind

[Verse 3]
I think I’m going down to the well tonight
And I’m gonna drink till I get my fill
And I hope when I get old I don’t sit around thinking about it
But I probably will
Yeah, just sitting back, trying to recapture
A little of the glory, yeah
Well, time slips away and leaves you with nothing, mister
But boring stories of



Stage Fright (1976) – The Band (The Last Waltz)

 

De todas as músicas do show The Last Waltz , Stage Fright sempre foi a que mais cativou minha sensibilidade musical. É uma música tão incomum e digo isso da melhor maneira possível. Como o título sugere, o baterista do The Band, Levon Helm, escreveu que a música é sobre " o terror de se apresentar ".
O estilo vocal de Rick Danko é cru e terno e se encaixa nos temas de ansiedade e dúvida da música. Sua voz soa como a de um homem no limite, lutando com as pressões da fama e da expectativa. Não é perfeita, mas é poderosa e cheia de emoção e, como espectador, você se sente atraído por sua situação. Originalmente, Robertson pretendia que fosse cantada por Richard Manuel, mas ficou claro que a música era mais adequada à " voz nervosa e trêmula " de Danko. Helm considerou a música como uma " obra de arte " para o vocalista e baixista Rick Danko, especialmente no uso de um baixo sem trastes, que, de acordo com Helm, " deu à seção rítmica uma sensação diferente ".

Também musicalmente, The Band traz uma sensação de tensão e liberação que espelha a exploração desses temas pela música, ao mesmo tempo em que fornece o cenário perfeito para os vocais de Rick Danko. Logo nas notas de abertura, o órgão giratório de Garth Hudson cria uma atmosfera nervosa, quase inquieta. O trabalho de guitarra de Robbie Robertson é afiado, mas contido, com riffs cortantes que refletem o lado nervoso de alguém tentando se manter firme sob pressão.

Além do lendário show The Last Waltz, como visto abaixo, uma apresentação ao vivo de Stage Fright aparece em  Before the Flood , um álbum ao vivo da turnê de 1974 da The Band com Bob Dylan, que foi meu primeiro álbum de Bob Dylan. A música foi lançada originalmente em 1971 como single na Dinamarca, de todos os lugares. Foi relançada como lado B do single Most Likely You Go Your Way (And I'll Go Mine) de Dylan em 1974.

[Verse 1]
Now deep in the heart of a lonely kid
Who suffered so much for what he did
They gave this ploughboy his fortune and fame
Since that day he ain’t been the same

[Chorus]
See the man with the stage fright
Just standin’ up there to give it all his might
And he got caught in the spotlight
But when we get to the end
He wants to start all over again

[Verse 2]
I’ve got fire water right on my breath
And the doctor warned me I might catch a death
Said, “You can make it in your disguise
Just never show the fear that’s in your eyes”

[Chorus]

[Bridge]
Now if he says that he’s afraid
Take him at his word
And for the price that the poor boy has paid
He gets to sing just like a bird, oh, ooh ooh ooh

[Verse 4]
Your brow is sweatin’ and your mouth gets dry
Fancy people go driftin’ by
The moment of truth is right at hand
Just one more nightmare you can stand

[Chorus]

[Outro]
Hmm hmm
You wanna try it once again, hmm hmm
Please, don’t make him stop, hmm hmm
Let him take it from the top, hmm hmm
Let him start all over again


Blondie - "Parallel Lines" (1978)

 

"Os colegas nos rotularam
de renegados disco"
Clem Clarke
(baterista)



Depois do estouro do punk e do entusiasmo inicial em torno da novidade, as coisas foram esfriando um pouco e a linguagem, por vezes, excessivamente limitada do estilo começava  e clamar por novas possibilidades. Assim, muitas outras que surgiam naquele finalzinho da década de 70 e até mesmo bandas da própria cena punk passavam a incorporar elementos de funk, de disco-music, teclados e novos recursos tecnológicos da época à linguagem do punk obtendo como resultado uma interessante mistura ainda minimalista, básica, porém mais dançante, charmosa e sofisticada. De certa forma, assim podemos definir a new wave, estilo do qual o Blondie é sem dúvida um dos maiores representantes e símbolo irrefutável desta transição punk/pop.
Tendo a frente a sensual e carismática Debbie Harry, o Blondie transitava com facilidade entre os dois mundos, agradando os alternativos da cena underground e a um público mais interessado em mexer o esqueleto, projetando desta forma um novo momento de música pop para os anos 80. Seu terceiro álbum de 1978, "Parallel Lines" é o que melhor traduz estas situações, num trabalho vigoroso, contagiante e muito bem acabado.
É inegável que o grande momento do álbum é a espetacular "Heart of Glass", uma genial rock-disco de vocal sexy e inevitável apelo dançante e comercial, mas não seria justo deixar de citar a vibrante "Hanging on the Telephone" que já abre o disco mostrando a que vem; "One Way or Another" com vocais rasgados e gritados da musa loira; a queridinha "Sunday Girl"; a ótima "Pretty Baby"; "I Know But I Don't Know" que lembra muito  "Quem Tem Medo de Brincar de Amor" d'Os Mutantes; e a esquisita "Fade Away (and Radiate)" com guitarra espetacular de Robert Fripp do King Crimson.
Um daqueles discos que mudaram o rumo das coisas. Com "Parallel Lines", mais especificamente com "Heart of Glass", o Blondie mostrava como se conjugava pop comercial com rock mantendo a qualidade e não sendo necessariamente descartável.
A lição havia sido dada. O pessoal que veio em seguida, nos 80's, aprendeu direitinho.
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FAIXAS:
1.Hanging On The Telephone 
2. One Way Or Another 
3. Picture This 
4. Fade Away And Radiate 
5. Pretty Baby 
6. I Know But I Don't Know 
7. Will Anything Happen 
8. Sunday Girl 
9. Heart Of Glass 
10. I'm Gonna Love You Too 
11. Just Go Away




Black Sabbath - "Paranoid" (1970)

 


"Satã está rindo
 e expandindo suas asas"
da letra de "War Pigs"


Às vésperas de uma nova vinda de Ozzy Osbourne ao Brasil vale lembrar aos menos informados que só o conhecem por conta de um reality-show familiar que andou rolando por aí, que o cara nem sempre foi aquele velho meio abobalhado e sequelado do programa da TV. Há muito tempo atrás, ele ao microfone do Black Sabbath dava forma, provavelmente, de maneira definitiva ao que hoje se convencionou chamar de heavy-metal. O Deep Purple já anunciava caminhos, o Led já tinha uma sonoridade, mas aqueles caras trataram de acrescentar algo que faltava. Definiram o peso, o estilo, as letras e o comportamento de um dos gêneros mais consagrados, idolatrados e seguidos  do mundo do rock.
"Paranoid", seu segundo disco é um clássico! A própria música-título com sua levada galopante, acelerada, é um dos maiores símbolos da banda da época, da banda e do rock. "Iron Man" com seu andamento arrastado e troante é outra daquelas cujo riff ficou marcado para a eternidade. 'War Pigs" que abre o disco, com sua estrutura vocal-resposta  instrumental e suas retomadas violentas, é um petardo, um míssil, uma bomba contra a guerra nuclear.
Das menos conhecidas, vale destacar a forte e intensa "Hand of Doom" e "Planet Caravan" que dá uma quebrada no ritmo alucinante do resto do disco.
Os temas satânicos, místicos, o protesto, o gestual, o figurino, o comportamento ajudaram a consolidar um carácter específico, constituir uma imagem metaleira e a incluir definitivamente o termo "METAL" no dicionário do rock; e neste contexto, "Paranoid", em especial, como um marco, não apenas pela qualidade mas muito pela representatividade num âmbito geral.
De ponto negativo tem a capa do álbum que é triste de se ver. Uma espécie de guerreiro ou sei lá o quê com uma roupa ridícula, um capacete de astronauta com uma espada luminosa parecendo jedi, pronto para o ataque. Péssimo
Mas... não se pode ter tudo.
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FAIXAS:
1. "War Pigs" 7:57
2. "Paranoid" 2:52
3. "Planet Caravan" 4:34
4. "Iron Man" 5:56
5. "Electric Funeral" 4:52
6. "Hand of Doom" 7:09
7. "Rat Salad" 2:30
8. "Fairies Wear Boots" 6:14




Black Grape - "It's Great When You're Straight... Yeah" (1995)

 


"Shaun Ryder nos Happy Mondays não era eu.
Ele era uma caricatura"
Shaun Ryder,
da autobiografia “Twisting my Melon”



“Os Happy Mondays nunca mais haviam gravado nada de muito interessante. Não como Happy Mondays”.

Assim terminei a resenha do disco "Pills 'n' Thrills and Bellyaches", aqui nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Pois é. Pois não é que pouco tempo depois de anunciarem o fim da banda, apareciam com um novo projeto, encabeçado pela dupla de frente do Happy Mondays, Shaun Ryder e o dançarino Bez? Era o Black Grape.

Contando com músicos de diversas outras bandas, um DJ, metais, percussionistas, o som dos ex- Mondays aparecia agora ainda mais dançante, mais black, incrementado com elementos rap, hip-hop, funk e reggae, e “It's Great When You're Straight... Yeah” de 1995, seu álbum de estreia soa como uma grande festa cheio de vibes, fanfarras e curtição.

“Reverend Black Grape”, que abre o disco já dá o tom, numa faixa embalada, cheia de funk, tempero e salvas, com uma harmônica marcante e gostosa que pontua a canção ao longo de sua duração. Uma nova religião estava sendo inaugurada e o seu líder era um reverendo devasso! A ótima “In the Name of the Father”, com ares meio indianos, teve inclusive um trecho adaptado para o tema do filme “Madagascar'; a irônica “Kelly's Heroes”, mais rockada, tem uma guitarra sobreposta aos outros instrumentos, que conduz a música de maneira vibrante; a chapada “Tramazi Party”, aludindo aos 'comprimidinhos' das festas, cheia de metais, é louca, frenética e muito legal; “Shake Well Before Opening” lembra muito “Bob's Yer Uncle” dos próprios descendentes; “A Big Day in north” vai numa levada mais lenta e sensual; “Shake Your Money” tem um embalo todo reggae, num clima mais ameno; e “Little Bob”, encerra a festa em grande estilo, mantendo o clima lá em cima,  num encerramento digno de um grande álbum.

Era como se fosse o Happy Mondays com outro nome tendo acompanhado a evolução sonora daquele tempo, as tendências, os recursos, o momento. Se era o que tinha que acontecer para que voltassem a fazer um grande disco, que fosse. O resultado deu certo.

Ao que parece, soube por alto, os Happy Mondays estão de volta à ativa, mas sem o mesmo brilho de outrora, ou mesmo sem o brilho do próprio Black Grape. Uma sugestãozinha apenas: já pensaram em mudar de nome de novo?

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FAIXAS:
  1. " Reverend Black Grape " – 5:12 
  2. "In the Name of the Father" – 4:21 
  3. "Tramazi Parti" – 4:45 
  4. "Kelly's Heroes" – 4:22 
  5. "Yeah Yeah Brother" – 4:10 
  6. "A Big Day in the North" – 4:10 
  7. "Shake Well Before Opening" – 5:40 
  8. "Submarine" – 3:50 
  9. "Shake Your Money" – 4:13 
  10. "Little Bob" – 5:33



Black Alien - “Abaixo de Zero: Hello Hell” (2019)

 

"Quem precisa de correntes de ouro pra ser Gustavo?/
Quem precisa de correntes de ferro pra ser escravo?"
Da letra de "Área 51"

“Eu sou o agora.”
Da letra de "Que nem o meu Cachorro"

Após os Racionais MC’s terem aberto a porteira para o novo rap brasileiro nos anos 90, uma questão se formou: identificar este gênero musical dentro do contexto da música brasileira. Por incrível que pareça, não foi aquele que lançou a principal interrogação pós-“Sobrevivendo no Inferno” quem matou a charada. Se Marcelo D2 foi quem propôs encontrar “a batida perfeita”, a qual pressupunha uma junção do estilo marginal e urbano norte-americano com o samba brasileiro, coube a outro ex-Planet Hemp ser o verdadeiro achador deste formato próprio de um hip hop que respondesse aos anseios de seus criadores e de um novo mercado fonográfico no Brasil: Black Alien. Não é de se estranhar, afinal Gustavo de Almeida Ribeiro sempre se diferenciou dentro da Planet. Enquanto os outros integrantes exauriam o discurso do “Legalize Já!”, este carioca de São Conrado mostrava-se conectado com uma infinidade de referências como jazz, literatura, psicanálise, pós-punk e cinema cult, visão “extrapunk/extrafunk” que lhe dava mais condições de perceber além, de ver que o grito libertário da geração pós-Ditadura deveria ser necessariamente mais amplo. Tanto foi coerente e certeiro que, em seu primeiro disco solo, “Babylon By Gus Vol. 1 – o Ano do Macaco”, de 2004, foi ele quem, na esteira de Sabotage e seu "Rap É Compromisso!", de três anos antes, encontrou a tal batida perfeita. Chegava-se, enfim, ao que se pode chamar de rap brasileiro.

Acontece que, se a batida é perfeita, as quebradas são tortas. O cara que abriu as portas para que viessem a público os novíssimos talentos do rap brasileiro, como Criolo, Emicida, Rincon Sapiência e Baco Exu do Blues, levou mais de uma década para lançar um segundo trabalho, o irregular “No Princípio Era o Verbo – Babylon by Gus, Vol. II”. Neste meio tempo, Criolo já havia colocado o gênero de ponta-cabeça com o revolucionário “Nó na Orelha”, em que abria um paradigma como há décadas não se via na música brasileira, Emicida reinventava o discurso da negritude, Rincon retornava às raízes da África para forjar uma nova poesia nagô e Baco elevava o estilo ao nível de art-rap como apenas ousaram MF Doom e Beastie Boys. Black Alien parecia haver perdido o passo, perdido o tempo da batida. Alguma coisa haveria de estar imperfeita – e estava. A dependência química, hábito da adolescência, tomava dimensões indesejáveis na vida do músico a ponto de lhe atrapalhar a carreira e a produção artística. A ponto de quase o deixar à sombra de seus discípulos.

Só que, como diz o próprio Black Alien: “Não ir pra frente é retrocesso, nada que vale a pena é fácil”. Precisou, então, descer abaixo do nível zero e dar um alô para o diabo para que ressurgisse. Limpo das drogas e de tudo que não lhe interessava, Black Alien, como a fênix, lança, 17 anos depois da estreia solo, seu terceiro e melhor álbum: o corajoso e autorreferencial “Abaixo de Zero: Hello Hell”. Coeso, tal grandes discos da MPB do passado tem curta duração, o suficiente para apresentar, em menos de 10 faixas, uma música altamente impactante e bem produzida feita basicamente a quatro mãos com o produtor carioca Papatinho nas composições, beats, samples e programações. Black Alien desfila, com uma poesia áspera e sofisticada, visto que rica em figuras de linguagem e rimas rebuscadas (dos tipos emparelhada, coroada, preciosa, entre outros), versos confessionais e conscientes sobre drogas, religiosidade, existência e política, mas sem cair no enfadonho. Pelo contrário. "Área 51", que abre o disco, manda ver em versos brilhantes como estes: “Invicto no fracasso, invicto no sucesso/ A gata mia, boemia aqui não me tens de regresso/ De boa aqui na minha, não foi sempre assim, confesso/ Levitei em excesso, neve tem em excesso/ A costela quebrada me avisa quando eu respiro/ A favela e a quebrada te avisam quando me inspiro”. E o refrão é impagável: “Vim pesadão ninguém vai me ‘dirrubá’/ E problema com pó quem tem é o dono do bar”.

Outra joia confessional, o charme-soul “Carta pra Amy” nem precisa mencionar a homenageada em sua letra para dar o recado. Versos doloridos e inspiradíssimos aprofundam a ideia central do disco, elevando a reflexão a questões existenciais e da religiosidade (“Jurei por Deus que ia acertar as contas/ E aí lembrei que é Deus quem acerta as contas/ Ele acerta no início, no meio, e no fim das contas”). Mas sempre com a visão catalisadora, como nesta passagem em que traz a banda de David Byrne como referência: “Vencer a mim mesmo é a questão/ Questão que não me vence/ Minha cabeça falante fala pra caralho/ E aí my talking head stop makin’ sense”. Usa este mesmo último verso, aliás, para criar outra analogia, numa rima indireta com o nome Byrne: "No confinamento as paredes são minhas páginas de cimento/ Babylon burn." Sem deixar, ainda, de alfinetar a demagogia dos ex-companheiros de grupo (“Quando legalizarem a planta/ Qual vai ser o seu assunto? Cara chato”), Black Alien guarda para o refrão o mais alto nível poético e literário em que conjuga Bob Marley, William Faulkner e C.J. Young num tempo: “Mostre-me um homem são e eu o curarei/ You’re runnin and you’re runnin’ and you’re runnin’ Away/ Não posso correr de mim mesmo/ Eu sei, nunca mais é tempo demais/ Baby, o tempo é rei/ Em febre constante e o dom da cura/ Nem mais um instante sem o som e a fúria”.

A dissonante “Vai Baby” literalmente descontrói o compasso para problematizar a questão do sexo neste novo contexto de vida longe das drogas. Mais uma vez, contudo, a veia poética faz com que Black Alien não recorra a um artifício óbvio, mencionando o filme “Mais e Melhores Blues”, de Spike Lee (1990), para representar, numa metonímia, a ideia do casamento entre erotismo e música negra. “Quero mais e melhores blues/ Com água sob os pés, sobre a cabeça, céus azuis/ Mais e melhores jazz, mais e melhores Gus/ Só de tá na busca, eu tô além do que eu supus”. Passo além dentro da própria obra de Black Alien, lembra em temática “Como eu te Quero”, sucesso de seu primeiro disco, porém noutro nível de maturidade.

Outra pungente, "Que Nem o Meu Cachorro", com um belo e circunspecto riff jazzístico de piano, fala da força de vontade para manter-se sóbrio, num esforço artístico e pessoal de autorreconhecimento. Black Alien diz a si mesmo: não esquecer para não reincidir. “Bem-vindo ao meu lar, cuidado pra não tropeçar, a mesa ainda tá aqui, porém mudei certezas de lugar”, alerta. A animalização causada pela dependência química (“Tô que nem o meu cachorro no domínio do latim”) é suplantada pela consciência do “só por hoje”“pois”, como diz a letra, “a zona de conflito é minha zona de conforto, e a estrada pro inferno se desce de ponto morto, então parou com a zona”. E finaliza: "Não tô nem aí, nem lá, tô bem aqui, além do que se vê/ Se vêm baseado no passado, só há um resultado: 'Cê' vai se fuder.”

Referência direta ao cool jazz e a Dave Bruback, “Take Ten” adiciona ao relato pessoal a crítica ao sistema: “Quem me viu, mentiu, país das fake News/ Entre milhões de views e milhões de ninguém viu”. Além disso, estão num mesmo caldeirão John ColtraneDisney, Dr. Jekyll Mr. Hyde e Jimi Hendrix e anáforas geniais como estas: “Hoje cedo no Muay Thai de manhã/ Outros tempos, só Deus sabe onde ia tá de manhã/ O cara vai ter pra adiantar de manhã/ Praticava o caratê de rá-tá-tá de manhã”. 

Sensual e picante como já havia trazido em “Vai Baby”, “Au Revoir”, no entanto, também reflexiona a relação amorosa imbricando-a com a passagem do tempo e, novamente, o sentimento de atenção ao presente: “Não tem como saber sem ir/ Aonde a gente vai chegar/ Au revoir/ Mais e melhores blues/ Assinado Guzzie”. Como diz Fernando Brant em naqueles versos clássicos: “O trem que chega é o mesmo trem da partida”. Já a tocante "Aniversário de Sobriedade" relembra com distanciamento o Gustavo “fundo do poço” para que o mesmo não seja esquecido. Que letra! Ao mesmo tempo forte, autocrítica e filosófica e na qual Black Alien cita até Nietsche. Metalinguística, referencia a sua própria obra “Babylon By Gus” para escancarar seu comportamento no passado e o quanto isso o fez desperdiçar oportunidades: “Vishh!!!/ Meu ‘cumpadi’ que fase/ Me olho no espelho ‘mas Gustavo, o que fazes?’/ Cadê as letras?/ Esqueceu da caneta/ Fica só cheirando em cima do CD de bases/ Os beatmakers, os melhores do país/ E eu só vou pra Jamaica pra acalmar o meu nariz/ Mete a venta e não produz/ Bye bye Gus, babylon by trevas volume zero, sem luz”. No estúdio com ele e Papatinho, ainda Julio Pacman nos teclados e o suingado solo de sax de Marcelo Cebukin.

Black Alien reserva para o fim de um disco irretocável aquilo que desde a Planet foi seu forte, que é a crítica social. Porém, “Jamais Serão” traz esta verve agora filtrada pelo "despertar temporão" do novo Gustavo, percorrendo uma lógica que vai do particular para o público. Tradução da era Temer, que havia se instaurado com o golpe político-jurídico à época da feitura de “Abaixo de Zero...”, a música astuciosamente prevê que o pior ainda viria no governo Bolsonaro. No entanto, alerta com esperança que "presidentes são temporários". E sentencia: "música boa é pra sempre/ esses otários jamais serão".

Rap, trap, reggae, funk, rock, charme, soul, jazz e R&B. Deu para perceber que não se fala de samba? Pois é: Black Alien não só achou a “batida perfeita” acalentada por D2 quanto, ainda, desmistificou que rap no Brasil precisa ser “tropicalizado”. A se ver por um estilo pós-moderno e de origem suburbana que é, não haveria de precisar abrasileirar-se para se tornar essencialmente brasileiro visto a semelhança socioantropológica que une as nações de diáspora negra. Com uma sonoridade quase doméstica e despida de rodeios – ao contrário do caminho tomado por D2, Emicida e, principalmente, Criolo, que evoluiu para um som além do próprio rap – o feito de Black Alien conquistou o Prêmio Multishow como Disco do Ano e foi eleito o Melhor Álbum pelo Prêmio APCA de Música Popular. “Abaixo de Zero...”, no entanto, mostrou muito mais do que um encontro classificatório para as prateleiras de lojas ou playlists de streaming. O principal achado não estava fora, mas dentro do próprio artista. Afinal, Black Alien entendeu que ele é “o agora”.

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FAIXAS:
1. "Área 51" - 2:46
2. "Carta pra Amy" - 4:23
3. "Vai Baby" - 2:57
4. "Que Nem o Meu Cachorro" - 3:31
5. "Take Ten" - 2:33
6. "Au Revoir" - 3:27
7. "Aniversário de Sobriedade" - 2:45
8. "Jamais Serão" - 2:59
9. "Capítulo Zero" - 1:27
Todas as composições de autoria de Black Alien e Papatinho




Björk - "Post" (1995)


"Fico orgulhosa quando dizem
que minha música é pop, experimental, divertida,
triste, raivosa, jazz, punk, rock,
techno, abstrata, simples, inteligente.
Não acho que seja apenas dance."
Björk



Depois daquele majestoso primeiro álbum solo, quase ninguém tinha dúvidas de que o que viria em seguida seria ainda melhor. Não que decepções no mundo da música, baseadas na expectativa que uma estreia brilhante promete não aconteçam. Pelo contrário, acontecem toda hora. Não é raro ver-se um surgimento espetacular prenunciando uma carreira altamente promissora e vir então um segundo trabalho insosso, sem graça, sem criatividade ou uma mera caricatura do anterior. Mas no caso de Björk a evolução era muito evidente e apontava para algo inevitavelmente positivo. O primeiro álbum de sua banda Sugarcubes, interessante mas um tanto tosco; o segundo com um pop mais lapidado, aprimorado, mas sofrendo de problemas de produção; o terceiro mais bem produzido e com uma Björk  mais solta e tendo seu devido destaque em relação a uma banda limitada; e a estreia solo com um pop de qualidade, ritmo, ousadia, experimentação e referências. O caminho indicava que as alternativas escolhidas e exploradas por Björk fossem ainda mais aprofundadas, que ela fosse ainda mais ousada, que suas referências ficassem mais evidentes e que uma produção, aperfeiçoada, proporcionasse isso. Não deu outra! "Post" (1995), o segundo disco de carreira solo da cantora islandesa é ainda melhor que o ótimo "Debut" que a lançara para o mundo.
Os ritmos eletrônicos e dançantes que em "Debut" soavam mais óbvios e quase festivos, em "Post" soam experimentais, atuais, agressivos, minimalistas e inusitados. A poderosa "Army of Me", um metal-punk-eletrônico de ritmo intenso, pesado e repetido é uma das provas dessa releitura de linguagem, abrindo o álbum já de maneira acachapante. A espetacular "Enjoy', agrega às características referidas a influência de ritmos brasileiros, provavelmente fruto da proximidade da artista com o produtor brasileiro Eumir Deodato, retumbando como uma superbatucada trip-hop que apesar de valer-se da percussão de maneira fundamental, garante o ritmo sem fazer uso de tambores ou de uma percussão mais pesada.
A influência brasileira está presente também na monumental "Isobel", um épico orquestrado de interpretação envolvente e emocionante da cantora, que segundo ela mesmo, tem como inspiração a cantora brasileira Elis Regina.
"I Miss You" aproxima-se a linha dance mais convencional, assemelhando-se um pouco mais com canções do primeiro disco como "Violently Happy","There's More to Life Than This" e "Bigtime Sensuality", por exemplo. Bem como a dançante "Hyper-Ballad", outra bem eletrônica, esta porém, diferenciando-se de maneira mais significativa das antigas por conta de sua composição mais complexa e estrutura crescente.
Com um genial sampler daquelas antigas conexões de linha de internet que tanto nos irritavam, uma batida lenta e com o gostoso chiadinho de vinil, cuidadosamente audível, a sensual "Possibly Maybe" é outra que merece grande destaque, assim como a boa "The Modern Things" de início gracioso, minimalista, lúdico, brincando com elementos eletrônicos até  ganhar corpo e intensidade em seguida tomando uma forma monumental pelos ímpetos instrumental e vocal.
"Cover Me", que explora ritmos japoneses; e "Headphones", onde a voz de Björk, brincando com sílabas e palavras, é acompanhada minimamente por sons eletrônicos e uma percussão muito leve, são responsáveis pela parte mais experimental do disco, em canções menos embaladas mas que se trabalham possibilidades musicais e rítmicas.
A teatralidade de canções como "Isobel" e "The Modern Things" já seriam suficientes para mostras do gosto de Björk pelo cinema, mas isto fica mais evidente em canções como "You've Been Flirting Again" e  especialmente na adorável "It's Oh So Quiet" de performance excepcional da cantora, que ao estilo dos antigos musicais de Hollywood, alterna vocais sussurrados e cochichos com gritos histéricos no refrão, fazendo este jogo com incrível domínio da interpretação.
Coisas como estas ousadias de interpretação, a inventividade e a singular voz de timbre infantil fazem de Björk uma das artistas mais interessantes que apareceram no meio musical nos últimos tempos. Particularmente, apesar de achá-la extremamente talentosa, às vezes acho que ela abusa um pouco da criatividade e acaba tendo um resultado final duvidoso, mas não há como negar que, mesmo quando produz algo muito fora dos padrões, não deixa de ser algo no mínimo instigante musicalmente. Mas "Post" tem o mérito de estar no meio do caminho de tudo isso, sendo criativo, acessível, dançante, arrojado, forte, artístico e inspirado, e por isso tudo um dos melhores álbuns dos anos 90 e sem dúvidas um ÁLBUM FUNDAMENTAL.
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FAIXAS:
  1. "Army of Me" (Björk/Graham Massey) – 3:54
  2. "Hyper-Ballad" (Björk) – 5:21
  3. "The Modern Things" (Björk/Graham Massey) – 4:10
  4. "It's Oh So Quiet" (Hanslang/Reisfeld) – 3:38
  5. "Enjoy" (Björk/Tricky) – 3:56
  6. "You've Been Flirting Again" (Björk) – 2:29
  7. "Isobel" (Björk/Nellee Hooper/Marius de Vries/Sjón) – 5:47
  8. "Possibly Maybe" (Björk/Nellee Hooper/Marius de Vries) – 5:06
  9. "I Miss You" (Björk/Howie B) – 4:03
  10. "Cover Me" (Björk) – 2:06
  11. "Headphones" (Björk/Tricky) – 5:40



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