Serpente no jardim
Rui Veloso
Custa ver-te assim dançar
Como ave sem bando
Sem ninguém a quem se dar
Que só de ver rodopiando
Quase faz doer o olhar
As rosas têm ciúme
Se tudo à volta se ergue
Em rendida salvação
Mas diz-me para que serve
Dançares só para ti essa canção
Venho acordar-te do sono de narciso debruçado
Sobre o lago surdo cego mudo e quedo
Olha para mim
Sou a serpente no jardim
Tens direitos de rainha
Não queres saber de nada
És poder em toda a linha
Mas beleza imaculada
Não toca em fibra minha
Vou picar em ti o meu ferrão
Com geleia de Cupido
Vais aterrar no chão
Provar o amor sabido
E morder o pó da paixão
Sete partidas
Rui Veloso
Ouço uma voz que me canta velhas canções esquecidas
E embala o meu sonho num cais de sete partidas
Como água morrente no longe vai e vem o madrigal
Provença que soas ainda nas nopites de portugal
Viajantes de alexandria mostram laca e seda fina
Ouro pimenta e marfim porcelana e musselina
Falam do preste joão dizem do seu paradeiro
Aos altos da etiópia vou mandar um mensageiro
Acordo todas as manhãs com ecos dessa canção
Sete partidas cinco chagas vãs águas morrente e sião
Cantiga de amigo provença no coração
Embala o meu sonho e leva-me ao preste joão
Canção que trazes aromas de alóes e benjoim
Aponta na minha carta onde se cheiram coisas assim
Para lá da núbia doirada para lá dos dardanelos
Na pérsia na india encantada até aos rios amarelos
Vejo passar caravanas na língua dos mercadores
E as cidades italianas brilham em seus esplendores
Tenha eu a certeza do que me canta essa voz
E um dia génova e venza hão-de ouvir falar de nós
Acordo todas as manhãs com ecos dessa canção
Sete partidas cinco chagas vãs águas morrente e sião
Cantiga de amigo provença no coração
Embala o meu sonho e leva-me ao preste joão
Sexta-feira Nem Que Chova
Rui Veloso
São oito menos cinco
Já piquei o cartão
Para começar o dia
Entro na oficina
São oito menos cinco
De mais uma bela matina
Ao toque da sirene
Ponho as mãos no aço
Saltam as limalhas
Ficam no cachaço
Ao toque da sirene
Marco o meu compasso
A manhã vai lenta
Do meio-dia nem sinais
Tenho a boca amarga
Com o sabor dos metais
A manhã vai lenta
E as horas duram mais
Vou fumar um cigarro
Até ao w. c.
Sabe-me pela vida
E sempre dá alento
Vou fumar um cigarro
Aproveito e queimo o tempo
O que vale é sexta-feira
Depois é dia de alcova
Cuidado com a soneira
Cuidado com o escova
O que vale é sexta-feira
Sexta-feira nem que chova
Vou indo devagar
Não ligo a louvores
Não me vou esfolar
Também não sou um sorna
Mas para a obra acabar
Há tempo até à reforma
Sem comentários:
Enviar um comentário