George Russell foi um músico de mão cheia. Para além desse facto, inovou como poucos e por isso mereceu o céu. Ou melhor, tornou-se dono e senhor do espaço.
Jazz In The Space Age é um disco clássico, de culto, objeto raro, peça de coleção, daquelas que para a possuirmos em vinil, teremos de pagar couro e cabelo. Pertence a uma mitologia à parte no extenso universo do jazz, espécie de buraco negro virado ao contrário, que em vez de sugar (partindo do princípio que é isso que fazem esses abismos cósmicos) devolve ao mundo paisagens de enorme beleza. Até na música fica bem o altruísmo, e George Russel distribuiu mestria e conhecimento por onde passava sem esperar agradecimentos ou quaisquer outras manifestações de circunstância e pompa. As suas teorias post-bop como o jazz modal influenciaram nomes sagrados. Miles Davis e John Coltrane, por exemplo, foram seus claros discípulos e isso notou-se em álbuns como Milestones (1958) ou Kind of Blue (1959), ambos com participação do génio por detrás de A Love Supreme (1965).
O lançamento do Sputnik-1 pelos soviéticos deu início, como bem sabemos, à corrida espacial, mas a sua importância histórica nesse domínio do conhecimento alargou-se e criou lastro, influenciando muitas outras áreas da criação humana, sobretudo pelo forte simbolismo inerente ao facto de, pela primeira vez, o homem lançar para o Espaço um satélite artificial. Tal acontecimento mexeu com o imaginário artístico e chegou, por exemplo, à música, e ao jazz em particular. Foi assim que surgiu Jazz In The Space Age, em 1960, através do selo Decca, que já produzia discos desde 1929. O álbum de George Russell começou, então, a trilhar o caminho da glária que ainda hoje transporta de forma bem acesa.
Jazz In the Space Age faz-se de seis composições e a sua duração quase chega aos quarenta e dois minutos e trinta segundos. Não é um mau tempo para uma tão boa e rica viagem, sobretudo pelas três partes das “Chromatic Universe”, exemplos perfeitos de como a improvisação (mas não só) pode ser tão bela quanto inquietante e fresca, ao mesmo tempo. Aqueles minutos iniciais de “Chromatic Universe, Part 1” são simplesmente maravilhosos. Os restantes também, quando o piano de Bill Evans começa a dar cartas. O de Paul Bley também. Ambos os solistas espalham magia, estendendo-a às suites seguintes, as segunda e terceira partes desse universo cromático tão belo e poderoso como alguns dos trabalhos de Alexander Calder, repletos de luz e de cor, festivos como os sons de George Russell.
Mas a festa cósmica não se fica pelas teclas, fazendo-se também dos sopros de Hal McKusick e Walt Levinsky em “Dimensions” e “The Lydiot”. Louca, a agitação produzida por ambos, através dos seus saxofones altos. Um corrupio fabuloso que nos deixa tontos de satisfação! Mas como o Espaço é infinito, há tempo de sobra para sobre ele valsarmos, por exemplo. A penúltipla composição do disco, a serena “Waltz From Outer Space”, é outro momento de elevada beleza, e até parece poder ser possível darmos um pezinho de dança entre Saturno e Marte, por entre os cinturões de asteroides musicais que nos enlevam e circundam. Mágico, como mágico também é o fecho da viagem, com a última parte da suite mencionada.
Apesar das seis composições que preenchem o disco, nelas vai havendo diálogos, referências, elementos que se repetem e coabitam nesse lugar único que é Jazz In The Space Age. O álbum fará sessenta e dois anos por estes dias, e mesmo não estando nós na presença de um comemorativo número redondo, a viagem que podemos fazer com ele deixa-nos a cabeça às voltas e com vontade de festejar a cada audição. Assim sendo, qual a razão para esperarmos por uma data perfeita para se celebrar Jazz In The Space Age? Nenhuma, e por isso… que seja já!
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