segunda-feira, 12 de setembro de 2022

POEMAS CANTADOS POR SÉRGIO GODINHO

Cuidado Com As Imitações

Sérgio Godinho


Estimado ouvinte já que agora estou consigo

Peço apenas dois minutos de atenção

É pra contar a história de um amigo

Casimiro baltazar da conceição


O casimiro talvez você não conheça

A aldeia donde ele vinha nem vem no mapa

Mas lá no burgo por incrível que pareça

Era mais famoso que no vaticano o papa


O casimiro era assim como um vidente

Tinha um olho mesmo no meio da testa

Isto para lá dos outros dois é evidente

Por isso façamos que ia dormir a sesta


Ficava de olho aberto

Via as coisas de perto

Que é uma maneira de melhor pensar

Via o que estava mal

E como é natural

Tentava sempre não se deixar enganar

E dizia ele com os seus botões


Cuidado casimiro

Cuidado com as imitações

Cuidado minha gente

Cuidado justamente com as imitações


Lá na aldeia havia um homem que mandava

Toda a gente um por um pôr-se na bicha

E votar nele e se votassem lá lhes dava

Um bacalhau um pão-de-ló uma salsicha


E prometeu que construía um hospital

Uma escola e prédios de habitação

E uma capela maior que uma catedral

Pelo menos a julgar pela descrição


Mas o casimiro que era fino de ouvido

Tinha as orelhas equipadas com radar

Ouvia o tipo muito sério e comedido

Mas lá por dentro com o rabinho a dar a dar


E punha o ouvido atento

Via as coisas por dentro

Que é uma maneira de melhor pensar

Via o que estava mal

E como é natural

Tentava sempre não se deixar enganar

E dizia ele com os seus botões


Cuidado casimiro ...


Ora o tal tipo que mandava lá na aldeia

Estava doido já se vê com o casimiro

De cada vez que sorria à plateia

Lá se lhe viam os dentes de vampiro


De forma que para comprar o casimiro

Em vez do insulto do boicote ou da ameaça

Disse-lhe "sabe que no fundo o admiro

Vou erguer-lhe uma estátua aqui na praça"


Mas o casimiro que era tudo menos burro

E tinha um nariz que parecia um elefante

Sentiu logo que aquilo cheirava a esturro

Ser honesto não é só ser bem-falante


A moral deste conto

Vou resumi-la e pronto

Cada qual faz o que melhor pensar

Não é preciso ser

Casimiro para ter

Sempre cuidado para não se deixar levar


Cuidado casimiro ...


De Coração e Raça

Sérgio Godinho


"Sou portugues de coração e raça

Não há talvez maior fortuna e graça"

(De um conhecido hino)


Sou português de coração e raça

meio século comido pela traça

fechados numa caixa

e agora ou vai ou racha

e agora ou vai ou racha


Agora vamos é ser

donos do nosso trabalhar

em vez de andar para alugar

com escritos na camisa

e o dinheiro que desliza

do salário prá despesa

compro cama vendo mesa

deito contas à pobreza


Sou português de coração e raça

meio século comido pela traça

fechados numa caixa

e agora ou vai ou racha

e agora ou vai ou racha


Agora vamos é ser

donos do nosso produzir

em vez de ter que partir

com escritos numa mala

e a idade que resvala

do nascimento prá morte

vou pró leste perco o norte

e o meu corpo é passaporte.


Sou português de coração e raça

meio século comido pela traça

fechados numa caixa

e agora ou vai ou racha

e agora ou vai ou racha


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