Cuidado Com As Imitações
Sérgio Godinho
Estimado ouvinte já que agora estou consigo
Peço apenas dois minutos de atenção
É pra contar a história de um amigo
Casimiro baltazar da conceição
O casimiro talvez você não conheça
A aldeia donde ele vinha nem vem no mapa
Mas lá no burgo por incrível que pareça
Era mais famoso que no vaticano o papa
O casimiro era assim como um vidente
Tinha um olho mesmo no meio da testa
Isto para lá dos outros dois é evidente
Por isso façamos que ia dormir a sesta
Ficava de olho aberto
Via as coisas de perto
Que é uma maneira de melhor pensar
Via o que estava mal
E como é natural
Tentava sempre não se deixar enganar
E dizia ele com os seus botões
Cuidado casimiro
Cuidado com as imitações
Cuidado minha gente
Cuidado justamente com as imitações
Lá na aldeia havia um homem que mandava
Toda a gente um por um pôr-se na bicha
E votar nele e se votassem lá lhes dava
Um bacalhau um pão-de-ló uma salsicha
E prometeu que construía um hospital
Uma escola e prédios de habitação
E uma capela maior que uma catedral
Pelo menos a julgar pela descrição
Mas o casimiro que era fino de ouvido
Tinha as orelhas equipadas com radar
Ouvia o tipo muito sério e comedido
Mas lá por dentro com o rabinho a dar a dar
E punha o ouvido atento
Via as coisas por dentro
Que é uma maneira de melhor pensar
Via o que estava mal
E como é natural
Tentava sempre não se deixar enganar
E dizia ele com os seus botões
Cuidado casimiro ...
Ora o tal tipo que mandava lá na aldeia
Estava doido já se vê com o casimiro
De cada vez que sorria à plateia
Lá se lhe viam os dentes de vampiro
De forma que para comprar o casimiro
Em vez do insulto do boicote ou da ameaça
Disse-lhe "sabe que no fundo o admiro
Vou erguer-lhe uma estátua aqui na praça"
Mas o casimiro que era tudo menos burro
E tinha um nariz que parecia um elefante
Sentiu logo que aquilo cheirava a esturro
Ser honesto não é só ser bem-falante
A moral deste conto
Vou resumi-la e pronto
Cada qual faz o que melhor pensar
Não é preciso ser
Casimiro para ter
Sempre cuidado para não se deixar levar
Cuidado casimiro ...
De Coração e Raça
Sérgio Godinho
"Sou portugues de coração e raça
Não há talvez maior fortuna e graça"
(De um conhecido hino)
Sou português de coração e raça
meio século comido pela traça
fechados numa caixa
e agora ou vai ou racha
e agora ou vai ou racha
Agora vamos é ser
donos do nosso trabalhar
em vez de andar para alugar
com escritos na camisa
e o dinheiro que desliza
do salário prá despesa
compro cama vendo mesa
deito contas à pobreza
Sou português de coração e raça
meio século comido pela traça
fechados numa caixa
e agora ou vai ou racha
e agora ou vai ou racha
Agora vamos é ser
donos do nosso produzir
em vez de ter que partir
com escritos numa mala
e a idade que resvala
do nascimento prá morte
vou pró leste perco o norte
e o meu corpo é passaporte.
Sou português de coração e raça
meio século comido pela traça
fechados numa caixa
e agora ou vai ou racha
e agora ou vai ou racha
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