segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Arcade Fire – WE (2022)


 

Os Arcade Fire regressam na sua melhor forma, com um disco que soa indubitavelmente a Arcade Fire, aperfeiçoado, um regresso a um tempo pré Reflektor mas que não esquece o que nos trouxeram neste trabalho e em Everything Now e que é o disco que todos queríamos ouvir.

Foi com grande expectativa que os fãs receberam WE, o sexto trabalho de estúdio de Arcade Fire, depois de cinco anos sem novos discos. Mais uma vez os Arcade Fire usam a música para criticar a sociedade atual. Se em Everything Now fizeram uma sátira à sociedade de consumo, aqui temos uma crítica a estar sempre ligado, sempre contactável, sempre observado.

Vagamente inspirado no romance distópico homónimo de 1924 (e que influenciou o livro de culto “1984”, de George Orwell) -, onde os cidadãos vivem em apartamentos de vidro para serem mais facilmente vigiados e tudo lhes é atribuído através de um algoritmo, do emprego ao parceiro – os Arcade Fire trazem-nos um trabalho curto, mas onde todos os elementos que os caracterizam estão presentes.

Sentimos logo a opressão na abertura do disco, em “Age of Anxiety I”, com um piano tenso e enclausurado, em que Win Butler canta “Fight the fever with TV in the age when nobody sleeps” – uma referência aos anos da pandemia e do confinamento. E depois, nesse piano preso e melancólico, lento, vem uma explosão eletrónica e Régine Chassagne, cantando sobre a sociedade, e regressa Win, apelo desesperado “Another lost soul just trying to feel something”. E depois a calma, com “Age of Anxiety II (Rabbit Hole), como se recuperássemos desta febre e do delírio noturno provocado pela doença.

No meio deste turbilhão, parece que recuamos no tempo, para uma altura pré Reflektor e pré Everything Now. Conseguimos encontrar um bocadinho de todos os trabalhos de Arcade Fire, mesmo dos mais recentes, mas WE podia ser o sucessor de The Suburbs e é um disco curto, sem gorduras, com tudo no sítio certo. As canções têm a composição perfeita, o equilíbrio difícil entre os momentos de explosão e de calma é facilmente encontrado, há êxitos de estádio para cantar em coro como com “Unconditional I (Lookout Kid)”, portentos da pista de dança como o single “The Lightning II” e temas melancólicos como “End of Empire I-III”.

Se nos dois trabalhos anteriores os Arcade Fire tentaram contar uma história e fizeram discos mais artificiais e cheios de composição e sátira (sobretudo Everything Now) aqui temos um regresso à candura inicial e à narrativa de composição de The Suburbs nas primeiras faixas, uma ligeira claustrofobia, que se sente sobretudo em “End of Empire IV – Sagittarius A*”) o querer rebentar e não chegar lá – até que nos brindam “The Lightning I” e com “The Lightning II”.

Não foi por acaso que esta canção foi escolhida para ser o cartão de visita do novo trabalho. Fica imediatamente no ouvido, é totalmente Arcade Fire, dançável, uma loucura frenética de ritmos e palavras, uma explosão incrível de som que até nos faz ficar sem ar, uma euforia que nos transporta aos primeiros trabalhos. E marca, assim, uma mudança no disco, que a partir deste momento deixa de ser abafado, melancólico e pesado e se liberta num tom alegre com “Unconditional I (Lookout Kid)”, com um crescendo bem humorado e o som característico de Arcade Fire e com os teclados de “Everything Now” ou os agudos de “Haiti”, como se uma porta se abrisse para sair do confinamento.

Em “Unconditional II (Race and Religion)” temos um discreto Peter Gabriel como convidado, combinando a voz com o tom agudo e característico de Régine e um fundo synthpop atrás e outro êxito imediato na pista de dança.

Régine canta com a doçura de sempre e Win Butler leva-nos pela mão pelas várias canções. É um disco feito com esmero, bem produzido, onde é notória a experiência de estúdio e de palco dos Arcade Fire. Não há demasiada inovação ou pretensiosismo (que correu menos bem em Everything Now). É Arcade Fire que soa a Arcade Fire, indo beber um pouco a todos os trabalhos anteriores, sem surpresas mas sublime. E era o disco que todos nós queríamos ouvir, este regresso ao conforto daquilo que os Arcade Fire melhor sabem fazer.

A fechar, “WE”, um tema calmo, de guitarra simples e teclado melancólico, pautado pela voz de Win, como se depois da explosão de dança, cor e liberdade recolhêssemos outra vez, mas com um tom de esperança. “When everything ends / Can we do it again?” canta Win. E é isso mesmo que queremos fazer: ouvir o disco uma e outra vez.

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