segunda-feira, 10 de outubro de 2022

POEMAS CANTADOS DE SÉRGIO GODINHO

Feiticeira

Sérgio Godinho


Ai, ai, nos teus olhos

as pestanas são aos molhos, aos molhos

ai, ai nos teus braços

as ternuras são aos maços, aos maços

ai, ai, nos teus olhos as pestanas

são aos molhos, aos molhos

e eu não as vejo faz semanas

nos teus olhos, teus olhos,

ai, ai, nos teus braços as ternuras

são aos maços, aos maços

faz já tempo que não me seguras

nos teus braços, teus braços


Ai, ai, ai feiticeira

ai, ai, ai feiticeira

cheira tão bem, sabe bem o teu feitiço

e de que maneira, e de que maneira

manda aí do teu feitiço

Isso!


Ai, ai na tua cama

é que o meu sonho se derrama, derrama

ai, ai, na tua rua

é que o meu passo desagua, desagua

ai na tua cama é que o meu sonho

se derrama, derrama

faz já muito dias que não o ponho

na tua cama, tua cama

ai, ai, na tua rua é que o meu passo

desagua, desagua

faz já meses que não o faço

passar na tua rua, tua rua


Ai, ai, ai feiticeira

ai, ai, feiticeira

cheira tão bem, sabe tão bem o teu feitiço

e de que maneira, e de que maneira

manda aí do teu feitiço

Isso!


Ai, ai, nos teus lábios

Os provérbios são mais sábios, mais sábios

E quem quer saber da vida bebe-os

Dos teus lábios, teus lábios

Ai, ai nas tuas veias

O amor anda às mãos cheias, mãos cheias

Ai, ai, na tua rua

É que o meu passo desagua, desagua

Ai, ai, na tua cama

é que o meu sonho se derrama, derrama

ai, ai nos teus braços

as ternuras são aos maços, aos maços

ai, ai nos teus olhos,

as pestanas são aos molhos, aos molhos


Foi a Trabalhar

Sérgio Godinho


Levanto-me, acordo cedo

vou para um trabalho que para mim não tem segredos

a minha vida não é para atirar ao lixo

não sou coisa nem sou bicho

nem sou carne para canhão, não!


Quem me usa não me merece

só merece o meu desprezo quem abusa

da minha força e da minha competência

e até mesmo da impaciência

de dar de comer aos meus filhos.


É a trabalhar

que a gente pga o jantar

mais foi a trabalhar

que a gente fez a faca para o cortar.


Se hoje ainda vivo afaimado

quem me domina tem os seus dias contados

a minha luta não é sozinho que a faço

tem tantos no mesmo passo

braço a braço somos muitos.


E à noite, quando adormeço

É como fazer a viagem de regresso

para um outro dia, um amanhã mais libertado

com as correntes do passado

e a certeza no futuro.


É a trabalhar

que a gente pga o jantar

mais foi a trabalhar

que a gente fez a faca para o cortar.

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