sábado, 29 de outubro de 2022

POEMAS CANTADOS DE SÉRGIO GODINHO


Mil Pedaços

Sérgio Godinho

 

Eu tenho a vida partida em mil pedaços


O tempo parece que foge

Dura o tempo de um cigarro

E eu atrás dele e não o agarro

E vou de metro e vou de carro


Ai ó linda

Será que ainda


Vou ter que correr, que ganhar

A maratona à lufa-lufa

Iço a bandeira e o tambor rufa

E a recompensa é uma pantufa


Ai ó linda

Será que ainda


E tenho os dedos e a cabeça

A telefonar p'ra toda a parte

E desço à terra, e subo a Marte


Ai ó linda

Será que ainda


E por falar em sobe e desce

Ontem bebi falsificado

E estou com o corpo todo errado


Eu tenho a vida

Partida

Em mil pedaços

Cola-os tu com dois abraços

Cola-os tu com dois abraços


Eu tenho a vida

Partida

Em mil pedaços

Cola-os tu com dois abraços

Cola-os tu com dois abraços


O tempo parece que foge

Dura o tempo de um café

E o antes fosse já não é

E vou de carro e vou a pé


Ai ó linda

Será que ainda


Vou ter que voltar a assistir

A discussões fundamentais

Onde as pauladas são verbais

E as conclusões são sempre iguais


Ai ó linda

Será que ainda


E tenho os dedos, e a cabeça

A telefonar p'ra toda a parte

E desço à terra e subo a Marte


Ai ó linda

Será que ainda


E a amiga do meu grande amigo

Com o seu ex

Anda há que anos, 5 ou 6

A tratar lá de uns papéis


E eu a tentar meter

O Rossio na Betesga

A andar de Herodes p'ra Pilatos

Com o olho p'ra Belém

E outro para Sacavém

E eu a dar a volta ao mundo

Embora sabendo no fundo

Que nem Roma nem Pavia

Se fizeram num só dia


Eu tenho a vida

Partida

Em mil pedaços

Cola-os tu com dois abraços

Cola-os tu com dois abraços


Eu tenho a vida

Partida

Em mil pedaços

Cola-os tu com dois abraços

Cola-os tu com dois abraços


O tempo parece que foge

Dura o tempo de um abraço

E eu atrás dele e não o caço

E eu a galope e ele a passo


Ai ó linda

Será que ainda


Vou Ter que dar de comer

À filharada e ao periquito

Às plantas da selva em que habito

À tartaruga e ao mosquito


Ai ó linda

Será que ainda


E tenho os dedos e a cabeça

A telefonar pra toda parte

E desço à terra e subo a Marte


Ai ó linda

Será que ainda


E compro cromos para os piquenos

É pra troca, e os repetidos

É pra colarem nos vidros


Eu tenho a vida

Partida

Em mil pedaços

Cola-os tu com dois abraços

Cola-os tu com dois abraços


Eu tenho a vida

Partida

Em mil pedaços

Cola-os tu com dois abraços

Cola-os tu com dois abraços


O tempo parece que foge

Dura o tempo de uma vida

E são dois dias de fugida

E é já tempo de partida


Ai ó linda

Será que ainda


Vou ter que descer e abrir

A minha caixa do correio

A ver se é desta vez que veio

A contazinha que eu receio


Ai ó linda

Será que ainda


E tenho os dedos e a cabeça

A telefonar p'ra toda a parte

E desço à terra e subo a Marte


Ai ó linda

Será que ainda


E subo à contabilidade

E pra maior desassossego

Hoje não pagam no emprego


Eu tenho a vida

Partida

Em mil pedaços

Cola-os tu com dois abraços

Cola-os tu com dois abraços


Eu tenho a vida

Partida

Em mil pedaços 


Mudemos de Assunto

Sérgio Godinho


Andas aí a partir corações

Como quem parte um baralho de cartas

Andas aí a partir corações

Como quem parte um baralho de cartas


Cartas de amor

Escrevi-te eu tantas

Às tantas, aos poucos

Às tantas, aos poucos

Eu fui percebendo

Às tantas eu lá fui tacteando

Às cegas eu lá fui conseguindo


Às cegas eu lá fui abrindo os olhos


E nos teus olhos como espelhos partidos

Quis inventar uma outra narrativa

Até que um ai me chegou aos ouvidos

E era só eu a vogar à deriva


E um animal sempre foge do fogo

E mal eu gritei: Fogo!

Mal eu gritei: Água!

Que morro de sede

Achei-me encostado à parede

Gritando: Livrai-me da sede!


E o mar inteiro entrou na minha casa


E nos teus olhos inundados do mar

Eu naveguei contra minha vontade

Mas deixa lá, que este barco a viajar

Há-de chegar à gare da sua cidade

E ao desembarque a terra será mais firme

Há quem afirme

Há quem assegure

Que é depois da vida

Que a gente encontra a paz prometida

Por mim marquei-lhe encontro na vida


Marquei-lhe encontro ao fim da tempestade


Da tempestade, o que se teve em comum

É aquilo que nos separa depois

E os barcos passam a ser um e um

Onde uma vez quiseram quase ser dois

E a tempestade deixa o mar encrespado

Por isso cuidado

Mesmo muito cuidado

Que é frágil o pano

Que enfuna as velas do desengano

Que nos empurra em novo oceano


Frágil e resistente ao mesmo tempo


Mas isto é um canto

E não um lamento

Já disse o que sinto

Agora façamos o ponto

E mudemos de assunto

Sim?


Andas aí a partir corações

Como quem parte um baralho de cartas

Andas aí a partir corações

Como quem parte um baralho de cartas


E a tempestade deixa o mar encrespado

Por isso cuidado

Mesmo muito cuidado

Que é frágil o pano

Que veste as velas do desengano

Que nos empurra em novo oceano


Frágil e resistente ao mesmo tempo


Mas isto é um canto

E não um lamento

Já disse o que sinto

Agora façamos o ponto

E mudemos de assunto

Sim?


Mas isto é um canto

E não um lamento

Já disse o que sinto

Agora façamos o ponto

E mudemos de assunto

Sim?


Mas isto é um canto

E não um lamento

Já disse o que sinto

Agora façamos o ponto

E mudemos de assunto

Sim?


Mas isto é um canto

E não um lamento

Já disse o que sinto

Agora façamos o ponto

E mudemos de assunto

Sim?


Mas isto é um canto

E não um lamento

Já disse o que sinto

Agora façamos o ponto

E mudemos de assunto

Sim?


Mas isto é um canto

E não um lamento

Já disse o que sinto

Agora façamos o ponto

E mudemos de assunto

Sim?


Mas isto é um canto

E não um lamento


E mudemos de assunto

Sim?

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