terça-feira, 11 de outubro de 2022

The Human League – Dare! (1981)


 

Dare! foi um disco que poderia não ter acontecido. Nasceu de uma abrupta fuga para a frente, evitando o fim precoce da banda. A vida tem destas coisas, e entre o céu e o inferno, Phil Oakey garantiu o paraíso.

Estávamos no início da década dos anos oitenta, e uma imensa transformação estava em marcha no mundo da música. Mais uma, aliás. Desta vez (como em todas, provavelmente), as alterações foram, em boa parte, radicais. Tão radicais como o som que surgiu dessa revolução: um som marcado por cadências rítmicas fortes e maquinais, por sintetizadores (armas perigosas, mas fascinantes) que disparavam linhas sonoras como rajadas feéricas, onde as guitarras passaram a ser, muitas vezes, meros enfeites de retaguarda. E assim, com alguma pompa e circunstância, mas também com um certo desmedido descaramento, a nova década passou a ser terreno fértil para as mais variadas experiências, algumas radiosas, outras sombrias. Em Dare!, encontramos um pouco dessas inclinações. Ambas coexistem de maneira perfeita. Já passaram mais de quarenta anos do seu lançamento, e o álbum continua a ser uma referência marcante para muitas bandas que entretanto foram surgindo. Não há como escapar aos clássicos, como bem sabemos. São eles que ditam modas e caminhos por haver.

Os versos iniciais de Dare! (grafamos o título com ponto de exclamação por ter sido assim que ele foi impresso pela primeira vez, quando em 1982 se pôde comprar o álbum em vinil, embora noutras posteriores edições a grafia tenha sido alterada, e o sinal de pontuação retirado) são míticos, e ainda hoje, quando os ouvimos cantados pela voz de barítono de Phil Oakey, nos arrepiamos: “Take time to see the wonders of the world / To see the things you’ve only ever heard of”. Quem não os conhece de cor, andou tão distraído que perdeu, provavelmente, a noção de um momento iniciático. O disco, quando veio a público, foi um enorme sucesso, mas os tempos não eram fáceis, uma vez que os dois membros fundadores da banda haviam saído para formarem os (pirosos) Heaven 17 que, na verdade, ainda vão estando ativos. Oakey tomou, então, os comandos da banda e contratou as schoolgirls Susan Ann Sulley e Joanne Catherall, alterando-se por completo a imagem e o som do grupo. Na altura, depois do tremendo sucesso de Dare!, a New Musical Express chegou a proclamar numa das suas primeiras páginas que “one day all music will be made like this”. O exagero é óbvio, mas perdoa-se se nele soubermos entender alguma da verdade que contém. A música estava a mudar, e isso era um facto indesmentível.

Os The Human League passaram muito rapidamente de uma fase eletrónica experimental e avant-garde para outra em que se tornaram uma banda declaradamente pop, sem ponta de vergonha nisso. Pop de enorme qualidade, dançável, mas também capaz de, num mesmo álbum, permitir a coexistência de temas mais negros e mais cerebrais. Diz-se que Phil Oakey terá escolhido dois discos para com eles fazer uma escolha. Eles funcionariam como cartão de entrada (ou como sinal de caminho proibido) para a banda que teve de reformular. Os discos em questão eram Trans-Europe Express, dos míticos Kraftwerk, e I Feel Love, de Donna Summer. Quem escolhesse o da artista norte-americana, entraria na banda. Quem preferisse o dos homens de Düsseldorf, teria de buscar outro destino. No entanto, em Dare! há ainda um pouco do universo sombrio e meticuloso dos mestres da eletrónica.

Tudo é bonito em Dare!. A sua art cover é absolutamente clean e pisca o olho às glamorosas capas da revista Vogue. A sua estética tem algo de futurista e a música é feita com geométrico rigor de compasso. No entanto, e ao mesmo tempo, há no disco uma aura de estranheza que dificilmente conseguimos explicar, de tão indefinida e de tão indistinta. Há versos que sempre soaram misteriosos, como por exemplo “It took seconds of your time to take his life / It took seconds” (do tema «Seconds»), mesmo sabendo que se referem à trágica morte do presidente John F. Kennedy. Ainda assim, o que marca verdadeiramente este Dare! é o seu som pop dançante e as suas intemporais canções como «The Things The Dreams Are Made of», «Open Your Heart» e «Don’t You Want Me». No entanto, também existem composições como “Get Carter” e “I Am The Law”, perfeitos contrapontos ao colorido exuberante das outras que são, verdadeiramente, a essência da festa que existe em Dare! A perfeição audaciosa do terceiro disco dos The Human League ainda hoje reina com a mesma força e vigor que tinha no dia em que veio ao mundo!

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