sábado, 1 de outubro de 2022

XTC – Mummer (1983)


 

Com Mummer, os XTC chegavam ao seu sexto disco de originais. O novo som da banda não colheu os frutos desejados, mas o tempo far-lhe-á justiça: é um enorme álbum, disso não temos dúvidas.

A vida não andava fácil para a banda, sobretudo para Andy Partridge, o seu grande mentor. A decisão que havia tomado era drástica, totalmente radical: os XTC não mais voltariam a fazer digressões, tudo por causa dos múltiplos problemas de stress de Partridge, que passou a não conseguir estar palco. Foram tempos duros, logo depois de terem lançado o disco que até à data lhes havia garantido algum interessante sucesso, o ótimo English Settlement, de 1982, principalmente devido ao hit “Senses Working Overtime”. A editora da banda, a Virgin Records, não aprovou o cancelamento das digressões, o que tornou o cenário ainda pior. Andy Partridge ficou um longo período em recuperação e correu mesmo o boato de que teria falecido. Na verdade, o músico ficou em casa, muitas vezes sem se mexer, uma vez que o corpo não obedecia ao que a cabeça pedia. O próprio temeu tornar-se um novo Syd Barrett. Nada disso aconteceu, e aos poucos a terapia para a recuperação surgiu fazendo canções. Foi assim, aos poucos, que foi surgindo Mummer. Demorou a ser gravado e a sair, uma vez que a Virgin não encontrava nenhum single nas canções que iam sendo feitas. Resultado final: um enorme fracasso comercial.

Na verdade, Mummer é um disco mal amado até hoje. Nunca será a escolha óbvia para mostrar a grandeza da banda, nem é tido como referência na sua discografia. Mas alguma justiça terá de lhe ser feita, e este é o propósito máximo deste texto. Para nós, Mummer é um extraordinário álbum. Ele representou uma espécie de renascimento, o primeiro passo de um novo caminho.

O álbum abre com “Beating of Hearts”, e o som é claramente XTC. O tema poderia pertencer ao já referido álbum anterior, assim como “Great Fire”, “Me and The Wind” e “Funk Pop a Roll” ficariam bem como faixas de Drums and Wires, de 1979. No entanto, uma nova orientação musical parece percorrer algumas das outras composições de Mummer, nomeadamente “Wonderland”, “Love On a Farmboy’s Wages” e “Ladybird”, por exemplo. Há em todas elas um sentimento de tranquilidade e de nostalgia que as destacam das restantes. Trazem novidades, um certo elemento pastoral, parecem frutos resultantes de uma nova e inesperada colheita. Curiosamente, Andy Partridge queria que o álbum tivesse como título a expressão Fruits Fallen From God’s Garden, mas tal não aconteceu, sobretudo devido ao uso da palavra God, que naqueles tempos seria sempre algo que as editoras gostavam de evitar. Acabou por ficar Mummer, referência a uma antiga tradição britânica em que gente comum agia como intérpretes em peças de rua, aproveitando-se o título como forma de expressar, de forma algo ambígua, a nova vida dos XTC, retirados das apresentações ao vivo.

Mas voltemos às canções, uma vez que são a essência do álbum. Numa perspetiva muito alargada, e dito da maneira mais simples possível, Mummer é o primeiro passo em direção a Skylarking (1986) ou até mesmo em direçãoo a Apple Venus Volume 1 (1999), sobretudo pela elegância e sofisticação. Convém perceber que os XTC passaram a ser exclusivamente uma banda de estúdio, pelo que as suas preocupações musicais começaram a ser outras, bem mais ambiciosas em termos de gravação, uma vez que sabiam perfeitamente que nunca mais se apresentariam ao vivo para tocarem o novo material que fossem, entretanto, compondo. Tudo isto resultou, como dizíamos há pouco, num claro renascimento. Cordas, teclas, sons orquestrais começaram, aos poucos, a entrar no novo adn dos XTC. E por isso, Mummer ocupará sempre um lugar de charneira na história da banda de Swindon. Mummer e o seguinte The Big Express (1984).

Ignorar este disco parece-nos ser um erro crasso, e ignorar os XTC e a sua extensa discografia é, seguramente, um pecado capital.


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