Salma e Mac estão de regresso. Como dupla, o casal Carne Doce apostou em caminhos acústicos, em ambientes pop sensuais e tropicais. E vão deixar “marquinha” em muitos de nós. Isso é garantido!
O disco cheira a “sol e mar” por todos os seus poros. É uma fatia de verão com os pés em água salgada e os olhos postos num bonito final de tarde. Uma espécie de golden hour sonora à flor da pele. Não há que enganar. Os dias que nos restam até ao final da estação estão bem entregues. A companhia de Salma Jô e Macloys Aquino garantem bom gosto, canções frescas e elegantes. O melhor é aproveitarmos Voo Livre, enquanto os dias ainda são longos.
Por cá, serão já muitos os portugueses que os conhecem, embora talvez mais pelo nome da banda que formaram em Goiânia, há mais ou menos uma década. Os Carne Doce são nome assíduo nestas páginas desde o início de 2014, quando lançaram (no ano anterior) o ep Dos Namorados. Desde lá e até hoje, fomos sempre dando conta da sua música e do seu desejo de triunfar, tanto no Brasil como por terras lusas. No entanto, o mundo sofreu uma terrível paragem em 2019, o que obrigou a mudanças e a crescimentos artísticos inusitados, como se de uma questão de sobrevivência se tratasse. Por via disso, o casal Salma e Mac resolveram espreguiçar o seu talento como dupla, espraiando-se por novos caminhos musicais. O primeiro bom sintoma foi Salma e Mac, o ep tornado público no ano passado, e que por aqui demos o devido eco. Agora, a ideia cresceu e ganhou a forma de álbum.
São oito temas, apenas. Desse conjunto, dois foram retirados da discografia dos Carne Doce. “Hater” é uma canção de Interior, álbum de 2020, e “Cetapensâno” pode ser encontrada em Princesa, de 2016. Os restantes seis são inéditos. Grosso modo, é isto que temos em Voo Livre. No entanto, há muito para escutar neste recente disco. Muito encanto e muita sensualidade.
O disco abre com “Gringa”, cheia de congas, bongôs, ganzás e bumbos. O efeito gingão é imediato e a letra adensa a voluptuosidade do tema: alguém que quer viajar, sair do lugar de sempre, sair até de si próprio, se é que nos fazemos entender, e assim, nessa postura livre e despudorada, ser gringa de copo na mão, escutando “um funk” à beira mar. Como statement inicial, não nos parece nada mal. Segue-se “Marquinha”, single de apresentação de Voo Livre, canção que pouco demora a derreter-nos, tal o charme sedutor que transborda dela. Como se a dita gringativesse voltado ao local de partida, quebrando agora o coração de quem não lhe havia dado o devido valor: Eu fui beijada pelo sol e vai saber quais bocas mais (…) E só aí que você viu meu brilho e minha beleza / E pra si mesmo repetiu: “perdeu, playboy, esqueça!”. A voz de Salma Jô está de deixar marquinha perpétua a quem a escutar. Perfeita! “Sobremesa”, a terceira entrada do álbum, é (de novo) uma “canção-Lolita”, como quase todas as outras. Ela insinua, promete, garante e faz, trazendo o tom excessivo de uma “safadeza” merecida: “Você hoje até merece sobremesa / Com açúcar, com afeto e safadeza (…) Até não mais poder / Até eu me encher de você”. Nabokov ficaria satisfeito. Chico Buarque também. “Na Pele” muda ligeiramente o tom rítmico das anteriores. É mais introspetiva, menos “solar”, mas muito bonita, destacando-se o violão de aço de Macloys. Interessantes, as novas roupagens das canções dos Carne Doce acima referidas, despidas dos adornos instrumentais originais. Encaixam bem em Voo Livre, oferecem novas hipóteses de leituras e chegam a novos públicos, o que é sempre coisa de valor. Restam “Voo Livre”, o tema que designa o álbum e “Capacho”. O primeiro tem jeito de bossa nova e é das mais tranquilas e (falsamente) serenas das canções do disco. É, diga-se de passagem, a letra mais bonita e mais intensa de todas as oito. Uma pequena maravilha, um pequeno tratado de psicologia amorosa. O segundo, e neste caso derradeiro tema do álbum, é um “segredo”, coisa dura de ouvir (“É de ser fraco que você gosta / Para depois terminar aqui / Como capacho da minha porta”), na linha da serenidade sofrida de “Voo Livre”. No seu todo, este primeiro longa duração de Salma e Mac é uma verdadeira pérola sonora, um oásis fértil e irresistível que nos faz ter vontade de cair em tentação.
Como nota final, é forçoso referir que Voo Livre é um disco que apresenta vários luxos, digamos assim. Desde logo pelo facto de ser produzido por Kassin, esse novo mago da MPB, como músico e como produtor, mas também por contar com a presença de Leonardo Reis e Felipe Pacheco, nomes que já tocaram com as mais altas feras da música do país irmão. Salma e Mac estão de parabéns, uma vez mais. Neste Voo Livre, eles e nós fazemos a festa. Sinta-se também convidado a entrar. Vai ver que não vai querer sair tão cedo.
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