De Secos e Molhados a O Terno, um panorama pra imergir no que temos de melhor de rock psicodélico
Em 1966, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, o rock começava a seguir por uma postura mais séria e experimental, misturando outros elementos sonoros e arriscando diferentes efeitos oferecidos pelos estúdios da época, se afastando parcialmente do som despretensioso que vigorava até então.
Discos como Pet Sounds (Beach Boys), Surrealistic Pillow (Jefferson Airplane), Are You Experienced? (Jimi Hendrix) e Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Beatles) consolidavam o que viria a ser conhecido como rock psicodélico, que teria considerável influência nos estilos musicais que despontariam nas décadas seguintes como heavy metal/hard rock, fusion, rock progressivo, proto-punk, rock alternativo/indie, black music e em algumas vertentes da música eletrônica.
O Brasil não somente assimilou de forma positiva muitas dessas propostas, como ofereceu trabalhos de qualidade ainda no final da década de 1960 e que continuariam, com alguma regularidade, nas décadas seguintes, chegando a uma geração de bons grupos que despontaram a partir de 2010.
A presente lista, a partir de 30 discos, apresenta um pouco da história e evolução da psicodelia no Brasil, mostrando os principais grupos e artistas que ajudaram a moldar a cena nos últimos 45 anos. Para dar espaço a outras bandas e artistas, Mutantes, Ronnie Von, Módulo 1000, Som Imaginário e Violeta de Outono, citados na lista de rock progressivo brazuca, ficaram de fora.
Anos 1960 e 1970
Quando a psicodelia inglesa e norteamericana começou a apresentar seus primeiros discos, foi rapidamente aprimorada pela cena musical brasileira. De um lado, o tropicalismo, utilizando de uma ousada proposta de unir a música brasileira com o rock e elementos experimentais/vanguardistas, em conjunto com nomes como Rogério Duprat, Damiano Cozzella e Júlio Medaglia, criou belos e influentes trabalhos por quase toda a segunda metade dos anos 1960.
De outro, esparsos artistas e bandas da jovem guarda (em especial grupos como Liverpool e O Bando), que também começavam a buscar outras propostas musicais, algumas delas rendendo bons frutos.
E, por fim, alguns artistas isolados, que não se encaixaram em uma vertente musical específica, mas que contribuíram de alguma forma na continuação da psicodelia brazuca.
Durante os anos 1970, a principal relação sonora da psicodelia se daria, por um lado, com o rock progressivo, hard rock e o glam rock, e de outro, com elementos da música regional nordestina, em especial em bandas e artistas de Pernambuco, principal e mais profícuo cenário psicodélico da época.
1.Gal Costa – Gal (1969)
Lisérgico, com um som experimental, onde o vocal de Gal e a guitarra de Lanny Gordin criam uma mistura em vários momentos explosiva, em um dos discos mais intensos da tropicália.
2. Os Brazões – Os Brazões (1969)
Grupo que acompanhou Gal Costa em shows entre 1968-9, tocaram com Tom Zé, além de terem feito impactante apresentação no IV Festival Internacional da Canção Popular (com a música Gotham City, de Jards Macalé e Capinam).
O festejado disco da banda justifica a hype obtida na época, com belas covers de “Modulo Lunar”, “Pega a Voga Cabeludo” e “Volkswagen Blues”, um misto de psicodelia com tropicalismo e até, em alguns momentos, com a jovem guarda.
3. Spectrum – Geração Bendita (1971)
Geração bendita, trilha sonora do filme homônimo, mostra o grupo de Nova Friburgo (RJ) apresentando uma psicoldeia pós-hippie que não devia em nada aos principais grupos gringos.
4. Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 (1971)
Disco que tinha em sua formação os “malditos” Raul Seixas e Sérgio Sampaio, além do multitalento Edy Star e da cantora Miriam Batucada.
A fraca repercussão do trabalho culminou, no ano seguinte, com Raulzito trocando a CBS (com uma relação há tempos desgastada entre ambas as partes) pela RCA. Redescoberto nos anos 2000, o disco ganhou um relativo status cult, justificado pela mistura intensa de gêneros, indo da valsa ao forró, do samba ao rock. Muito do espírito transgressor do trabalho pode ser encontrado nos discos “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua” (1975) de Sérgio Sampaio, além de “Krig-ha, Bandolo!” (1973) e “Gita” (1974), ambos de Raul Seixas.
5.Tom Zé – Todos os olhos (1973)
Um dos melhores, senão o melhor trabalho do mestre Tom, irretocável em seus 36 minutos de duração (e só recentemente soube da tal polêmica sobre a capa do disco).
6. Paulo Bagunça - Paulo Bagunça e a tropa maldita (1973)
Paulo Bagunça (1943-2015) com sua potente banda de apoio apresenta uma salada que incluiu soul, samba, e rock psicodélico, oferecendo um dos melhores discos produzidos pela psicodelia carioca nos anos setenta.
7. Marconi Notáro - No Sub Reino dos Metazoários (1973)
O músico e poeta Notáro (1949-2000) oferece um dos discos que seriam a porta de entrada da psicodelia pernambucana, com música regional nordestina, samba, rock e experimentalismo eficientemente misturados.
8.Secos e Molhados – Secos e Molhados II (1974)
O primeiro disco da banda é clássico absoluto, mas indico uma chance ao ótimo segundo álbum, rico musicalmente e com ótimas faixas como “Flores Astrais”, “Vôo” e “O Hierofante”.
Percebe-se também, além dos marcantes vocais de Ney Matogrosso, a forte centralização de João Ricardo na liderança do grupo, que vitimaria a primeira formação da banda (e as formações seguintes).
9. Damião Experiença – Planeta Lamma (1974)
Ao mesmo tempo icônico e obscuro, o músico tem sua carreira marcada por várias lendas, além de informações confusas e contraditórias. Boa é a produção independente entre 1973 e 1992, com discos marcados pelos arranjos um tanto caóticos, letras muitas vezes nonsense e seu vocal intenso.
10. Arnaldo Baptista – Lóki? (1974)
Produzido após sua tensa saída dos Mutantes e do término do casamento com Rita Lee, Lóki é uma das obras mais ricas do rock brasileiro dos anos 1970, ao mesmo tempo irônica, sombria e (em alguns poucos momentos) bem-humorada, além de faixas misturando diferentes estilos sonoros.
11. Ave Sangria – Ave Sangria (1974)
Um dos Magnum opus da cena psicodélica de Pernambuco, que penou em ser lançado na época (mão pesada da censura militar), com arranjos sofisticados, letras complexas e o belo vocal de Marco Polo.
12. Flaviola e o Bando do Sol - Flaviola e o Bando do Sol (1974)
Outro ótimo exemplo da psicodelia nordestina, misturando experimentalismo e elementos regionais, com participação de feras como Robertinho do Recife, Lula Cortês e Paulo Rafael. Destaque para as belas “Desespero” e “Brilhante estrela”.
13. Zé Ramalho e Lula Cortês – Paêbirú (1975)
Uma cópia desse disco chega a custar entre três e cinco mil reais, e ao ouvirmos o trabalho entendemos o porquê desse alto valor. Dois importantes nomes do rock regional nordestino em uma viagem lisérgica, marcada por intenso experimentalismo e momentos introspectivos.
14. Alceu Valença – Vivo! (1976)
Ótimo resumo do que foi a profícua fase psicodélica do músico pernambucano.
15. Serguei - Psicodélico (s.d.)
Sim, o músico que deu uns “pegas” na Janis Joplin no fim dos anos 1960.
Sim, o músico que costumava fazer sexo com árvores.
Sim, personagem folclórico (e atualmente com problemas de saúde e financeiros) da região dos lagos fluminense.
Mas sim, um dos principais precursores da psicodelia brazuca, que numa carreira espalhada em singles e EPs (bem resumidas nessa coletânea), ofereceu uma certeira mistura entre o psicodélico (com uma pegada a lá Rolling Stones) com o blues e sonoridades brasileiras, o que lhe garantiu longevo, e merecido, respeito na cena rock do país.
A partir dos anos 1980
A cena psicodélica brasileira expandiria sua influência sonora e cenas de atuação, fenômeno esse em continuidade.
Pernambuco, em especial a cena Manguebeat, manteve-se como importante fonte de boas bandas, mas outros estados nordestinos e do centro-oeste, além de boas contribuições vindas da cena rock gaúcha, expandiram o leque de opções para a psicodelia brasileira.
Cita-se também que o rock progressivo diminuiu contínua e gradativamente sua influência na cena, apesar de nunca ter desaparecido totalmente, sendo substituído pelo rock alternativo/indie, e, ocasionalmente, pelo punk e pop, o que permitiu novos ares para a cena com a entrada do século 21.
16. Quintal de Clorofila – O mistério dos quintais (1983)
Interessante exemplo de grupo pré explosão do rock gaúcho dos anos 1980, que misturou sonoridades regionais com psicodelia e folk rock a lá Jethro Tull. Com repercussão moderada (a banda foi uma das primeiras a fazer videoclipe para a extinta TV Manchete), o resultado final é satisfatório.
17. Chico Science e Nação Zumbi – Da Lama ao Caos (1994)
Chico Science e a Nação caíram como uma bomba nas cenas rock e MPB em meados dos anos 1990. Fui em dois shows do grupo, em 1995 e 1996, e era engraçado ver indies, metaleiros e fãs de MPB misturados no público, e pogando ao som diversificado do grupo.
A morte de Science, em 1997, abalou a cena Manguebeat, que conseguiu superar a perda e continuou rendendo boas bandas (além da própria Nação Zumbi, que se mantém na ativa até hoje).
Tanto o Da lama quanto o disco seguinte, Afrociberdelia, são obras obrigatórias para entender a cena pernambucana (e ponto de partida para ótimos grupos como Mundo Livre S/A e Comadre Fulozinha).
18. Júpiter Maçã – Plastic Soda (1999)
Um dos momentos de maior experimentalismo e sofisticação do rock gaúcho, e o grande momento do ótimo Júpiter (morto em 2015) em estúdio.
19. Mopho – Mopho (2000)
Primeiro disco do grupo alagoano, bem produzido e com ótimos arranjos, remetendo ao que era oferecido de melhor pela psicodelia sessentista.
20. Hurtmold – Cozido (2002)
Segundo disco do quinteto paulistano, considerado o principal precursor do post rock brasileiro, que segue por uma linha diferenciada do que é apresentado comumente pelo estilo: a sonoridade é mais crua e direta, fato em parte explicado pela ligação da banda com o hardcore.
21. Pipodélica – Simetria Radial (2003)
Grupo catarinense, em atividade entre 1998 e 2008, que realizava boas incursões entre a psicodelia e o pop rock. Simetria foi um dos trabalhos onde essa mistura se mostrou mais eficiente.
22. Laranja Freak – Brasas Lisérgicas (2004)
Lisérgico, mas com forte influência do punk e alternativo, o disco em muitos momentos troca a introspecção pelo peso e intensidade.
23. Cidadão Instigado – UHUUU! (2009)
Um dos mais versáteis trabalhos do profícuo grupo cearense, onde psicodelia, progressivo e indie se alternam de forma eficiente por todo o trabalho.
24. Stereovitrola – No espaço líquido (2009)
A banda de Amapá, com influencias do psicodélico e pitadas de indie e eletrônico, apresenta bons momentos nesse disco, bem recebido pela crítica musical.
25. Boogarins – As plantas que curam (2013)
Disco que teve positiva repercussão ao ser lançado, mostrando as interessantes propostas nos quais o cenário rock de Goiás apresenta desde 2010.
26. Van Der Vous – La Fuga (2014)
Com letras em inglês e influências que passam por Bob Dylan e grupos mais recentes como Tame Impala e Grizzly Bear, a banda baiana apresentou um material de boa qualidade em seu disco de estreia.
27. O Terno – O Terno (2014)
Ótimo trabalho de uma das revelações da psicodelia atual, misturando elementos psicodélicos sessentistas (com um pouco de Pink Floyd dos primeiros discos) e indie rock.
28. Supercordas – Terceira terra (2015)
Belo disco que mistura psicodelia e alternativo, com arranjos criativos e músicas que ora apresentam introspecção, ora mostram pegada e certo peso.
29. Bike – 1943 (2015)
Com considerável influência da sonoridade shoegaze, o projeto de Julito Cavalcanti (Macaco Bong) mostra-se como um nome promissor da nova psicodelia brazuca.
30. Almirante Shiva – Almirante Shiva (2015)
O EP mostra o potencial do trio brasiliense, que apresenta um respeitável séquito de fãs em suas apresentações ao vivo. Incluindo o peso do hard rock e da neopsicodelia, Almirante apresenta-se como um diferencial das ideias apresentadas comumente por grupos brasileiros do estilo.
Inevitavelmente, vários outros grupos ficaram ausentes, sendo bem-vindo nos comentários. Fiquem à vontade também para críticas, elogios e sugestões sobre a lista.
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