quinta-feira, 24 de novembro de 2022

POEMAS CANTADOS DE SÉRGIO GODINHO

O Labirinto

Sérgio Godinho

 

Entro

naquilo que fora se chama por dentro

buscando o caminho que há-de ir dar ao centro

deixando as saudades e o medo lá fora

e agora?

que vejo? que faço?

que passo eu não vou dar em falso

até ao que se chama chegada

porque é tudo e quase nada


Sinto

que a cabeça é quase como um labirinto

em que cada rua tem um nome indistinto

em que cada escolha é feita sobre a hora

e agora?

que sigo? que temo?

que rumo

eu tacteio e presumo

até ao que se chama chegada

porque é tudo e quase nada


E no centro do centro

está o centro da vida

como se fosse por isso

que eu me morro e me perco

e que só dou por isso

quando renasço outra vez

e à vez

sei que hei-de ser vivo

e à vez

sei que hei-de ser vivo

e à vez

sei que hei-de ser vivo

e à vez

sei que hei-de ser vivo


E furo

sem saber por onde encontro o que procuro

e a luz que era a luz é agora um rio escuro

e dou-me à torrente e o corpo desarvora

e agora?

que agarro? que agito?

que grito

eu não vou dar aflito

até ao que se chama chegada

porque é tudo e quase nada


E perto

do centro de mim há um portão entreaberto

e tenho p´la frente o monstro a descoberto

a fera que eu guardo e guarda o que em mim mora

e agora?

que encaro? que enfrento?

que alento

me empurra p´ro centro

até ao que se chama chegada

porque é tudo e quase nada


E no centro do centro......etc. (refrão)


E travo

a luta que travaria quem foi escravo

e só pelo amor à liberdade é um bravo

e lança o pavor à fera que o apavora

e agora?

que ataco? que ouso?

que pouso

eu persigo teimoso

até ao que se chama chegada.

Porque é tudo e quase nada


E chego

enfim para lá da paz e do sossego

onde só tem nome a perda e o desapego

que não há mais a perder e a atirar fora

e agora?

que aprendo? que encontro?

em que ponto

eu me vejo por dentro

e que é o que se chama chegada

por que é tudo e quase nada


E no centro do centro

está o centro da vida

como se fosse por isso

quando renasço outra vez

e à vez

sei que hei-de ser vivo

e à vez

sei que hei-de ser morto

e à vez

sei que hei-de ser vivo

e à vez


O Meu Compadre
Sérgio Godinho
 
O meu compadre
Que é rico, disse-me:
Tira os olhos do chão
Aceita o meu concelho
Não aceites derrotas
Tira os olhos do chão
Tira os olhos do chão

E eu respondi
Ó meu amigo, ó meu palerma
Se eu tenho os olhos no chão
Não é por estar derrotado
É pra ver o caminho
E é pra ver o que calco
Que eu não ando nas nuvens
A pisar pó de talco
A pisar pó de talco.

Vamos, vamos, vamos
Tomar cuidado
Com promessas assinadas
Em papel molhado

O meu compadre
Que é rico, disse-me:
Eu cá sou democrata
Cumprimento as vizinhas
Como pão e sardinhas
Até as como da lata
Que eu cá sou democrata.

E eu respondi:
Ó meu amigo, ó meu cretino
Democratas assim
Tem a gente de sobra
A vender a banha de cobra
E a afinar o latim
Pela nota corrente
E pela nota de mil
Democratas assim
Há até dois no Brasil
Há até dois no Brasil

Vamos, vamos, vamos
Tomar cuidado
Com promessas assinadas
Em papel molhado

O meu compadre
Que é rico disse-me:
Somos todos irmãos
Que é que interessa eu ser rico
Não faz mal tu seres pobre
Somos todos irmãos

E eu respondi:
Ó meu amigo, ó meu hipócrita
Se somos todos irmãos
Diz-me então onde andavas
Quando, algemas nas mãos
A gente pagava as favas
Por só querermos ser gente
E como gente falar
Diz-me de que lado estavas
Antes disto mudar
Antes disto mudar

Vamos, vamos, vamos
Tomar cuidado
Com promessas assinadas
Em papel molhado

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