quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Silver Jews – The Natural Bridge (1996)

 

O segundo disco dos Silver Jews é o seu mais negro, nascido de mais uma crise emocional de David Berman

Os Silver Jews começaram por ser um trio, na viragem dos anos 80 para a década seguinte. As figuras de proa eram David Berman e Stephen Malkmus, juntamente com Bob Nastanovitch, e depois Steve West, sendo estes três últimos os fundadores dos Pavement. Vem daí a confusão de que os Jews eram um projecto paralelo dos Pavement, quando na verdade ambas as bandas começaram ao mesmo tempo, o que era então bastante comum.

A estreia, com Starlite Walker, podia ser usada para descrever toda a carreira dos Silver Jews: reacção positiva da crítica, zero sucesso comercial. O que aconteceu entre esse primeiro disco e o que seria o seguinte foi a grande popularidade dos Pavement, que David Berman nunca digeriu totalmente. Berman sempre viveu com problemas de saúde mental, nomeadamente uma ansiedade permanente e uma depressão perene que o levavam frequentemente ao abuso de sustâncias e a uma crónica falta de confiança. Sentindo que não estava a ir a lado nenhum e a banda dos seus amigos era estrela da MTV, o poeta (sobretudo) e cantor (menos) estava num beco sem saída.

Decidiu agarrar nas canções que andava a compor e trazer um grupo de fora para lhes dar corpo, os Scud Mountain Boys. Mas o resultado foi francamente insatisfatório e deixado de parte. É então que Berman decide dar o braço a torcer e sugere aos seus amigos dos Pavement que voltem a gravar o segundo tomo da história dos Silver Jews. Para sua surpresa, eles aceitam e colocam mesmo a digressão dos Pavement no gelo, para se dirigirem a Memphis para as gravações. Aí chegados, mais problemas. Berman estava num estado quase catatónico de nervos, não tinha as letras totalmente prontas e, por fim, não tinha garantido alojamento para os restantes nem tinha dinheiro para pagar o estúdio. No meio de um verdadeiro meltdown, acaba por ir-se embora, deixando os amigos para trás. Nastanovich acaba por pagar o estúdio e esse tempo é utilizado…para gravar Pacific Trim, um EP dos Pavement.

Em 1996, Berman decide voltar a tentar, mas envergonhado com o que se havia passado, junta alguns músicos dispersos (entre eles Peyton Pinkerton, que continuaria depois como parte dos Jews) e decide gravar o que viria a ser The Natural Bridge. O estúdio, no Connecticut, era uma velha fábrica de armas e munições reconvertida, o que , juntando à falta de confiança de Berman, não tornou fácil a gravação. Não que as sessões fossem necessariamente prolongadas, mas porque o músico andava constantemente com dúvidas acerca do que fazia, insatisfeito com as suas letras e com o que queria dizer.

Mal ou bem, o disco ficou feito, para alívio da editora, a Drag City, que começava a temer que um dos seus artistas mais originais, e em quem depositava grande esperança artística (comercial, não tanto), simplesmente não conseguisse continuar.

E o que temos então, neste segundo volume da incrível história dos Silver Jews? Temos o seu disco mais negro, numa carreira marcada sempre por um fantasma inquietante escondido nas sombras, por trás da escrita literária, profunda e ao mesmo tempo humorística de David Berman.

Esse negrume começa na capa e estende-se a vários dos temas. O arranque, com “How to rent a room”, é vintage Jews, um tema arrastado onde figuram a perda, o suicídio e o amor. Em “Inside the golden days of missing you”, o autor lamenta que o balcão do bar tenha um espelho em frente, que lhe devolve o rosto de um homem que não sabe da sua mulher; “The frontier index”, tal com várias outras músicas deste disco, é uma colagem de versos sem aparente ligação uns com os outros, cada um um extraordinário poema em si mesmo (“Boy wants a car from his dad/ Dad says, first you gotta cut that hair/ Boy says, hey dad, Jesus had long hair/ and dad says/ that´s right son but Jesus walked everywhere”).

Mas o grande destaque acaba por ser “Dallas“, uma história de fascínio pela noite na cidade, de como um pedaço perdido do velho Oeste, com vacas e veados, se transformou numa Babel de edifícios espelhados e de sedutor pecado, quando a noite nasce. É a canção que mais se insinua no meio da entrega mais monocórdica do resto do disco, e um dos exemplos de um dos trunfos mais importantes da música de David Berman: a capacidade de fazer um tema quase pop (se bem que sempre com as arestas por limar) com extrema profundidade, falando de coisas importantes e de ninharias do dia a dia, lado a lado. Na verdade, como todas as nossas vidas, que se vão construindo no meio desses dois elementos.

Naturalmente, The Natural Bridge foi mais um fracasso comercial. Os Jews estiveram quase sempre à margem, nos antípodas do som que fazia furor em cada momento. Aqui não seria diferente. Mas é mais um grande disco desta magnífica banda, no qual os fantasmas de Berman estão bem à vista, sem que o álbum seja pesado ou depressivo. E, gravado sem os restantes membros fundadores, The Natural Bridge cumpriu ainda outro papel importante: este passaria a ser, definitivamente, o projecto de David Berman. Malkmus e os restantes voltariam a gravar discos dos Jews, mas a sua ausência não impediria que estes existissem. Enquanto os Pavement conquistavam as rádios universitárias e o late night da MTV, Berman voltava para o seu quarto e escrevia, poesia e canções, acerca de cowboys, lojas de conveniência e Deus.


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