terça-feira, 27 de dezembro de 2022

10 000 Russos – Superinertia (2021)


 

O trio portuense tem novo disco. É forte, poderoso e não brinca em serviço. Ouvir Superinertia de fio a pavio é obra. E a obra, de facto, é tão bem feita que merece aplausos vigorosos.

Dão pelo nome de 10 000 Russos, a sua editora é inglesa, passeiam os seus sons pelo garage / space rock anglo-saxónico com travo alemão à maneira do kraut do anos 70, mas são portugueses. Estranho? Nada disso, antes sinal dos tempos da globalização em que estamos cada vez mais embrenhados. Na verdade, todos somos cidadãos do mundo, assim queiramos verdadeiramente pertencer-lhe. Já se torna difícil haver outro caminho, pelo que o exemplo dado pela banda do Porto é, de facto, apenas mais um. Este novo trabalho atende por Superinertia e representa um claro passo em frente na discografia ainda curta do grupo, tendo sobretudo em conta a atmosfera sonora que apresenta, notando-se bem mais o efeito da electrónica trazida pelo novo elemento da banda, Neils Meisel, que substituiu o anterior baixista André Couto. João Pimenta (o Joca, baterista e vocais) e Pedro Pestana são os outros nomes dos 10 000 Russos. Com esta importante alteração, o som tornou-se mais encorpado, com um brilho particular, mesmo sabendo-se que o trio em questão prefere as sombras ao sol. O uso dos sintetizadores tê-los-á tornado mais espaciais, e a vertigem pós-punk talvez mais acentuada, mais volumosa e frequente. O apelo à dança também se faz por via das constantes repetições rítmicas. Tudo isto em Superinertia, tudo isto fresco e pronto a saborear. Vale bem a pena.

São apenas cinco, os temas de Superinertia. Segundo a própria banda, o conceito do álbum prende-se com o facto de todos os seus elementos sentirem que os ocidentais vivem num elevado estado de dormência, de indolência, de… inércia (lá está), que forçosamente deriva para a política, para a cultura, acabando por se repetir de forma cíclica, criando uma certa nostalgia comportamental que não será proveitosa. Postos os pressupostos, o que se ouve em Superinertia soa muito bem, tremendamente bem, sobretudo se o seu ouvido estiver treinado para a batida motorika (que benção!), para as repetições rítmicas que se estendem por todo o álbum e por todos os seus quarenta e poucos minutos de duração. O disco não tem momentos de acalmia. A tensão é permanente, a garra imensa. Devem soar mesmo bem ao vivo, toda esta mão cheia de faixas: “Station Europa”, “Saw the Damp”, “Super Inertia”, “A House Full of Garbage” e “Mexicali / Calexico”, o tema mais estendido, mais longo, um longo mantra que encerra o disco de forma perfeita. Em todos estes temas é fácil identificar outras paisagens sonoras, sobretudo em certos riffs de guitarra à boa maneira de Klaus Dinger e Michael Rother (os NEU!), quando abandonaram os Kraftwerk para fundarem, em Düsseldorf, uma das mais importantes e superlativas bandas do chamado krautrock. A batida 4/4 (motorika) é outra marca importante desse movimento alemão e, como já havíamos dito, está bem presente em todo o álbum. É ela, aliás, que promove a tensão que se sente de forma transversal, do início ao fim de Superinertia. A faixa de abertura (“Station Europa”) é portentosa, uma das melhores, mas todas as restantes não lhe ficam atrás. Superinertia é de uma enorme coesão, sem dúvida.

Apesar de terem um som avassalador e repetitivo, não deixa igualmente de ser verdade que o som dos 10 000 Russos também vive de detalhes com enorme carga hipnótica, digamos assim. Há por ali muito trabalho de composição, sem margem para dúvidas. E surpresas, se as soubermos escutar com alguma atenção. Está, assim, apresentado um dos discos portugueses do ano de 2021. Sim, mesmo que de genuinamente português Superinertia tenha praticamente nada.


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