sábado, 10 de dezembro de 2022

ESQUINA PROGRESSIVA

 

Monarch Trail - Sand (2017)



O nome de Ken Baird não é uma novidade no progressivo canadense, esteve de maneira solo na cena por quase quinze anos, quando decidiu após o lançamento do seu quinto disco, Further Out, expandir suas atividades e apresentar o trio Monarch Trail, um projeto formado pela necessidade de Baird produzir música em um maior status de trabalho em equipe. Após uma estreia bastante promissora em 2014 a banda está de volta com Sand,  um trabalho que certamente poderá ser visto como um dos melhores do ano dentro do universo musical progressivo. Como o último álbum, temos um trio aqui de chaves, baixo e bateria com três convidados ajudando guitarras. A mesma formação que foi na estreia.

O disco inicia com “Station Theme”, com baixo, piano e bateria, que se juntam rapidamente por sintetizadores, uma sonoridade espacial retro meio perturbadora, soando como um jingle para um programa de ficção científica no History Channel. O piano apresenta uma destreza que lembra Rick Wakeman. Os sintetizadores voltam junto do baixo e bateria “energizando” a música novamente antes de chegar ao fim.

Em “First Thoughts” os de desconhecem a voz de Ken logo de cara irão perceber que se trata de uma voz extremamente humilde, expressiva e de grande apelo emocional. Além do belo vocal, trata-se de uma breve canção de ninar, lavada em cascatas de sintetizadores de cordas e uma incursão de guitarra acústica que é simplesmente encantadora. Uma música brilhantemente simples e perfeita.

Digamos que o desembarque orbital completo ocorre em “Back to the Start'”, onde são sete minutos de um desenrolar de unidade sinfônica esplendorosa quase ritualística, teclados colossais liderados por um violento ataque de baixo. Ken revela seu ofício nas várias nuances de tecladas à sua disposição, passando de delicado para bombástico, de despretensioso para complexo, com inegável afluência. O guitarrista John Mamone cuspiu alguns bons lick para manter o impulso, outra peça cinematográfica.

“Missing” tece um caminho angustiante através de refluxos vocais e fluxos instrumentais, todos os teclados de Ken ardendo furiosamente, os sintetizadores em particular em chamas através de uma infinidade de solos que desafiam a lógica. Há um leve sentimento de IQ nas melodias e na entrega vocal, embora não seja perto do mesmo timbre de voz do que Peter Nicholls, o que acaba ilustrando uma banda que apesar das influências, tem um estilo próprio e gosta de cumpri-lo.

“Charlie's Kitchen” é uma canção de piano bar bem jazz que acrescenta guitarra cortante e uma seção de ritmo que se desloca que é legal e louco ao mesmo tempo. Ela se transforma vagarosamente em um passeio sinfônico bastante animado, cheio de pompa e circunstância, decorado com plumas de sintetizador floridos, por um lado, e complexidades métricas da batente no outro (sei que esse disco está me fazendo poetizar, mas não tenho culpa se a música me deixa assim). Todos os instrumentos simplesmente fascinantes.

“Another Silent World" é uma peça curta com sintetizadores e atmosfera em toda parte que serve como uma introdução inteligente para o épico que fecha o álbum. “Sand” é um épico ambicioso, começa com uma fragilidade musical de Anthony Phillips, uma criação de ambiente bucólico e pastoral que evolui para uma paisagem mais sinfônica, carregada de tons ameaçadores, medo delicado e solidão desavisada, chegando a uma linha teatral às vezes. O humor da faixa é sempre um enigma colidindo entre a promessa do futuro e o conforto relativo do passado, certamente uma definição bastante adequada de música progressiva moderna. A música segue com toda a sua exuberância em uma passagem instrumental maravilhosa liderada pelas teclas de Ken, crescendo em espirito com solo de guitarra, desafiado constantemente pelos sintetizadores estridentes e pianos persuasivos por baixo de tudo. Tudo entra em serenidade instrumental de belos vocais até crescerem em uma viagem emocionante de som e estilo que não pode deixar de impressionarem até o ouvinte mais casual. O final é apoteótico, influência clássica que apenas eleva o prazer do ouvinte, ultrapassando a norma musical comum, dando a sensação onírica como se estivéssemos empunhados a um passeio de tapete mágico em direção as estrelas. Simplesmente sensacional.

Se o primeiro álbum já foi um grande sucesso, aqui os arranjos, o desempenho dos músicos e a produção são muito superiores, o que significa que só podemos esperar um crescimento e a maior firmação da banda no cenário progressivo. Além disso, aqui, os ouvintes serão testemunhas de um dos mais proeminentes tecladistas atuais em ação, Ken Baird, podendo juntar a outros grandes nomes da era moderna como por exemplo. Clive Nolan, Fred Schendel, Andy Tillison, Neal Morse e Robert Reed. Em termo de sinfônico puro quem sabe até o melhor do ano, em termos de progressivo em geral, sem dúvida alguma, um dos melhores. Imperdível.



Track Listing

1.Station Theme - 3:52
2.First Thoughts - 3:22
3.Back To The Start - 7:11
4.Missing - 6:29
5.Charlie's Kitchen - 7:43
6.Another Silent World - 2:10
7.Sand - 24:31



Genesis - Selling England By The Pound (1973)



Em 1973 o Genesis estava em uma sequência de três discos de qualidade elevadíssima, sendo o anterior, uma verdadeira obra-prima. Será que eles conseguiriam manter-se em alto nível a ponto que lançar outra obra prima apenas um ano depois? Não preciso responder, basta ouvir a beleza que é Selling England By The Pound pra ter a total certeza de que sim. Aqui a banda cria o que considero um mundo fictício em termos sonoros povoado com vinhetas musicais, sejam elas às vezes épicas em termos de impacto, sejam elas mais intimistas soando como uma música de campo. Traz uma sonoridade mais amena por parte de todos os instrumentos. Teclados suaves e mais sutis e com uma presença maior de piano, guitarras menos agressivas e mais românticas, a bateria sempre bem encaixada, cadencia-se moderadamente também dando ao álbum uma tendência suave, o baixo é limpo e com ótimas variações ainda que menos aparente que em trabalhos anteriores. Quanto ao vocal de Peter Gabriel, sempre marcante e nunca maçante, além de possuir uma carga pesada de sentimentos.

O disco começa através da faixa “Dancing With The Moonlit Knight” e que fala sobre a decadência da Inglaterra. “Você pode me dizer onde está o meu país?”, pergunta Peter Gabriel. Uma bela guitarra e um piano apaixonado começam a dar as primeiras roupagens à canção. Então que teve Hackett começa o tema de guitarra recorrente e que carrega mais adrenalina. Às vozes sintetizadas, a bateria e os riffs de guitarra elétrica bastante rápidos são perfeitos. A faixa surpreende em determinado momento com mudança de tempo dos teclados, novas melodias montando um rock progressivo de excelência. Peter Gabriel canta como se estivesse falando com duas pessoas diferentes e lhes dando instruções, mostrando porque pode ser considerado um mestre na mudança de tom enquanto canta. Os riffs repetidos tanto da guitarra quanto do teclado deixam a peça fantástica na visão de todo e qualquer amante de rock progressivo. A faixa termina com o mesmo humor melancólico que começou em um clima sonhador e meio pastoral.

“I Know What I Like (In Your Wardrobe)” é uma música mais curta e menos séria, baseada na capa do álbum, com o cortador de grama e todas as pessoas correndo para o campo. A música é cantada do ponto de vista de um cortador de grama, e as letras são bastante enigmáticas. Gosto da maneira como o álbum é apresentado, com faixas mais curtas em meio a peças mais longas. Musicalmente é bastante simples, mas não deixar de ter trabalhos interessantes principalmente de flauta, bateria e baixo além dos vocais sempre teatrais de Peter Gabriel.

“Firth Of Fifth” é um dos clássicos absolutos da história do rock progressivo. O piano inicia a faixa quase instrumental de uma maneira bastante bonita. Os vocais, guitarra elétrica e teclado entram muito de repente e seguem a progressão do piano, mas fazem com que a música se mova um pouco mais animada. Tudo é muito simpático e feliz, até o piano e a flauta fazer um dueto, com isso uma melodia muito melancólica e até deprimente atinge nossos ouvidos. . Por quase dez minutos, somos transportados para um mundo fantástico, alternando entre os vocais magníficos de Peter Gabriel, o virtuosismo do teclado de Tony Banks e sem deixar de esquecer Steve Hackett, puxando talvez o seu solo mais emblemático de guitarra. “Firth Of Fifth” é uma faixa que flui de maneira boa e má humorada, como um rio de mudança constante, última frase dita por Peter Gabriel antes de chegar ao seu final.

“More Fool Me” é considerada por muitos uma mancha negra no álbum se comparada com tudo o que ele oferece nas demais. Cantada por Phil Collins, aqui não se trata de um rock progressivo, mas uma música pop acústica de sonoridade suave. Phil Collins canta sobre sua namorada que parece tê-lo abandonado. Ao contrário de muitas pessoas eu não a desconsidero completamente e a acho uma canção de amor muito bonita e que funciona bem como um descanso entre as duas músicas épicas que a cercam.

“The Battle of Epping Forest” é uma canção muito intrincada com muitas emoções e um tema extraído de uma crônica sobre uma batalha de gangues que brigavam constantemente em Londres. A princípio remete a uma marcha militar sobe rufos de tambores, então que após ir silenciando, de fato a canção começa. A quantidade de mudanças no tempo faz a alegria dos mais exigentes fãs de rock progressivo. É interessante se atentar um pouco mais a letra pra perceberam como eles criam uma imagem clara do que está acontecendo. Em relação a isso maior crédito vai para Peter Gabriel e suas fantásticas características interpretativas. Hackett com sua guitarra também tem um bom momento quando Gabriel fala sobre um encontro de um padre com uma striper ou algo assim e ele apresenta uma linha de apoio fascinante e misteriosa. Uma faixa complexa de vocal difícil, ótimos teclados, guitarras elegantes e mais enérgicas como no caso do solo final, linhas de baixos discretas, mas bem executadas e excelentes frases de bateria.

“After The Ordeal” é novamente mais um ponto de descanso entre duas faixas épicas. Trabalho instrumental de uma beleza incrível, mantem a rica atmosfera do álbum perfeitamente em uma variante de melodias soberba. Steve Hackett é o destaque e delicia o ouvinte com exímia instrumentação acústica e elétrica. Enganadoramente simples é extremamente gratificante.

“The Cinema Show” e “Aisle of Plenty” apesar de separadas no disco devem ser encaradas como uma canção apenas. Talvez tirando “The Musical Box”, seja a música mais emocionalmente e sentida que Peter Gabriel já escreveu no Genesis. Tem sintetizadores maravilhosamente bonitos e melodias de guitarra entretidas juntamente com uma das melhores interpretações vocais de Gabriel. Por volta de três minutos existe sonoridade onírica e belíssima que segue até o retorno vocal e musical. A parte final é a mais progressiva com destaque para os teclados de Tony Banks. Um momento musical que necessita de plena atenção e respeito pra que o ouvinte entre de fato na ideia da banda a ponto de sentir-se deslocado pra outra espécie de dimensão. O motivo real de encarar “Aisleof Plenty” como parte de ”The Cinema Show” é o fato do começo de uma ser através do final da outra, a música é curta e segue relembrando pequenos temas de músicas que ocorreram no disco. Um final extremamente apropriado pra uma obra-prima.

Um disco de beleza rara, sensibilidade musical ímpar e do tipo que assombra a Terra somente uma vez a cada muitos anos. Umas das bíblias sagradas do rock progressivo. Tony Banks esteve excepcional nesse álbum, sendo definitivamente o seu melhor trabalho com a banda, às vezes sutil outra hora mostrando grande habilidade nas teclas. Steve Hackett foi excelente na criação de atmosferas com a assinatura Genesis como somente ele seria e é capaz de fazer, inclusive, já havia apresentado um grande desempenho nos dois discos anteriores do grupo, mas aqui ele além de maneira individual, trabalha bastante em prol da banda. Os vocais de Peter Gabriel brilham, sendo que a produção de sua voz nunca esteve tão boa, belas performances teatrais, emotivas e únicas que o fazem ser considerado o dono de uma das vozes mais marcantes da história do rock progressivo e que influenciou uma leva de infinitas bandas décadas seguintes. Mike Rutherford não ocupa o mesmo espaço de álbuns anteriores, talvez até mesmo por conta do destaque dos teclados de Banks, mas trabalhou com linhas sólidas, criativas e bastante eficazes sempre que acionado. Phil Collins na bateria é bastante impressionante, não necessariamente espetacular, mas muito meticuloso com linhas e movimentos que edificam sempre as músicas da banda.

A produção deste álbum é melhor do que qualquer álbum anterior do Genesis. É magistral e mostra uma banda em seu pico criativo. Posso dizer que sinto que longos feitiços são ocupados com passagens instrumentais que entram na alma e traz lágrimas aos olhos. Um registro atemporal que nasceu, se tornou e será eternamente um dos maiores clássicos da história do rock progressivo e mesmo da música em geral. 



Track Listing

1.Dancing With The Moonlit Knight - 8:01
2.I Know What I Like (In Your Wardrobe) - 4:06
3.Firth Of Fifth - 9:34
4.More Fool Me - 3:09
5.The Battle Of Epping Forest - 11:43
6.After The Ordeal - 4:12
7.The Cinema Show - 11:06
8.Aisle Of Plenty - 1:31





A Romênia não costuma ser um país lembrado quando o assunto é rock progressivo, melhor dizendo, até na música em geral, mas em 1979 essa incrível banda lançou um dos melhores álbuns progressivos do final da década de 70. Zalmoxe é um disco conceitual com letras do poeta romeno Alexandru Basarab, baseado na figura folclórica “Zalmoxe”, que era um líder religioso divino sob o domínio do rei Burebista. O disco na época sofreu censura política, tendo a permissão para ser lançado somente três anos após suas gravações. Uma grande obra progressiva, os teclados tem o papel proeminente. Ás vezes pode remeter o ouvinte ao Genesis.

O disco abre em uma mistura de tirar o fôlego da introdução barroca e quase gregoriana de “Ursitoarele”, mas depois de alguns segundos, isso muda radicalmente pra uma fluidez sinfônica, meio heavy prog com múltiplas mudanças de excelentes riffs de guitarras.

“Blana de Urs” começa com uma longa seção introdutória que se transforma em uma passagem dirigida por órgão que me remete quase que imediatamente ao Yes. Bateria e baixo são excepcionais, complementando perfeitamente o trabalho criativo de guitarra, teclado e vocais, tudo soando deliciosamente. Não bastando isso, a música se transforma em um tipo de rock clássico, com teclados fortes que parecem simples, mas são bastante interessantes.

“Mierea” lembra bandas argentinas dos anos 70 por causa da maneira que eles fazem uma música elaborada parecer tão simples. Quase como uma balada suave, mas nesse caso com fugas surpreendentes de teclado. Novamente, bonito e interessante.

É triste ouvir esta ótima música e não ser capaz de entender as letras (não sei nem uma palavra de romeno), mas a beleza e a complexidade ingênua de sua música me deixam muito pensativo com isso, e “Pestera” é um ótimo exemplo, quando eu escuto os dois minutos de ruptura instrumental com um som que parece ser um instrumento de sopro nativo e teclados exuberantes, esqueço qualquer problema linguístico e só posso me concentrar na robusteza da música.

“Epifania” é outra balada tranquila que parece fluir suavemente de um lado para o outro sem surpresas, mas quando se fala de uma banda de rock progressivo, é sempre bom esperar o inesperado, uma mudança drástica ou um teclado exuberante redirecionam a faixa.

Furtuna Cu Trup de Balour” marca um ponto de interrupção no álbum, se as músicas anteriores eram suaves e melódicas, aqui o som é frenético e até pesado, com umas estruturas bastante incomuns. Tudo é executado de uma maneira original, mas menção especial às seções de órgãos que dão brilho extra a uma música já excelente.

“Cãlãtorul Prin Nori” é uma mistura estranha entre sons étnicos, música eletrônica e um pouco de Vangelis, mas a medida que a música avança, o componente folk assume o primeiro plano com a atmosfera nostálgica e calorosa, enquanto bateria e baixo dão um toque de mistério que parece levar a uma explosão de som que nunca vem, mantendo o ouvinte em suspense. Estrutura brilhante.

“Kogainon” já começa com um trabalho vocal extraordinário entre os coros de monastérios e influência em Queen, onde o próprio trabalho de guitarra também lembra Brian May. A faixa está sempre em uma crescente até chegar em um ponto que de repente para, uma ótima preparação para o grande final do álbum.

“Epilog” fecha o álbum com uma outra combinação incomum de sons e estilos, que vão de um vocal que flui bem a algo mais sombrio e misterioso. Uma faixa curta de final atmosférico e bastante edificante.

Um disco pra fazer com que olhemos com mais carinho para a cena progressiva da Europa Oriental dos anos 70, pra percebermos sua versatilidade, suas sonoridades nativas e destreza dos músicos escondidos em uma parte pouco explorada do continente.



Track Listing

1.Ursitoarele - 5:30
2.Blana de Urs - 4:00 
3.Mierea - 4:28
4.Pestera - 4:10
5.Epifania - 4:11
6.Furtuna Cu Trup de Balour - 4:53
7.Cãlãtorul Prin Nori - 6:26
8.Kogaion - 5:28 
9.Epilog - 3:00





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