domingo, 11 de dezembro de 2022

ESQUINA PROGRESSIVA

 

Yes - Relayer (1974)


Após o controverso, Tales From Topographic Oceans, a decisão de Rick Wakeman em seguir sozinho levou à sua substituição pelo (na época) relativamente desconhecido Patrick Moraz. O tecladista já havia substituído Keith Emerson efetivamente na The Nice, quando se tornaram Refugee, com isso, uma coisa era fato, suas credenciais eram bastante sólidas. Seu estilo, no entanto é um pouco diferente de Emerson e Wakeman, já que Moraz tem um som mais jazzístico. Ele é menos solista e contribui mais para o som geral de cada música. Isso dá a Relayer uma sensação diferente do que havia sido apresentado pela banda até então.

Cada membro da banda pode ser colocado em destaque aqui. Jon Anderson apresenta umas de suas melhores performances vocais e suas letras têm muito mais sentido que o habitual. Steve Howe está afiadíssimo em sua guitarra, complementada por um baixo igualmente energizado de Chris Squire. Alan White apresenta incríveis habilidades podendo colocar sua participação em Relayer com uma das mais inspiradas de sua carreira. Patrick Moraz, como já dito, é menos virtuoso, mas ao mesmo tempo, contribui de maneira requintada e criativa em todas as músicas.

O álbum contém apenas três faixas onde a de abertura é “Gates of Delirium”. Começa de maneira amena através de pratos, teclado, guitarra e baixo acessível. É diferente das introduções de outros épicos da banda. São cerca de dois minutos de preparação antes do vocal de Anderson entrar e a música de fato começar. Logo no início nota-se a diferença nos trabalho das teclas, onde ao contrário de Wakeman que quando toca os demais membros tendem a deixa-lo sozinho pra que ele faça sua viagem, Moraz convida todos os músicos pra se juntar a ele para criar uma peça de maquinaria complexa, mas bem oleada, na qual cada elemento tem a mesma importância. Depois de uma curta seção vocal de Anderson muito bem acompanhado por Squire, vem o festival de loucura com Howe liderando a “bagunça”, mas sempre complementado por Moraz, Squire e a bateria forte e precisa de Alan White, inclusive, ao ouvi-lo tocar percebe-se o quanto ele parece mais confortável devido a liberdade que lhe foi dada nesse disco. Por volta dos seis minutos de música o ouvinte pode esperar qualquer coisa, quando qualquer membro está tentando fazer um solo, outro membro irrompe em um caos musical bem intencionado, como se eles compartilhassem o controle de um pelo outro, Howe, Squire e Moraz criam um conflito maravilhoso de sons com mudanças radicais e inesperadas, além de ataques violentos aos instrumentos desafiando o ouvinte e eles mesmos como poucas bandas se atrevem. Uma música perfeita desde o seu início suave, o desenvolvimento complexo e o final brilhante com o delicado “Soon” que coloca novamente um ar nessa canção que é simplesmente de tirar o fôlego.

Em “Sound Chaser”, ao contrário do que foi visto na faixa anterior, começa de maneira perturbadora sem aviso prévio. Uma maravilhosa sonoridade entre o jazz e o progressivo que é um verdadeiro ataque aos sentidos, fazendo com que pareça que cada músico foi autorizado a fazer o que quiser em uma espécie de free jazz, mas se você notar com atenção existe uma estrutura muito bem elaborada no fundo em que cada nota e som têm um motivo de estar no seu lugar. Guitarras nervosas, teclados que servem como excelente paisagem sonora, baixo e bateria formam uma cozinha requintada e de pura técnica. A única coisa que não acrescenta muito na música são os “cha cha cha”cantado por Jon Anderson algumas vezes, mas ainda assim, pouco pra tirar dessa música o seu status de obra grandiosa.

“To Be Over”, depois da tempestade a bonança. Teclado e guitarra de maneira bela e serena dão início a música. Tem alguns dos vocais mais bonitos da história discográfica da banda e as melhores letras do álbum. Depois de quase dois minutos de introdução os vocais e a bateria ingressam na faixa, a cadencia da música vai continuando em um clima suave até ficar mais dramática e enérgica, também tem um excelente solo de guitarra sobre uma cama instrumental muito bem estruturada, os vocais retornam de maneira dramática e bela. Há um curto solo de teclado que soa bastante refrescante, já que ao contrário de discos anteriores, não se ouviu isso aqui até então. O álbum termina de maneira vibrante.

Um dos álbuns mais espetaculares da história do rock progressivo, tudo é muito bem elaborado. Provavelmente o disco mais melódico e emocionalmente satisfatório do Yes, a banda em um dos seus mais inspirados momentos. Não é apenas essencial, mas obrigatório. 



Track Listing

1.Gates Of Delirium - 22:55
2.Sound Chaser - 9:25
3.To Be Over - 9:08



Machines Dream - Black Science (2017)



Machine Dream me é uma grata surpresa desde que os conheci lançando o álbum de estreia em 2013. Algo que faz sua música ser tão agradável e natural é o fato da banda ter surgido sem pretensão alguma, eram apenas cinco amigos que se juntavam algumas vezes por semana para improvisar aquilo que seus corações musicalmente mandavam, mas que acabou fazendo com que essas ideias virassem seu primeiro disco. É fácil ver a linhagem da banda, os membros  sempre ouviram muito grupos como Pink Floyd, Genesis, King Crimson, Marillion, Porcupine Tree, Tool entre outras, podendo notar influência de todas elas na sua música. Mas claro que a banda quer fazer algo além do que homenagear bandas de rock progressivo do passado (seja distante ou mais próximo), querem compor músicas novas e experimentar sons originais, enfim, criar algo mais significativo. Em seu mais novo álbum, Black Science, a banda novamente acerta na fórmula e nos presenteia com mais um disco de grande beleza.

“Armistice Day” é uma curta faixa de um minuto e meio com um vocal reminiscente ao estilo de Roger Waters e atmosfera criada por sons eletrônicos que logo a fazem ligar a “Weimar”, música que já começa de maneira belíssima, teclado, piano e guitarra dando um ar sinfônico que é seguido por um vocal aberto. Tem excelente linha de baixo, um momento de cravo de influência barroca, um aumento no ritmo da música, excelente passagem de sintetizadores e indulgência geral da guitarra. Então que a faixa suaviza novamente para a sua cadência inicial até entrar um solo emotivo de guitarra seguido por outro de teclado.

“The Cannons Cry” começa com um riff pesado em um tema que adverte sobre o surgimento do fascismo e o uso da propaganda para impulsionar uma futura guerra de destruição de valores e princípios comuns. Nota-se aqui o quanto estes caras são fãs de Roger Waters, mas apesar disso, não é algo desonesto, buscando apenas complementar sua música com tal admiração e não deixar de serem eles mesmos.  Baixo pulsante, bateria enérgica e camas atmosféricas criadas pelos teclados complementam esta música excelente.

“Heavy Water” trata sobre a primeira bomba atômica. A música é uma tentativa de imaginar e personalizar o que o aviador na Enola Gay pode ter pensado e sentido antes de deixar cair a bomba. O piano desempenha um papel bonito e importante na música, as harmonias vocais são influenciadas por Pink Floyd. Na última parte instrumental da música, podemos desfrutar de um solo de guitarra melódico, ótima bateria e linha de baixo além de um agradável​​tapete criado pelo teclado.

Após uma turbulência tão dramática, um momento mais leve da humanidade é encontrado em “Airfield on Sunwick”, uma história sincera sobre uma mascote de ursinho chamado Wojtek, que acompanhou uma heroica unidade de combate polonesa durante a Segunda Guerra Mundial. Jakub Olejnik, da banda polonesa, Maze Of Sound é um convidado vocal nessa faixa acrescentando nela uma boa autenticidade. Novamente a melodia principal é feita pelo piano. Destaque também para a ótima linha de baixo e o excelente solo de sintetizador no meio da música.

“Black Science” é uma faixa que se mostra está olhando para o século 20 como um todo, e sentindo que algumas das piores coisas se destacam mais do que as melhores. Os assassinos em série, o egoísmo, a economia neoliberal, o culto ao dinheiro, a destruição do meio ambiente, o apartheid e as guerras em uma escala diferente de qualquer coisa antes. Apresenta uma melodia bastante simples e delicada sobre um ritmo desanimado. Destaque para o final através de belo e sombrio solo de saxofone que entra na música pra fazer um dano emocional grave no ouvinte.

Depois de um começo suave, “UXB” mostra-se uma peça progressiva, mas mais pesada que o resto do álbum, os vocais são cantados de maneira mais agressiva. O baixo é colocado em uma camada de destaque. Na faixa também há um solo de sintetizador característico do estilo progressivo moderno seguido por uma guitarra estridente dando uma atmosfera caótica. Então que a faixa se acalma para finalizar em um trabalho de piano clássico.

O álbum fecha com a faixa “Noise to Signal”, uma música sobre a internet, saturação de mídia, fatos alternativos e notícias falsas. Uma música obscura com parte pesadas de guitarra, mas também com melodias mais leves de sintetizadores. Musicalmente e liricamente extremamente rica, muda de direção depois da metade com o retorno liderado por pianos, a deixando mais leve e edificante. Após a sua mensagem final, “Shut down the noise, become the signal” (desligue o barulho, torne-se o sinal),a música finaliza com um belíssimo solo de saxofone.

Um disco que é uma grata surpresa e que mostra uma enorme maturidade em todos os seguimentos de sua criação, musicalidade, escrita e produção. É projetado de forma excelente e pensativa e não apenas os fãs de rock progressivo, mas de música em geral encontrarão muito aqui pra ser apreciado. Black Science não se trata somente de um registro musical, mas uma mensagem.



Track Listing

1.Armistice Day - 1:34
2.Weimar - 10:40
3.The Cannons Cry - 4:18
4.Heavy Water - 8:36
5.Airfield on Sunwick - 6:11
6.Black Science - 8:17
7.UXB - 4:59
8.Noise to Signal - 8:47




Campo di Marte - Campo di Marte (1973)


Campo di Marte foi mais uma das inúmeras bandas one shot surgidas na Itália durante a década de 70 que após o lançamento de um disco e devido a falta de apoio pra prosseguir, tiveram que encerrar as atividades precocemente. Mas como boa parte do que aconteceu com essas bandas, o disco deixado é de qualidade ímpar. A maioria das músicas é na verdade uma ótima combinação entre riffs pesados e a finesa progressiva da escola italiana. Os músicos tocaram de forma impecável. O único ponto negativo eu diria que é a produção, mas se pegarmos o fato que o disco foi feito em 1973 e sem muito apoio é completamente compreensível.

Começa com “Primo Tempo” de uma maneira que mais me faz lembrar Black Sabbath do que uma banda sinfônica italiana. Bateria dissonante e guitarra entrando em colisão com os teclados criam um hard progressivo. Essas passagens pesadas são contrastadas com climas pastorais de vocais reservados e órgão flutuante além de um momento acústico e de flauta muito bem direcionada. O baixo é pulsante e a bateria não deixa a música perder o oxigênio. Um belo e sinistro início de álbum.

Em “Secundo Tempo” sim eu posso dizer que começa de maneira que podemos esperar de uma banda italiana, suave e acústica com uma bela melodia em que os músicos daquele país sabem fazer muito bem, a flauta onírica cria uma atmosfera densa, mas melódica e só é interrompida com a bateria que ao entrar cria um excelente contraste a música. Á medida que a música vai avançando também lhe são acrescidos um tipo de jazz latino e influência em Genesis reforçados por mellotron. Tudo flui suavemente até o maravilhoso final com guitarras distorcidas.

Terzo Tempo” é uma verdadeira caixa de surpresa. Traz um início confuso e meio cacofônico com Enrico Rossa torturando o violão quase em uma veia metal, mas depois de alguns segundos, o piano e os vocais tradicionais mudam radicalmente o humor da música para uma espécie de balada melancólica, mas que logo em seguida muda novamente o seguimento através de um piano que desvia a sua direção para uma música de melodia mais sinfônica. Na verdade as mudanças são continuas nessa faixa, mantendo sempre o interesse do ouvinte, como o bom rock progressivo deve ser.

“Quarto Tempo” parece na verdade duas faixas diferentes, onde a primeira é composta por um solo de órgão barroco na veia de Johan Sebastian Bach, mas que de repente se transforma em uma canção de rock sinfônico de tirar o fôlego, onde todos os instrumentistas dão tudo que eles têm a oferecer. E se isso já não fosse o bastante, apresenta um final acústico surpreendente e que pode ser visto como a cereja do bolo.

Quinto Tempo” tem o início com intrincados fio de guitarra, seguido por belíssima melodia de flauta, belo também são as melodias vocais que entram. A levada da bateria, guitarra acústica e o órgão é algo fabuloso, assim como uma parte engrandecida pelo uso de mellotron. Na parte final novamente encontra-se a agradável melodia vocal antes que a faixa chegue ao fim. De certa forma uma música bastante previsível, mas que os sutis e inesperados detalhes sempre me agarram em cheio.

“Sesto Tempo” é uma música de excentricidade absurda, parece que a banda misturou todos os estilos que conseguiram criar e os juntou com o único propósito de surpreender o ouvinte despreparado, mas apesar disso, o resultado é fantástico, cada colisão entre as seções acontecem de maneira natural. Tem bastante energia, guitarra às vezes fervorosa, órgão nervoso, sintetizadores e trompetes bem encaixados, um baixo latejante e bateria extremamente bem direcionada e tocada de forma sólida. Deliciosa do começo ao fim.

“Settimo Tempo” é a última música do álbum. Apresenta bons contrastes entre uma guitarra intrincada com o órgão e bateria. Mas é uma faixa tão contraditória e complexa que possui várias mudanças de temas e estilos musicais. Confesso que descrevê-la é complicado, pois fico com receio das palavras destruírem a sua beleza. Um final extremamente digno de encerrar uma obra tão maravilhosa.

Mais uma entre tantas bandas italianas que lançaram apenas um álbum quando é nítido o quanto mais ainda tinha a oferecer. Disco obrigatório a qualquer apreciador do rock progressivo vindo da terra da bota. 

Track Listing

1.Primo Tempo - 8:10
2.Secundo Tempo - 3:20
3.Terzo Tempo - 6:20
4.Quarto Tempo - 3:15
5.Quinto Tempo - 5:58
6.Sesto Tempo - 5:12
7.Settimo Tempo - 8:28


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