King Biscuit Flower Hour Records
Em 1973 deu-se início à transmissão de shows completos de várias bandas proeminentes da época em uma rádio chamada D. R. I. Radio Network. Com o crescente sucesso dessas transmissões, sempre nas noites dos domingos, cerca de 300 rádios chegaram a retransmitir esse material para todo os Estados Unidos. Os primeiros shows transmitidos foram os do Blood, Sweat and Tears, Mahavishnu Orchestra e, do então estreante, Bruce Springsteen. Esse programa acabou se tornando uma verdadeira febre entre os amantes de rock. Entre eles tornou-se normal dizer que essa era a única hora que importava da semana.
Praticamente todo artista teve sua oportunidade de aparecer. No encarte dos CDs você pode ler uma lista de artistas que passaram pelo programa: “do poderoso metal de Black Sabbath ao blues de Johnny Winter ou o progressivo do Genesis. Qualquer um que fosse alguém tocou no Biscuit, de Beach Boys à Motorhead, de John Lennon, Stones e The Who à The Ants, e Elton John e The Police à Elvis Costello. Além de Bowie, Zappa, Gabriel, U2 e incontáveis mais”. Ou seja, os grandes artistas desse período tinham como uma etapa obrigatória ter uma transmissão pelo programa. Interessante dizer que as vezes nem mesmo os programadores ou até o apresentador Bill Minkin sabiam o que viria na próxima semana e isso acabava criando um clima de expectativa nos ouvintes. Não é algo muito fora da realidade dizer que o programa teve muita importância no desenvolvimento do rock em solo americano.
Essas transmissões exclusivas duraram até 1993 e a partir disso a rádio passou a repetir os shows que já haviam sidos transmitidos sem fazer novas gravações. O programa durou nesse formato até 2005. Os shows eram gravados com alta fidelidade sonora em vários canais – em algumas situações até em quadrifônico –, mixados e transmitidos pelo programa de rádios algumas semanas depois. Algumas dessas transmissões acabaram se tornando clássicas e os fãs trocavam fitas das gravações dos shows e depois da facilidade das gravações em CDr ficaram mais fáceis ainda essas trocas. Claro que esse interesse chamou atenção dos proprietários da rádio e dos direitos dessas gravações. Em 1992, se aproveitando da consolidação do CD como mídia importante, foi então criada a King Biscuit Flower Hour Records com a intenção de serem lançados álbuns ao vivo dessas gravações que tinham em arquivo.
Voltando um pouco no tempo, ainda em 1982, um incêndio acabou consumindo uma boa parte do acervo e muito se perdeu, mas o que foi mantido ainda deu a oportunidade de muitos shows históricos e muitas vezes única oportunidade de se ouvir alguns artistas ao vivo em um lançamento. Fico pensando o trabalho que deu para que a gravadora conseguisse o direito de produzir e comercializar esse material já que todos os artistas que tiveram seu material gravado faziam parte e tinham contrato com muitas gravadoras diferentes. Sabe-se, entretanto, que grande parte não conseguiu passar por essa etapa de negociação e nunca tiveram lançamento oficial. Muita coisa é encontrada somente por aquelas trocas de fitas. Calcula-se que mais de mil horas de gravações foram feitas e ao todo quase quinhentos artistas foram gravados – alguns participaram mais de uma vez.
A King Biscuit Flower Hour Records lançou, segundo sua página no Discogs, nada menos que duzentos e trinta e nove álbuns ao vivo de centenas de bandas. É incrível passar os olhos sobre a variedade do catálogo e mesmo aquele fã que não gosta de determinada banda ou estilo encontraria ali dezenas de discos que certamente caberia em sua coleção. Eu mesmo fico namorando muitos dos títulos que estão ali listados e se tivesse a possibilidade, facilidade e, principalmente, como bancar tudo isso não seria loucura dizer que teria pelo menos uma centena deles, mesmo eu não sendo um grande comprador de discos ao vivo. É incrível pensar que o registro musical histórico de uma época está disponível nesses CDs. Essa coleção é extremamente colecionável e até a semelhança de suas capas que faz uma eventual coleção de vários títulos ficarem também visualmente interessantes. A semelhança das capas se perdeu nos posteriores relançamentos de alguns títulos, um erro a meu ver. Faça uma pesquisa dentro do catálogo que foi lançado por eles e conta aí nos comentários o que achou de interessante.
Renaissance
Não tenho a intenção aqui de destrinchar a carreira do Renaissance e nem tentar contextualizar muito a importância da banda para o rock progressivo inglês da década de 70. Se você gosta do estilo certamente sabe o quanto a banda marcou o estilo e se quiser saber mais sobre o grupo e sua trajetória sugiro ler os textos editados por José Leonardo Aronna chamados Uma Sinfonia Progressiva que foram publicados em três partes (leia aqui: Parte 1, Parte 2 e Parte 3). A banda também foi tema, como não podia deixar de ser, de uma das edições da ótima sessão Maravilhas do Mundo Prog escrita por Mairon Machado (leia aqui). Portanto acredito que o leitor que quiser se aprofundar terá muito material disponível aqui mesmo na Consultoria do Rock.
Muita gente se confunde sobre se as músicas desses CDs do Renaissance são provenientes de um mesmo show. O fato de terem sido lançados como Parte I e Parte II e ambos terem a participação da Orquestra Filarmônica Real acaba dando uma dica que tudo teria sido gravado no mesmo dia. Porém quando você lê os encartes dos CD aparecem datas distintas – A parte I como 14 de outubro de 1977 e a parte II como 28 de janeiro de 1979. Entretanto, segundo as informações presentes no Discogs todas as faixas dos dois discos foram gravadas sim no mesmo dia e a data correta é a de 14 de outubro de 1977.
Os dois discos foram lançados separados no mesmo dia em 1997 junto de vários outros títulos. A gravadora tinha começado com o pé na porta. O show, como dito acima, foi gravado vinte anos antes em Londres pouco depois do lançamento de Novella, um álbum de mediano pra bom da carreira do grupo, mas que trouxe a faixa “Can You Hear Me” que aparece no repertório da primeira parte. Também está presente nessa parte I a fenomenal suíte “Song of Scheherazade”, provavelmente a faixa mais representativa da banda em uma versão fantástica e ouso dizer definitiva com uma performance magistral de Annie Haslam. Seus vinte e cinco minutos passam voando e o acréscimo da sinfônica à música é de cair o queixo. A faixa tinha saído no disco anterior ao Novella, Scheherazade and the Other Stories (1975), que é até hoje seu disco mais conceituado. “Prologue”, que abre o disco veio do álbum de mesmo nome de 1972, “Can You Understand?”, um dos pontos altos desse show é de Ashes Are Burning (1973) assim como a linda “Carpet of the Sun”. Cinco faixas matadoras!!
A parte II veio com sete faixas; “Running Hard” e “Mother Russia”, ambos do Turn of the Cards (1974). “Midas Man” e “Touching Once (Is So Hard to Keep)” do Novella, o outro fantástico clássico “Ashes Are Burning” do disco de mesmo título, uma viagem de vinte e oito minutos do puro suco do progressivo setentista e, uma faixa que saiu creditada erroneamente com o título de “Prologue”, mas na verdade se chama “A Song For All Seasons”. Essa última música acabou sendo a faixa título do próximo disco gravado no ano seguinte.
O Renaissance tinha lançado um álbum ao vivo ainda em 1976 chamado Live ar Carnegie Hall. Foi um LP duplo com praticamente o mesmo repertório desses dois lançamentos da King Biscuit, exceto pelas músicas do Novella e “A Song For All Seasons”. Curiosamente também foi gravado com o acompanhamento de uma orquestra, mas na ocasião foi com a Filarmônica de Nova York. Os discos da King Biscuit saíram mais de vinte anos depois desse primeiro disco ao vivo e, a meu ver, completa o material dessa fase de ouro da banda ao vivo. Também não posso deixar de comentar o fato da música da banda se relacionar tão bom com a orquestra, provando que o conceito da banda de trazer a música erudita para o povo é atingido perfeitamente. Anos depois outros discos, muitos de material de arquivos, saíram também, mas não conheço mais nada. Recomendo fortemente a todos que busquem ouvir esses discos já adiantando que ninguém vai se arrepender.
Uma curiosidade para fechar o texto. Hoje estamos passando por uma crise mundial causada pela invasão da Rússia à Ucrânia. Além da faixa “Mother Rússia” presente na parte II dos lançamentos descritos acima, a banda tem uma outra música chamada “Kiev”, nome da capital da Ucrânia, que saiu no disco Prologue. Ouçam os discos e comentem aqui o que acharam.
Line Up:
Michael Dunford – guitarra acústica e vocal
John Camp – baixo e vocal
Terrence Sullivan – bateria e percussão
John Tout – teclados
Anie Haslam – vocais
Harry Rabinowitz – maestro condutor
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