O décimo-oitavo disco dos King Gizzard & The Lizard Wizard, Butterfly 3000, tem sintetizadores, arpejos orientais e um psicadelismo saltitante e feliz. Mais um tiro certeiro, para não variar.
Quando os neo-psicadélicos King Gizzard começaram a dar nas vistas, dissemos para o nosso cinismo: que belíssimo sucedâneo dos Tame Impala. Mal sabíamos nós que os supostos discípulos ultrapassariam o mestre Kevin Parker em todos os tabuleiros. Ética do trabalho? Dezoito discos em nove anos! Versatilidade? Versados nos géneros mais díspares: do garage à folk, do thrash metal ao kraut-punk! Imaginação? A torrencial criatividade de Stu Mackenzie envergonhando os fantasmas do Zappa e do Prince!
Tendo há muito percebido que os Gizzard não sabem, por muito que tentem, fazer maus discos, partimos com expectativas altas para o novo álbum. Não nos desiludimos. Butterfly 3000 é vibrante e inventivo. E uma ruptura com os irmãos gémeos K.G. e L.W..
Onde os dois discos anteriores são dominados pela guitarra eléctrica e pelos micro-tons da música africana, Butterfly prefere os sintetizadores e as pentatónicas (vulgo: teclas pretas do piano). Os seus arpejos orientais, repetidos em loops infinitos, levam-nos para casas de ópio futuristas, Xangai no ano 3000.
Onde os últimos trabalhos eram vergados pelo peso da distopia, Butterfly é leve e luminoso, como uma borboleta azul a esvoaçar. Mackenkie foi pai e a boa nova transborda para as espirais do disco. O falsete quase bee-gees-iano e a guitarra acústica soalheira expressam esse optimismo. Butterfly 3000 é escapista e com orgulho de o ser.
Quando falámos de escalas exóticas e guitarras com sol lá dentro, podem ter imaginado paus de incenso e massagens ayurvédricas. Nada mais ao lado. A bateria motorik e o baixo corta-cabeças à Lemmy são urbanos e frenéticos. Se há exotismo oriental em Butterfly 3000 é a de Tóquio à hora de ponta.
A imaginação não é só melódica, é também rítmica. Os compassos mais estranhos passam por aqui, por vezes sob a forma de polirritmos (os sintetizadores pulsando num tempo e a bateria noutro, o pé esquerdo e o direito bailando danças diferentes).
Mackenzie não é apenas rápido e hiperactivo, é também irresponsavelmente feliz. Quando a sua euforia já não cabe no peito, extravasa um “woooh!” tão sincero, que também nós começamos a levitar em Pequim. É esse o segredo de Butterfly 3000: a música como vida, como fome de viver. Como uma criança a andar de baloiço só porque sim.
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