quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Mascotes do rock: um clássico animado – Parte 1

 

Mascotes são figurinhas estampadas que se confundem com a própria trajetória da banda; não se resumem à arte gráfica ou apelo visual, com pífio intuito de gerar identificação, popularidade e aceitação entre público e ‘marca’ apenas. Definitivamente não ocupam a simples posição de gravuras, sejam nas capas dos discos, camisetas, pôsteres ou souvenires diversos… Vão muito além: Como curiosas ‘iconografias’, estão intrinsecamente ligadas ao Heavy Metal. Mais do que representação de símbolos e imagens sem significância, mascotes são a própria personificação das bandas; ostentam nomes e envergam discursos que servirão de parâmetros para criações. As bandas não seriam as mesmas sem a presença destes ilustres parceiros.

Mascotes são expressões, símbolos e códigos de comunicação

 

Vic Rattlehead – Megadeth 

“Metal atravessa seus ouvidos

Ele não ouvirá o que dizemos

Visor sólido de aço cravado

Cruza seus olhos

Grampos de ferro fecham seu maxilar

Então ninguém ouvirá os seus lamentos”

(trecho da música “The Skull Beneath the Skin”)

Este trecho da música do Megadeth, do álbum Killing Is My Business… and Business Is Good (1985), foi uma das referências para que Sean Smithson, fã da banda, desenhasse, ainda que de uma maneira bem simplista, o mascote Vic Rattlehead.

Quando o Megadeth gravava o segundo álbum Peace Sells… But Who’s Buying? (1986), Dave Mustaine (vocal e guitarra) se interessou pelo trabalho do artista Ed Repka, que outrora criara capas de discos para bandas de Heavy Metal, como Death e Venom. O requinte dos traços juntamente com a riqueza de cores e detalhes chamou a atenção do líder do Megadeth; a parceria estava formada.  Numa entrevista ao site Figment NewsRepka conta:

[…] Eles me mostraram uma foto de Vic em uma camiseta, e era um desenho muito bruto, bem básico mesmo. Tomei como base esse modelo e redesenhei o personagem dando-lhe os meus traços. Adicionei ganchos na boca, tampões nos ouvidos e um visor de aço rebitado em seus olhos”.

Alguns dos trabalhos de Ed Repka

O conceito de Vic Rattlehead partiu de um antigo provérbio japonês: “Não olhe para o mal, não escute o mal, não pronuncie o mal”, cuja simbologia é representada pelos três macacos sábios: Mizaru (o que cobre os olhos), Kikazaru (o que tapa os ouvidos) e Iwazaru (o que vela a boca). O significado do ditado popular diz que “para mantermos o mal distante, devemos não praticá-lo com o próximo”. Lembrando que Vic Rattlehead possui ganchos na boca, tampões nos ouvidos e um visor que cobre seus olhos.

 

Eddie The Head – Iron Maiden

‘Mestre dos Mascotes’ no Heavy Metal, sem dúvida Eddie impera dentre os demais. As apresentações do Iron Maiden são referência no quesito visual (e sonoro, claro).  De uma simples máscara (em um painel ao fundo do palco que jorrava sangue e expelia fumaça) à uma máquina de mais de três metros de comprimento (que interage com os músicos durante as apresentações) dão mostra de quanto fôlego permeia a veia criativa da Donzela de Ferro.

Não obstante, o aperfeiçoamento de Eddie ao longo dos anos é magistral. A evolução de uma rudimentar cabeça para uma existência corpórea está relacionada ao belo trabalho do britânico Derek Riggs: “Eddie é a imagem mais poderosa e duradoura da história do rock, já vendeu mais mercadorias nesta indústria do que qualquer outra coisa. Na época que eu o desenhei, no final dos anos 70, não havia algo semelhante”, Relata Riggs em entrevista.

Após o afastamento dele outros artistas trabalharam com o Iron Maiden, como David Patchett, Mark Wilkinson, Hugh Syme, Tim Bradstreet e Melvin Grant; no entanto, alguns fãs mais ortodoxos alegam que as capas dos discos perderam àquele brilho de outrora, repleto de detalhes e caracterizações.

Derik Riggs: Capas que marcaram os fãs do Iron Maiden

O mascote Eddie The Head foi ganhando cada vez mais espaço e personalidade própria. Assumir formas variadas é uma de suas facetas; dentre algumas de suas caracterizações, estão: múmia, ciborgue, senhor da morte, esfinge, alien, samurai, soldado, guerreiro maia, zumbi assassino (com direito a topetão estilo punk); Eddie já encarnou uma espécie de espectro entre nuvens, viveu na pele de um paciente preso a uma camisa de força, enfim…

…Passaríamos longas horas destrinchando as caracterizações de Eddie.

Eddie surgiu de uma piada antiga da Inglaterra, que é a seguinte: “Uma mulher deu à luz uma criança que não tinha braços, pernas ou tronco. Era só uma cabeça e seu nome era Edward The Head. O médico disse a ela para não se preocupar, pois ele conseguiria um corpo adequado para o bom Eddie. Uns anos mais tarde, o pai de Eddie chegou à sua casa e junto de toda família, disse: Bem, hoje é seu aniversário e, garoto! Temos uma surpresa para você, o melhor presente de todos! Ao ouvir isso, Eddie retrucou: Ah, não! Outro maldito chapéu não!”

Eddie e as turnês do Iron Maiden

Dave Beazley, amigo de Steve Harris (baixista e fundador da banda) foi um dos idealizadores de Eddie The Head:

“[…] Como na música ‘Iron Maiden a letra diz “See the blood begin to flow…” (veja o sangue começar a fluir…) Então para o pano de fundo que utilizávamos nos shows desenvolvi, com a ajuda de um amigo que estudava artes, uma máscara moldada a partir da minha própria face que tossia sangue durante essa passagem da música”, conta Beazley.

Os primórdios de Eddie: Painel que expelia fumaça e jorrava sangue

Com o passar dos anos as aparições de Eddie vão se tornando cada vez mais elaboradas, com direito a efeitos pirotécnicos, fogos de artifício, sonoplastia… Um cérebro gigantesco, ora conduzido à cabeça de Eddie, fazendo-o ganhar vida em pleno palco nos dá uma mostra que Eddie (e o Iron Maiden, claro) detém a ‘majestade’ da linguagem visual no Heavy Metal.

Tempos Áureos de Eddie: Excepcional evolução mecânica

 

 Snaggletooth “WarPig”- Motörhead

O Motörhead forjou ao longo das décadas uma carreira e tanto! Uma das pioneiras do movimento New Wave of British Heavy Metal, rompeu paradigmas e conquistou, com muito mérito, a condição de lenda do Rock/Heavy Metal. Logicamente, tinham que possuir um mascote que fizesse jus ao legado do trio:

Snaggletooth foi criado especialmente para a capa do disco de estreia do Motörhead (1977), tornando-se o logotipo da banda desde então. O primeiro esboço, por assim dizer, foi desenhado pelo artista Joe Pentagno; as demais interferências da capa, como o efeito do ‘filme negativo’ e aquela fonte característica com o nome da banda (efeito metalizado) foi elaborada pelo designer Phil Smee. O mascote faz jus à figura visual e sonora do Motörhead: Snaggletooth apresenta semelhanças com a imagem da banda, pois é certo que o javali exprime uma certa aura de primitividade, crueza, potência e força que são próprios dos ingleses, numa parceria que tem vigor. De acordo com o criador, a inspiração para o WarPig foi a própria aparência de Lemmy Kilmister (vocal e baixo):

“A inspiração veio de um bastardo naturalmente irritado! E Lemmy é o mesmo! Então, era obrigatório ser um casamento poderoso; de uma ‘natureza primordial’. Eu fiz muitas pesquisas sobre tipos de caveiras e descobri que uma combinação cruzada de gorila, lobo e cão funcionariam bem com alguns chifres de javali. Lemmy adicionou capacete com pontas, correntes, espigas e grão”. Disse Joe Pentagno, que se refere carinhosamente ao mascote como The Bastard (O  Bastardo).

Algumas das capas criada por Joe Pentagno

Pentagno continuaria seu trabalho gráfico com o Motörhead nos demais lançamentos. Além de trabalhar com o grupo, o artista cunhou ‘Icarus, do Led Zepellin, criou capas para o Krisiun, Sodom e inúmeras outras bandas de Heavy Metal. Com Kilmister e companhia foram no total de 13 criações em mais de 30 anos de parceria:

Outros trabalhos: Krisium, Sodom, Led Zeppelin e Mactatus

“[…] Eu sinto que realizei algo único na história do Metal ao longo dos últimos 31 anos. […] Em uma invenção da minha própria imaginação, uma imagem, ou melhor, uma entidade que assumiu uma vida própria, que eu realmente acredito ir além da música que foi criada para representar. Estou orgulhoso disso!

 

Murray Maor – Dio

Numa carreira muito bem sucedida, como vocalista do Rainbow e do Black Sabbath,  já seria o suficiente para que Ronnie James Dio marcasse seu nome no panteão do Heavy Metal… Não obstante, com o lançamento de Holy Diver (1983), primeiro disco da banda Dioseu talento para compor e alcance de voz o fizeram conquistar um ‘som’ e ‘imagem’ próprio, que lhe proporcionou uma carreira independente e além das suas antigas bandas. A primeira aparição de Murray, uma fera selvagem cujo olhar é faminto de sangue, foi justamente nesse momento tão crucial na carreira do ilustríssimo vocalista. Holy Diver é considerado um dos melhores álbuns de Heavy Metal; um verdadeiro clássico que rompeu as barreiras do tempo, não se limitando à década de seu lançamento e ainda assim soa atual. Álbum pesado que continua a servir de referência a músicos.

Imagem ‘profana’ que marcou o imaginário dos fãs de Heavy Metal: Como não se lembrar de uma diabólica criatura que espreita atrás de uma montanha, e afoga um clérigo com sua imponente corrente!? Murray comparece em três discos da banda: Holy Diver (1983)The Last in Line (1984) e Dream Evil (1987), sempre em situações que nos levam automaticamente a crer na sua maldade imanente; no entanto, o próprio Ronnie James Dio já disse que não devemos tirar conclusões, pois se tratam de imagens complexas que, se analisadas cuidadosamente, podem levar a diferentes interpretações.

A ideia da blasfema capa partiu de sua esposa, Wendy Dio. Com o conceito em mente, o primeiro desenho de Holy Diver foi feito por Gene Hunter, músico e amigo de Dio; contudo, após umas pequenas mudanças, a ilustração final ficou por conta de Randy Berrett:

“Originalmente, a obra de arte tinha o padre subaquático pendurado de cabeça para baixo e acorrentado a uma cruz. Eventualmente, decidimos que a cruz era um pouco demais, mas Gene fez um ótimo trabalho com ela, e Randy fez o resultado final”, Contou Ronnie James Dio.

A origem de Murray não é tão simples… Remonta a uma história antiga, revelada em um livreto de divulgação do disco Dream Evil, como o site Loudwire.com mostra:

“Muito antes do alvorecer do homem, o mundo estava habitado por dois grupos: os Malcovians e os Cyclops. Quando o governante Malcovian tentou assassinar seus filhos, com medo de uma falsa profecia, um deles escapou: Murralsee. Sua mãe lhe deu uma poção adormecida para aguardar tudo e ele acordou quase um trilhão de anos depois. O sono o transformou no ‘monstro’ que o conhecemos hoje”.

Capítulo que narra as raízes de Murray

Murralsee despertou em uma Nova Era, onde teria conhecido Ronnie James Dio; o vocalista apelidou carinhosamente o ‘demônio’ de Murray Maor. Sempre que possível, Dio retornava à caverna de Murralsse para ouvir suas histórias de outrora, que por sua vez iriam ser contadas/cantadas nos discos da banda.

 

Violent Mind – Kreator

Espécie de demônio com o cérebro exposto, o mascote dos alemães do Thrash Metal emergiu quase dez anos após a formação da banda. E sua aparição, no que se refere a intervalos entre os discos, nunca foi tida como certa (foram cinco de quatorze capas). Em Pleasure to Kill (1986), Violent Mind aparece ainda com o corpo, não remetendo muito ao que viria a ser futuramente. Apenas em Coma of Souls (1990), quinto disco da banda, a face maltratada de Violent Mind dá as caras. E, onze anos depois, no álbum Violent Revolution (2001), a cabeça em fúria reaparece, mostrando que a banda não está muito preocupada em seguir ciclos ou padrões…

A cabeça flutuante (e fustigada) expressa o que as letras reflexivas do Kreator manifestam: opressão; ao mesmo tempo em que simboliza ambivalências, como as Sombras (intolerância e crueldade) e Luzes (resistência e esperança) que habitam dentro de cada um de nós.

“Não é um mascote que a banda tropeça regularmente, mas quando eles têm, a imagem é transformada para refletir as voltas da sociedade. Por exemplo, quando a sociedade ocidental se mostrou mais reacionária em resposta a eventos como o 11 de setembro, Violent Mind foi retratada em Violent Revolution (2001) como parcialmente coberta, quase como o vermelho sangrento sob a carne apodrecendo que estava prestes a explodir em frustração. […] E também como a sociedade se inclinou mais para a divisão e a intolerância, como representada na capa de Hordes of Chaos (2009), com indicativos de agressão externa”,  Como aponta uma reportagem do site clrvynt.com.

Violent Mind: Simbolizando a opressão dos fracos

Essa dualidade existente em cada um de nós está “a postos”, atenta e em posição: prontos para serem externalizados e manifestados, por meio de (boas ou más) palavras e/ou ações, ao mínimo estímulo que nos atinja…

 

Pumpkin Head – Helloween

O Helloween é referência quando o assunto é Power Metal, afinal de contas a Alemanha foi solo fértil para a popularidade do gênero nos anos 80. Bandas como Primal Fear, Grave Digger, Edguy, Blind Guardian, Freedom Call, Masterplan, Gamma Ray, Heaven’s Gate, Mob Rules, Rebellion, Avantasia e Running Wild são exemplos de como o estilo se difundiu da Alemanha para o mundo. As influências que dariam origem ao Power Metal remonta o final do anos 70, na Inglaterra, com bandas como Rainbow e Judas Priest, por exemplo, que incorporaram em suas músicas particularidades que, mais à frente, seriam absorvidas pelas bandas alemãs citadas logo acima. Notas altas e vocais agudos, andamentos acelerados (que mostra a técnica aprumada dos músicos), letras voltadas para temas épicos, fantasiosos e medievais, influência erudita e destaque nas melodias são algumas das características deste subgênero do Metal.

“Alguém está sentado em um campo

Nunca cedendo

Sentado ali com olhos arregalados

Esperando que a grande abóbora apareça” 

(letra de ‘Halloween’ – 1987)

 Desde o início a abóbora sempre esteve presente como mascote da banda. Logicamente que a associação entre o dia das bruxas (Halloween) e HELLoween (Inferno/ banda) facilitou a incorporação de Pumpkin Head como marca: Na escrita de Helloween, a letra ‘O’ sempre é estampada com a cabeça da abóbora… No entanto, seu corpo já assumiu formas variadas a fim de vivenciar aventuras e se desvencilhar das situações de perigo (vide as capas).

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