Avaliar um lançamento a partir de comparações é perigoso. Tanto é assim, que evito utilizar esse artifício para emitir minhas opiniões a respeito de novos discos. Acima de tudo, procuro apreciar a força das composições que formam um álbum a fim de elaborar um veredicto justo, tornando secundários quaisquer outros fatores, incluindo aí a comparação com discos do mesmo artista ou de contemporâneos. No entanto, em relação a 13, novo registro do Black Sabbath, tem sido muito difícil escapar disso. Talvez o normal, nesse caso, fosse comparar as qualidades do lançamento com os álbuns editados entre 1970 e 1978, época em que a banda, em sua formação original, lançou as fundações daquilo que conhecemos como heavy metal hoje em dia, indo além em termos de peso e agressividade e mesmo assim exercendo uma boa dose de ousadia, incluindo flertes com o progressivo e jamais renegando suas origens fincadas no jazz e no blues.
Apesar de 13 estender seu olhar justamente para essa época, buscando resgatar algumas das características presentes em discos indiscutivelmente clássicos, uma força quase inconsciente me faz comparar o novo lançamento não com esses álbuns, mas com dois registros muito mais recentes ligados ao Black Sabbath. Refiro-me a Fused (2005), álbum de Tony Iommi em parceria com o baixista e vocalista Glenn Hughes, que inclusive já fez parte da banda em 1986, e a The Devil You Know (2009), que foi lançado por Iommi, Geezer Butler, Ronnie James Dio e Vinny Appice sob a alcunha de Heaven & Hell, nome do primeiro disco que o Black Sabbath registrou com os vocais do baixinho, que morreu em 2010. Alguns podem pensar que eu deveria incluir nesse rol algum álbum colocado no mercado por Ozzy Osbourne ou até por Geezer Butler, mas o fato é que, para mim, o que mais importa é a presença de Tony Iommi, principal responsável por moldar a sonoridade do Black Sabbath desde os primórdios e ao longo dos anos, jamais abandonando o barco em meio às interpéries. Sua guitarra é o leme que conduz a sonoridade do quarteto, e sua presença, indispensável.
Colocar esses três discos lado a lado e tentar compreender o que os torna únicos é especialmente interessante pois cada um deles mostra uma faceta diferente da arte levada a cabo pelo Black Sabbath ao longo dos anos. Desde o anúncio da existência de cada um deles e seu posterior lançamento, passando, obviamente, pela música neles presente, até outros aspectos, como a arte gráfica que os embala, trata-se de pacotes muito distintos. 13 foi permeado por todo o oficialismo que uma reunião da formação original do grupo poderia gerar, incluindo uma alardeada coletiva de imprensa para anunciar o fato e extensa cobertura sobre a desistência do baterista Bill Ward de participar da empreitada. Para a produção, um nome consagrado, Rick Rubin, afamado por tentar levar algumas formações em direção às suas origens, lançando um olhar sobre seu passado, fato que se concretizou no álbum. Em se tratando da sonoridade, pouco invencionismo, incluindo aí um baterista substituto, Brad Wilk (Rage Against the Machine, Audioslave), que executou bem seu papel e não maculou de maneira alguma o legado de Ward, sem apelar para firulas desnecessárias e fazendo o que as músicas pediam. Na capa, simplicidade e uma demonstração da força que o nome Black Sabbath incita em seus admiradores.
Quanto a The Devil You Know, é latente o quanto a presença de Dio o tornou um projeto diferenciado. Em se tratando do Heaven & Hell, que nada mais é que o Black Sabbath com o vocalista norte-americano, tudo é mais classudo, a começar pela fantástica arte que ilustra e embala o álbum. A produção, executada pela própria banda, dá corpo e personalidade a músicas que seguem um estilo de composição diferente daquilo tido como o Sabbath clássico, aproveitando-se do que foi desenvolvido a partir de Heaven and Hell (1980), o disco, focando menos em riffs e trabalhando ideias melódicas a partir da capacidade de Dio em contar suas histórias, deixando Iommi mais solto que o habitual, menos responsável por arquitetar a sonoridade do grupo. Apesar da boa recepção, contudo, e levando em consideração aquilo que é mais importante em se tratando de um registro musical, as composições, o fato é que The Devil You Know ficou devendo um pouco em relação a seus antecessores. Mesmo tomando maior inspiração no primeiro álbum que uniu Ronnie ao Black Sabbath, meu favorito, as canções, em geral, não empolgam tanto quanto aquilo que foi ouvido em Dehumanizer (1992), Mob Rules (1981) e Heaven and Hell. Mesmo assim, é quase criminoso ignorar as qualidades de músicas como a fantástica e épica “Bible Black”, escolhida para promover o disco, “Fear”, com um quê daquilo que o Rainbow produziu de melhor nos anos 70, a monumental “Follow the Tears” e a arrastada “Breaking Into Heaven”. Certamente trata-se de um ótimo álbum, mas que acabou sendo melhor recebido em função da alegria do público em ver o grupo reunido novamente e da admiração pelos músicos, em especial pelo sempre carismático Dio, do que pelas músicas que o compõem.
Com Fused, porém, a situação foi completamente diferente. Sem o alarde que grandes reuniões provocam, Tony Iommi e Glenn Hughes trabalharam sem grandes obrigações e pressões ao lado do requisitadíssimo baterista Kenny Aronoff e do produtor Bob Marlette, que também fez as vezes de tecladista e baixista em algumas canções. O resultando, no entanto, mostrou uma dupla extremamente afiada, transbordando energia e entregando performances viscerais. Iommi abriu seu baú de riffs de uma forma que não fazia há muito, muito tempo, tocando como se um demônio tivesse tomado conta de suas mãos e precisasse levar a cabo a tarefa de produzir a música mais profana possível. A quantidade de riffs ganchudos, pungentes e extremamente pesados contidos no álbum surpreende e confirma de vez o status de Iommi como majestade nesse quesito. Hughes, que chegou a declarar, anos atrás, que ser o vocalista do Black Sabbath seria tão absurdo quanto Prince cantar no Sepultura, refuta completamente sua tese através de uma performance inspirada e totalmente em conjunção com aquilo que Iommi oferece. Pode ser que o baixista e vocalista não aprecie a pecha de vocalista de heavy metal, mas é mais ou menos assim mesmo que ele soa em canções como a absurdamente encapetada “Dopamine” (minha favorita), “Wasted Again” (recheada com seus típicos gritos agudos), a pulsante “What You’re Living For” e a faraônica “I Go Insane”, que traz mais de nove minutos de êxtase auditivo. Além disso, a faceta mais melódica da dupla também é muito bem explorada em “Resolution Song” e na excelente “Deep Inside a Shell”. Não bastasse tudo isso, Aronoff imprime uma pegada forte e Marlette conduz produção e mixagem com excelência, fazendo, em especial, a guitarra de Iommi soar mais perigosa do que nunca.
E quanto a 13? Bem, se há uma palavra capaz de descrever bem o que de mais importante se relacionou ao lançamento desse álbum, ela é “expectativa”. Por mais que a desistência de Bill Ward em participar da reunião da formação clássica e inicial do Black Sabbath, por não concordar com o contrato oferecido, tenha “brochado” muito desse sentimento, poucas vezes se viu uma aura tão grande de apreensão e curiosidade em torno de um produto desse tipo, sem falar na cobertura midiática especializada, que encontrava nos mais pequenos detalhes grande fonte de repercussão. Mais importante que a expectativa, era saber se o grupo seria capaz de atendê-la. Com o perdão do clichê, mas sendo curto e grosso: sim, o Black Sabbath conseguiu preencher os requisitos estipulados pelos fãs (mesmo que inconscientemente) para que o álbum fosse aceito como mais uma importante obra em sua discografia. Iommi e Butler, em especial, estão afiados e mostram serviço com a habitual competência. O baixista, inclusive, ganhou grande espaço na mixagem, atingindo a audição e o estômago do ouvinte com seus graves, pesados como há muito tempo não se escutava em um disco do grupo. Ozzy soa mais vulnerável do que em seus recentes discos solo, mas isso não é um demérito, muito pelo contrário. O Madman parece mais humanizado, menos apoiado nos recursos que um estúdio pode oferecer para mascarar quaisquer efeitos negativos que a idade e os abusos possam ter feito à sua capacidade vocal. Brad Wilk, por mais que não seja dotado da exuberância de Bill Ward em seus melhores tempos, executa sua tarefa de conduzir a locomotiva sonora com segurança, sem firulas. E convenhamos: o próprio Ward não seria mais capaz de oferecer uma performance tão boa quanto a de discos como Vol. 4 (1972) e Sabotage (1975), quando espancava as peles com criatividade e a força que o tempo se encarrega de fazer esvanecer.
Ainda sobre a bateria, acho importante afirmar que, apesar da produção de Rick Rubin ser boa, o som do instrumento é o único aspecto técnico do álbum que me causou uma parcela de descontentamento, devido à maneira um tanto comprimida como os tambores soam, sem um senso de espaço suficiente para que cada peça seja percebida satisfatoriamente, reduzindo o valor da pegada de Brad, que acaba não tendo tanta personalidade. Ouçam Vinny Appice em The Devil You Know e percebam a diferença em se tratando desse quesito, assim como Kenny Aronoff em Fused, e entendam o que quero dizer com a diferença que faz uma pegada mais forte. Aronoff, inclusive, foi um dos primeiros nomes que pensei para substituir Ward, ao menos em estúdio, quando este anunciou que não faria parte do projeto que gerou 13. O outro foi o antológico Carmine Appice, um contemporâneo dos músicos do Black Sabbath, ativo desde os anos 60, célebre por incorporar seu estilo técnico e vigoroso à música dos mais diversos artistas. Seu extenso currículo inclui Vanilla Fudge, Cactus, Beck Bogert & Appice, Rod Stewart, Blue Murder, King Kobra e muitos outros, além de uma passagem pela banda de Ozzy durante a turnê para Bark at the Moon (1983). Friso, no entanto, que a escolha de Brad foi feliz e que sua performance só não pôde ser melhor devido aos detalhes técnicos que tentei explanar.
Como declarei no início desta resenha, apesar de todos os aspectos que envolvem um lançamento, nada é mais importante do que avaliar a força de suas composições. A primeira demonstração que tivemos nesse sentido foi o single “God Is Dead”, divulgado antes do restante do track list e da banda entrar em turnê. Longa, recheada de segmentos distintos e dotada de uma letra que faz jus à tradição de Geezer Butler, grande responsável por essa tarefa durante a primeira encarnação do grupo, a música agradou a grande maioria dos fãs logo de cara e tranquilizou aqueles que estavam um tanto apreensivos e temiam que a enorme expectativa acabasse prejudicando a avaliação da faixa. Apesar de não constituir um clássico instantâneo, “God Is Dead” empolga e traz um grande riff de Iommi aos 6 minutos e 20 segundos, determinando uma importante mudança de andamento na canção. O segundo contato com o disco, ainda antes de seu lançamento, foi a faixa que abre 13, “End of the Beginning”, executada logo durante os primeiros concertos do Black Sabbath em seu novo giro pelo mundo. A impressão inicial não foi exatamente das melhores, afinal, a forte semelhança com a canção que dá nome ao grupo e abre seu primeiro álbum (1970) pode frustrar aqueles que confiavam na criatividade de Ozzy, Tony e Geezer. Ouvi-la em estúdio ajudou a dissipar grande parte desse diagnóstico negativo, mas ainda assim permanece a impressão de um retorno proposital ao passado, ainda mais quando sente-se nuances de outro clássico do grupo, a ótima “Dirty Women”, presente emTechnical Ecstasy (1976). Boa música, mas com um direcionamento mais conservador.
Se “God Is Dead” foi uma ótima escolha como primeiro single, apresentando um Black Sabbath como os fãs queriam ouvir e ainda por cima ajudando a levar o grupo ao topo das paradas ao redor do mundo, inclusive nos Estados Unidos (pela primeira vez na carreira), “Loner” tem tudo para ser a segunda música a ser trabalhada comercialmente. Sem dúvida a canção mais rock ‘n’ roll em todo o track list, “Loner” remete, ao mesmo tempo, ao Black Sabbath dos primórdios – especialmente “N.I.B.”, do primeiro álbum – e às músicas mais simples da era Dio, como “Voodoo”, com a qual guarda certa semelhança, mas sem exageros. Merece o carimbo de destaque e tem tudo para funcionar muito bem ao vivo. A faixa seguinte, “Zeitgeist”, coloca o pé no freio e surpreende, pois trata-se de uma balada no estilo que a banda fazia em seus primeiros discos, como “Solitude” (Master of Reality, 1971) e, especialmente, “Planet Caravan” (Paranoid, 1970), muito devido aos efeitos na voz de Ozzy. Apesar de não soar tão boa quanto as citadas nem quanto a outras do mesmo registro, é sempre bom ouvir Iommi ao violão, nunca soando comum e desnecessário.
Quinta música em 13, “Age of Reason” vem sendo apontada por muitos como um dos grandes êxitos do disco, não à toa. Forte nos riffs e também carregada pela mão pesada de Butler, apresenta a banda – finalmente – com um pé no passado, mas apontando um rumo atual, sem soar datada nem remetendo a canção alguma já registrada pelos próprios. Sua metade final é ainda melhor, pois traz Wilk em sua melhor encarnação de Ward, descendo as mãos com competência, e Iommi solando da maneira que só ele sabe, como em um grande caos que magicamente assume ordem e soa harmônico aos nossos ouvidos. Outra em que Wilk se destaca é “Live Forever”, fazendo jus a um posto que já foi ocupado por bateristas da estirpe de Cozy Powell e Eric Singer. Sobre a música, acredito que poucos concordarão comigo, mas o fato é que ela remete ao que Iommi fez com a banda na primeira metade dos anos 90, mais especialmente em Cross Purposes (1994), acompanhado de Butler e do vocalista Tony Martin. Bastante diferente é “Damaged Soul”, que nos leva muitos anos de volta no tempo e mostra para a maioria dos grupos que se encaixam na já excessiva onda vintage que não basta caprichar no visual setentista nem utilizar equipamento igual ao dos artistas da época, pois criatividade não se compra. Stoner, doom, chamem do que bem entenderem… o que a banda toca em “Damaged Soul” é rock infectado de blues e pesado como dois mastodontes em rota de colisão. Quem é esperto já sabe: é ouvir e aprender.
“Dear Father” fecha o álbum, mais uma vez, mostrando que Geezer Butler é o letrista definitivo do Black Sabbath, cujas palavras fazem jus ao ronco que a guitarra de Iommi emite ao erigir as paredes sólidas não apenas de uma música, mas de uma carreira e de um gênero todo, que só tem a ganhar com a volta, mesmo que temporária, da banda que merece, sim, a honra de ser rotulada como definidora do que é heavy metal, influenciando milhões de músicos e aspirantes ao redor do planeta. Não dá para negar que a empolgação em poder ouvir um lançamento desse tipo em pleno 2013 pode anuviar nossa capacidade de avaliar sua qualidade, e é por isso que escolhi tecer a comparação com os mais recentes discos relacionados à banda e conduzidos pela batuta de Tony Iommi. Cabe ter lucidez e se ater ao que é mais essencial, fato que, apesar dos diversos elogios que direcionei a 13, ainda faz-me considerar Fused o melhor álbum diretamente relacionado ao Black Sabbath nos últimos 20 anos, muito provavelmente 30.
Sim, tenho consciência de que, para muitos – talvez a maioria – a reunião com Geezer e Ozzy traga uma espécie de aura legitimadora ao trabalho, mas, no fundo, o tesão maior brota ao dar o play em “Dopamine”, findando apenas ao término de “I Go Insane”, primeira e última faixas do disco, respectivamente. Não sei se é o fim do Black Sabbath, mas sei que a grande maioria discordará de meu parecer final, e é para isso que os comentários estão aí embaixo. Registre sua opinião, teça suas comparações, xingue, elogie… mas coloque os discos para tocar em alto volume, pois isso é o mais importante!
Track list:
1. End of the Beginning
2. God Is Dead
3. Loner
4. Zeitgeist
5. Age of Reason
6. Live Forever
7. Damaged Soul
8. Dear Father
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