sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

POEMAS CANTADOS DE SERGIO GODINHO

 Os Conquistadores


Sérgio Godinho

 

Lá vais tu, caravela lá vais

e a mão que ainda me acena do cais

dará a esta outra mão a coragem

de em frente, em frente seguir viagem


Será que existe mesmo o levante?

ando às ordens do nosso infante

e cá vou fazendo os possíveis


Ó ei, deita a mão a este remo

além, são só paragens do demo

quem sabe, é só um abismo suspenso

só vendo, mas o nevoiro é denso


Será que existe mesmo o levante

ando às ordens do nosso infante

e cá vou fazendo os possíveis


Mas parai, trago notícias horríveis

parai com tudo

já avisto os nossos conquistadores


Vêm num bote de madeira talhado em caravela

com um soldado de madeira a fingir de sentinela

com uma espada de madeira proferindo sentenças

enterrada que ela foi no coração doutras crenças

enterrada que ela foi, sua sombra era uma cruz

exigindo aos que morriam que gritassem: Jesus!

com um caixilho de madeira imortalizando o saque

colorindo na vitória as armas brancas do ataque

até que povos massacrados foram dizendo: Basta

até que a mesa do Comércio ainda posta e já gasta

acabou como jangada para evacuar fugitivos

da fogueira incendiada pelos outrora cativos

e debandou à nossa costa a transbordar de remorsos

mas a rejeitar a culpa e ainda a pedir reforços


Os Demónios de Alcácer-Quibir

Sérgio Godinho

 

O D. Sebastião foi para Alcácer Quibir

de lança na mão, a investir, a investir,

com o cavalo atulhado de livros de história

e guitarras de fado para cantar vitória.


O D. Sebastião já tinha hipotecado

toda a nação por dez reis de mel coado

para comprar soldados, lanças, armaduras,

para comprar o V das vitórias futuras.



O D. Sebastião era um belo pedante

foi mandar vir para uma terra distante

pôs-se a discursar: isto aqui é só meu

vamos lá trabalhar que quem manda sou eu.



Mas o mouro é que conhecia o deserto

de trás para diante e de longe e de perto

o mouro é que sabia que o deserto queima e abrasa

o mouro é que jogava em casa.



E o D. Sebastião levou tantas na pinha

que ao voltar cá encontrou a vizinha

espanhola sentada na cama, deitada no trono

e o país mudado de dono.



E o D. Sebastião acabou na moirama

um bebé chorão sem regaço nem mama

a beber, a contar tim por tim tim

a explicar, a morrer, sim, mas devagar



E apanhou tal dose do tal nevoeiro

que a tuberculose o mandou para o galheiro

fez-se um funeral com princesas e reis

e etcetera e tal, Viva Portugal.


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