quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Sonic Youth – Sister (1987)


 

O quarto disco dos Sonic Youth, Sister, concilia experimentalismo com melodia, dissonância com sentido pop. Um farol apontando o caminho para a explosão do alternative rock.

O mundo inteiro diz que Daydream Nation é o melhor disco de Sonic Youth? O mundo inteiro está errado. As duas rodelas anteriores – EVOL e Sister – são as verdadeiras obras-primas: concisas, sem devaneios inconsequentes, só trechos instrumentais lindos de morrer (poesia líquida, fluindo sem cortes).

E, no entanto, cada um dos irmãos tem a sua própria personalidade. EVOL é gótico, entorpecendo-nos com o seu langor noir. Já Sister nada tem de mórbido: só melancolia peganhenta, que nem o sol, ou a saúde, conseguem debelar. Em “Schizophrenia” (icónica a bateria solitária do início) não há a tristeza da morte, somente a tristeza da própria vida, como uma árvore sem folhas no frio do Inverno. Às vezes, perguntam-me: a spoken word de Kim Gordon em “Beauty Lies in the Eye” é arrastada como um funeral à chuva? Respondo sempre que não, que é apenas dolente como um relógio de sala (domingo entardecendo no peito). Esse desalento resignado contamina até “Cotton Crown”, Thurston e Kim cantando em uníssono bonitos versos amorosos, soando, porém, como uma saudosa canção de embalar (pressentindo que todo o amor é fugaz).

Mesmo os temas mais “apunkalhados” têm mágoa lá dentro. A raiva de “Catholic Block” é tristonha, como quem pontapeia a cabeça do seu melhor amigo. “Pacific Coast Highway” é um retrato da escuridão que se esconde por debaixo da luz da Califórnia, a voz ansiosa e arrepiante de Kim convidando-nos para uma boleia que não vai acabar bem, o interlúdio instrumental interrompendo a tensão com um sol hipócrita. Já “Stereo Sanctity”, com o seu baixo gótico série B, não destoaria no irmão EVOL.

Quando os Sonic Youth se formaram, a destrutiva no wave já estava a agonizar. Ainda assim, Confusion is Sex e Bad Moon Rising são contaminados pela sanha anti-tudo de Glenn Branca e Lydia Lunch. Só a partir de EVOL é que os nossos nova-iorquinos predilectos desistem de destruir o rock, procurando apenas – e que gigante apenas! – reinventar a linguagem da guitarra eléctrica (Thurston e Lee, cada um com os seus acordes esquisitos, cada um com as suas texturas pessoais e intransmissíveis, trocando o lugar comum pela voraz inovação). Sister aprofunda esse projecto positivo, cortando as afinações dissonantes com melodias cativantes, filtrando o ruído e o feedback com uma sensibilidade pop. Por enquanto, a empreitada noise pop acontecia nas mais profundas condutas subterrâneas. Mas o trilho que iria desembocar em Nevermind, esse, já ninguém o podia travar…


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