Não é de hoje que muitas pessoas me pedem recomendações de Prog Brasileiro, especialmente pessoas de fora do Brasil. Mas também existem diversos ouvintes mais novos que não tem certeza de por onde deveriam começar. Essa matéria tenta dar luz ao tema e tenta guiar o ouvinte incauto, mas sem a pretensão de se tornar um guia definitivo, apenas uma porta de entrada.
História:
O Rock Progressivo no Brasil começou mais tarde do que na Inglaterra ou na Itália (por exemplo), exatamente porque a influência veio desses países, e obviamente demorou um pouco para chegar em terras Tupiniquins em um tempo onde a informação, literalmente, vinha de barco!
Além disso, a influência que as bandas Brasileiras tinham no início dos anos 70 (assim como em muitos outros países) era completamente diferente de seus pares Europeus. O Prog Brasileiro vem, na maiorias das vezes, pintado com cores acústicas e muitas vezes com uma influência enorme da música Brasileira mais tradicional e regional.
As primeiras bandas brasileiras do gênero começaram a gravar em torno de 1971 e o pico do gênero no país ocorreu entre 1974 e 1975 quando várias bandas lançaram seus melhores discos.
A maioria dos artistas Prog do país, em semelhança com o Prog italiano, não conseguiu carreiras longas e de sucesso, esse reconhecimento geralmente veio décadas depois com a ajuda da internet. Muitas vezes, as bandas lançaram um ou dois discos e se dissolveram logo depois, geralmente por desentendimentos com as suas gravadoras.
Os anos 70 foram sem dúvida o ápice do gênero no país com diversos lançamentos. Ao longo dos anos 80 poucos álbuns de boa qualidade podem ser encontrados, na verdade, no geral, poucos foram os lançamentos Progressivos nessa época. O tão popular estilo europeu chamado de Neo Prog não pegou por aqui. Os anos 80 foram mesmo completamente tomadas pelo Rock Popular que se casou chamar de “BRock”. Somente em meados da década de 90, as bandas começaram a florescer novamente no país. Essas bandas foram especialmente influenciadas pelo retorno do Pink Floyd em 1994 e também pelas bandas de Metal Progressivo.
Discos principais:
Nesta parte vou focar em 5 discos, serão mais duas partes, totalizando assim 15 discos. Vou tentar dar uma geral no que (na minha opinião) de melhor aconteceu desde os anos 70 no gênero. Serão discos de todas as épocas! No final, alguns extras também serão indicados.
Módulo 1000 – Não Fale Com Paredes [1972]
O Módulo 1000 foi uma banda formada em 1969 no Rio de Janeiro. Este foi o primeiro disco de Heavy Psych lançado no Brasil e a influência do Rock Progressivo pode ser sentida em diversos momentos. Embora o álbum ainda estivesse embebido em cores Psicodélicas, eles foram muito além da simples “loucura de drogado” do Rock Psicodélico tradicional.
O álbum Não Fale Com Paredes foi lançado pela gravadora Top Tape (mais conhecida por distribuir filmes) e diversas vezes aparece em listas de colecionadores hardcore porque é um ítem muito raro.
Na época, o disco não foi bem recebido por público e crítica, que simplesmente não entendia o que a banda estava fazendo naquele momento, os caras estavam anos luz de tudo o que acontecia no Rock Brasileiro daquele início dos anos 70 e o simples fato da banda ter gravado o disco já é um milagre por si só.
O Módulo 1000 teve uma curta existência e, ainda em 1972, mudou o nome para Love Machine e lançou um single (desta vez em inglês), se dissolvendo logo depois disso.
Em 2013, a banda foi reformada e eles estavam preparando um novo disco (até um single foi lançado no Youtube). Mas depois de todos esses anos o plano do disco novo ainda não saiu do papel, apesar da página oficial da banda no Facebook ser atualizada de vez em quando.
Destaque: “Turpe Est Sine Crine Caput”
Som Imaginário – Matança Do Porco [1973]
O Som Imaginário nasceu para ser o grupo de apoio de Milton Nascimento em 1970. Após a turnê, a banda continuou e começou a gravar seus próprios álbuns.
Os dois primeiros discos (1970 e 1971) tinham um direcionamento mais psicodélico/popular com Zé Rodrix como principal compositor.
Foi apenas em 1973, quando o maestro Wagner Tiso começou a liderar a banda que eles se tornaram, de fato, uma banda Progressiva. E a coroação dessa nova fase foi a obra-prima Matança Do Porco, lançado pela poderosa (na época) gravadora Odeon.
Depois deste clássico o grupo seguiu sendo banda de apoio e chegou a gravar diversos discos de cantores populares, mas como banda autoral, nunca lançou outro disco, infelizmente.
Em 2012, a banda se reuniu em uma série de shows pelo Brasil mas encerrou suas atividades novamente depois disso.
Destaque: “Armina”
Som Nosso De Cada Dia – Snegs [1974]
Muitas vezes chamado de “O ELP Brasileiro” (devido à formação similar sem guitarra), o Som Nosso De Cada Dia foi formado em 1972 em São Paulo e tinha em dua formação Manito (teclados, violino e saxofones), que já era uma lenda no Rock Brasileiro tendo sido membro d’Os Incríveis.
Após 2 anos de reclusão e ensaios, a banda conseguiu um contrato com a Continental e gravou o seu primeiro e clássico álbum Snegs.
A banda fez muitos shows na época do lançamento do disco, entre 1974 e 1975, incluindo a abertura dos shows do Alice Cooper no Brasil.
Naquela época, devido ao sucesso de seus shows, a gravadora queria que a banda abrisse o seu leque sonoro e vendesse mais discos. Em 1975 a Black Music e a Disco Music começavam a se tornar mais e mais populares no Brasil e a Continental estava apostando nesse som. A banda lutou contra essa ideia, mas eles estavam sob contrato e depois de muita discussão e pressão, acabaram cedendo.
Ainda em 1975 o grupo estava trabalhando em uma suíte de 20 minutos chamada “Amazônia” e muitas músicas novas (Progressivas) foram tocadas em seus shows na mesma época (como mostra o disco ao vivo A Procura Da Essência, lançado em 2004 com faixas gravadas entre 1975 e 1976). No fim, toda a discussão com a gravadora desgastou o grupo e o material Prog que vinha sendo apresentado ao vivo seria descartado, por essas e por toda a pressão pra ser um sucesso comercial fizeram Manito deixas a banda no final de 1975.
Somente em 1977 saia o segundo disco do grupo, chamado apenas Som Nosso. Esse disco foi dividido em duas partes: o lado A chamado Sábado, com um som calcado na Black Music e dançante, e o lado B chamado Domingo, voltado para o Rock Progressivo mas sem a profundidade que o estilo pede. Não preciso dizer que Som Nosso não foi bem recebido pelos fãs do Snegs e falhou em conquistar um grande número de fãs novos.
Após o fracasso comercial do segundo disco a banda se desfez e seus membros seguiram seus próprios caminhos (o baixista Pedro Baldanza gravou com diversos artistas populares, incluindo Ney Matogrosso), no entanto houve um retorno em 1993 quando Snegs foi lançado em CD pela primeira vez e até um disco ao vivo foi lançado em 1994.
No final o que fica na história do Prog BR é mesmo Snegs e sua genialidade, sendo um clássico absoluto em se tratando de Prog no Brasil. Disco essencial!
Destaque: “Sinal Da Paranóia”
Bacamarte – Depois Do Fim [1983]
O Bacamarte foi uma banda formada no final dos anos 70 e que lançou seu único álbum em 1983, numa época em que o Rock Progressivo era não apenas ignorado, mas também desprezado.
Talvez a coisa mais surpreendente sobre Depois Do Fim seja o fato de que o som Neo Prog, tão em voga na época, não está presente por aqui, pelo contrário, o som do Bacamarte ainda estava completamente imerso nos anos 70 e a gravação é cheia de vida sem nenhuma ‘modernidade’ comum à época. Também pudera, o disco na verdade foi gravado em 1978, mas devido à enorme popularidade da Disco Music na época, o líder da banda, Mario Neto, decidiu guardar as fitas e esquecer todo o lance do Rock Progressivo, já que não valia a pena lutar contra a maré em um país como o Brasil.
No entanto, fomos salvos por um amigo de Mario por volta de 1982. Esse amigo ouviu as fitas e convenceu Mario a fazer algo com aquelas gravações de 1978 e ele acabou por aceitar a ideia e o disco foi lançado no ano seguinte, em 1983.
Como a banda que gravou o disco não mais existia, o projeto foi posto de lado, pelo menos até 1999, quando o álbum Sete Cidades foi lançado, embora este álbum seja um trabalho solo de Mario Neto ele trazia o nome Bacamarte na capa do disco, provavelmente pra chamar uma maior atenção, já que apenas Mario Neto da formação original toca no disco.
Desde seu lançamento Depois Do Fim foi elevado à um status mítico, inclusive internacionalmente, e sites como Rate Your Music e ProgArchives tem o disco no top 100 dos discos Progressivos mundiais.
Em setembro de 2012 a banda foi finalmente reunida para um único show que ficou marcado como um ato histórico do Prog Brasileiro.
Destaque: “Último Entardecer”
Cálix – Canções De Beurin [2000]
Dando um pulo de quase duas década desde Depois Do Fim chegamos a um trabalho independente lendário em terras Brasileiras. Vindo de Minas Gerais o Cálix mostrou toda a natureza folclórica mineira em um disco que beira a perfeição.
O primeiro álbum da banda, Canções De Beurin, é uma mistura sensacional do Rock Progressivo Sinfônico mais tradicional e o Folk Progressivo. Tudo isso regado com o já famoso misticismo Mineiro. O disco foi um verdadeiro sucesso e vendeu 3 mil cópias em 5 meses, sendo que logo depois mais 5 mil cópias foram prensadas e todas vendidas no decorrer do próximo ano, um recorde absoluto para uma banda de Rock Progressivo Independente. Cerca de 10 mil cópias do disco foram vendidas até hoje.
O Cálix ainda gravou um novo álbum 2 anos depois chamado A Roda [2002] e um CD/DVD ao vivo em 2007 e acabou ficando em hiato (pelo menos em termos de disco novo) por 9 anos e só em 2016 saiu o terceiro trabalho de estúdio do grupo mineiro chamado Caminhante.
A banda é uma das mais ativas de sua geração e faz shows frequentemente pelo Brasil.
Destaque: “Dança Com Devas”
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