Aos 17 anos, Vincent Damon Furnier era o orgulho de Phoenix, no Arizona. Sua banda The Spiders incendiava os clubes locais com covers bem ajambrados dos Yardbirds, The Who, Beatles e Rolling Stones. No VIP Club os Aranhas abriram para Them, Lovin’ Spoonful, The Hollies, Animals, The Yardbirds, Byrds e mais uma pá de baluartes da época. Chegaram até mesmo a gravar uma música chamada “Don’t Blow Your Mind” que cansou de rodar nas pick-ups das rádios da cidade.
Aos 18, no começo de 1967, Vincent reuniu os outros Spiders e juntos tomaram uma decisão: largar a escola e se mudar para Los Angeles. E para aqueles garotos que formaram seu gosto musical durante a Invasão Inglesa, foi uma mudança e tanto: chegaram lá em pleno Verão do Amor e as bandas que faziam sucesso na costa oeste já não eram mods ingleses, mas sim hippies da gema. Estamos falando de Love, The Doors, Buffalo Springfield, Jefferson Airplane… Muita novidade para pouca grana, já que o que tinham no bolso quando chegaram era suficiente para duas semanas no máximo.
Quem resolveu o problema deles foi Tio Sam. E rapidinho. Naqueles dias de Guerra do Vietnã, o governo estava de olho em todo petiz que abandonava a escola e tratou logo de chamar os aracnídeos de volta a Phoenix para cair na teia do Alistamento Militar. Agora imagine a cena: 5 rapazes cabeludos (Vincent portava uma cabeleira afro a lá Eric Clapton do Disraeli Gears), vestidos como freaks e chapados de Southern Confort consumido a noite toda, na esperança de mostrarem aos sargentos que não estavam à altura de representar os EUA na patriótica diligência pelas florestas do Vietnã. No final do dia, o baixista Dennis Dunaway e o guitarrista Glen Buxton haviam escapado, mas ainda sobraram Vincent, o baterista Neal Smith e o outro guitarrista Mike Bruce, todos agendados para o exame médico no dia seguinte. Naquela noite, porém, os Spiders tinham um encontro com uma banda feminina amiga chamada Weeds of Idleness para fazer o que mais gostavam: atirar em coelhos no meio do deserto. Tiro daqui, tiro dali e Vincent consegue acertar o pé do baterista da banda. Para a polícia, alegaram que Neal Smith tentou o suicídio, errou o alvo e atirou no próprio pé. E como não acreditar na cara de sinceros daqueles malucos! A boa notícia é que o pé suicidado livrou Smith do alistamento na hora do exame médico. Mike Buxton teve tamanha crise nervosa que também se safou. O único convocado foi o pobre Vincent. Mas a tristeza não durou muito, pois o governo, querendo livrar sua cara com os jovens americanos, instituiu a loteria dos convocados e não é que Vincent foi um dos sorteados e escapuliu de virar cantor de regimento na periferia de Saigon!
Los Angeles estava então liberada e os Spiders passaram a ser habitués nas ruas da capital californiana, embora ficassem pouco tempo de cada vez em função da falta de grana. Viajar já não era problema porque o pai de Vincent comprou para a banda uma van amarela que tinha espaço suficiente para os músicos, os instrumentos, a aparelhagem e até um roadie. O chato era a moradia, que por ser de graça no porão de algum eventual amigo, nunca durava mais do que algumas noites. O sexo pelo menos era livre e farto. E foi assim que Vincent finalmente perdeu a virgindade.
Ainda em 67 eles decidiram mudar de nome. Passaram a e chamar Nazz e ensaiavam o máximo que podiam. O problema é que por mais que ensaiassem, o som não era lá essas coisas. Não o suficiente para que eles se fixassem em algum clube local, embora tocassem onde quer que pintasse uma oportunidade. Aos poucos foram ganhando notoriedade como a banda dos carinhas estranhos e realmente cabeludos, engraçados de se ver, mas não tão bons de se ouvir. Muito melhor do que eles era o outro Nazz, uma banda quente lá de Filadélfia, capitaneada por um rapaz talentoso chamado Todd Rundgren. Quando ficaram sabendo que tinham um homônimo muito mais ilustre e com um pé em um contrato de gravação, tiveram que enfiar o rabo entre as pernas e pensar em outro nome o mais rápido possível.
Era hora de sentar e organizar um brainstorming. E bastava olhar para o passado recente e ver que muita coisa havia mudado. Já não eram os músicos adolescentes de Phoenix, mas sim um bando de cabeludos estranhos que havia desenvolvido uma presença de palco mais teatral até mesmo para compensar a falta de personalidade do som que saia de seus instrumentos. Talvez fosse o caso então de radicalizar, adotar um nome quem sabe até mesmo mais assustador. Alguém chutou Husky Baby Sandwich e Vincent respondeu com Alice Cooper. Ele até via a cena: uma garota com um pirulito em uma mão e uma faca de açougueiro na outra. Ou mesmo Bette Davis com aquela maquiagem carregada e olhos delineados de preto do filme O que terá acontecido a Baby Jane?. Ou ainda a Anita Pallenberg de couro preto e lâminas afiadas no filme Barbarella. Agora bastava juntar um pouco da Emma Peel do seriado Os Vingadores e teríamos o protótipo ideal: Alice Cooper é o nome; é um rapaz e não uma garota; é um grupo e não um artista solo; é um vilão e não um herói ou ídolo; está mais para um assassino; com valores invertidos, estranhos, ambíguos… E o principal: é algo que ninguém havia pensado antes, nem remotamente.
E Vincent ainda se deu ao luxo de ser profético: os rapazes podem até nos odiar, mas as mulheres vão nos amar de montão.
As garotas ultrajantes
Logo após essa decisão de reinventar a banda como Alice Cooper, Vincent estava em uma lanchonete e é atraído pela presença arrebatadora de Miss Christine. Papo vai, papo vem e ele fica sabendo que ela faz parte de uma banda de garotas chamada GTOs (Girls Together Outrageously), composta pelas mais célebres, loucas e ultrajantes groupies da costa oeste: Miss Pamela (de Barres), Miss Sparky, Miss Lucy, Miss Sandra, Miss Mercy e, claro, Miss Christine, todas apadrinhadas pelo malucão do Frank Zappa. Nada se encaixaria melhor no novo conceito da banda de Vincent e a amizade entre os dois grupos rendeu aos rapazes todo um guarda-roupa composto pelas roupas e lingeries que as GTOs já não queriam mais. Estava criado o protótipo do Alice Cooper: calça de couro preto por baixo de uma combinação de renda rasgada e alguma peça de lingerie das GTOs, maquiagem borrada a lá Bette Davis, um cabelo comprido incomum e luvas rendadas para completar. Se a ideia era chocar, nem mesmo os hippies mais fritados iam passar ilesos.
A nova ordem era tocar alto. Muito alto. Mais alto do que todo mundo. Até do Blue Cheer, com quem dividiram o palco um par de vezes. A combinação massa sonora e pancake, no entanto, podia ser muito explosiva. Numa apresentação no Cheetah, um clube frequentado pela fina flor de Hollywood, tocando para 600 pessoas no mesmo palco que The Doors, Buffalo Springfield e Paul Butterfield Blues Band, o visual putinha e a introdução no talo do tema de Patty Duke Show fez a plateia esvaziar o local como se uma bomba estivesse prestes a explodir. Na quarta música só restavam algumas GTOs, mesmo assim as mais fiéis. E o mais incrível: a garota que havia contratado Alice Cooper para participar daquela noitada no Cheetah gostou do que viu (e ouviu), tanto que transformou a banda numa das atrações fixas da casa, junto com The Chambers Brothers.
O nome da maluca era Sherry, que morava com seus dois filhos numa casa em Venice. Sabendo que a nova atração do Cheetah não tinha nem onde morar, decide dividir sua casa com eles. E mais: bota pra dentro de casa outra banda que tinha acabado de chegar de Londres e que não havia conseguido reunir nem uma dúzia de pessoas para ouví-los tocar. O nome da banda: Pink Floyd. Vincent já tinha ouvido o LP Piper At The Gates Of Dawn. Era um dos poucos que conhecia o PF naquela sua primeira aventura nos States. Apesar do visual Carnaby Street, nasceu uma boa amizade entre as bandas e Vincent e Syd Barrett eram os mais chegados. Na noite em que o Alice Cooper ia tocar num clube chamado Gazzarri’s , algumas horas antes Syd ofereceu a eles pedaços de um bolo que tinha acabado de fazer. Um bolo de maconha, bem entendido. Como ninguém ali era familiarizado com tal acepipe devoraram o bolo e travaram completamente no meio da apresentação noturna, para júbilo dos quatro ingleses que estavam na plateia rindo histericamente.
Bom dia, senhor Zappa!
Vincent e Miss Christine, das GTOs, começaram uma espécie de namorico. Uma noite ela o convida para acompanha-la à casa de Frank Zappa onde seriam babás de seus dois filhos, Dweezil e Moon Unit. Zappa havia acabado de criar seu próprio selo e a primeira banda a assinar foi justamente a Girls Together Outrageously. Impossível não respeitar a complexidade musical de Frank Zappa e agora o empresário Zappa prometia levar suas idiossincrasias também para os negócios, apostando no ousado, no esquisito e, principalmente, naqueles músicos que ninguém queria assinar. Quando soube do Alice Cooper através de Miss Christine, e que a banda cumpria com sobras todos os requisitos exigidos, disse para a garota: “Marque com eles na minha casa amanhã às sete que eu os ouvirei”.
No dia seguinte, às sete da manhã, a banda estava na porta da casa de Zappa, toda vestida de couro e lingerie, maquiada e pronta para tocar. Um Frank sonado abre a porta, vestindo um robe e com uma xícara de café nas mãos.
“Que porra é essa?”
“Frank, você disse pra gente estar aqui às sete.”
“Sim, às sete da noite.”
Eles tocaram todo o repertório da banda, até as músicas novas que ainda não tinham lá nem pé nem cabeça. Finalmente, Zappa mandou parar tudo, titubeou um pouco e disse: “Ok, eu vou assinar com vocês. Mas só porque eu não entendi um catso. Não entendi nem a sua música e nem como é que vocês podem ser tão doidões”. E isso vindo de um cara cujo primeiro álbum se chamava Freak Out.
“Vocês se drogam?”
“Não senhor.” E Vincent passou honestidade.
“De onde vocês são?”
“Phoenix”
“Sério? Eu entenderia se fossem de São Francisco, do Village ou de Londres, mas Phoenix? Ok, vou assinar vocês.”
Como escrevi lá em cima, a outra atração fixa do Cheetah Club era o Chambers Brothers. E as duas bandas eram amigas o suficiente para que os Chambers, num gesto brother, oferecesse o porão de sua enorme casa para que os rapazes do Alice Cooper pudessem morar e ensaiar. A casa ficava em Watts, o famoso gueto dos negros de Los Angeles onde, em 1965, houve 5 dias de tumultos e destruição.
Um dia antes da assinatura do contrato com Frank Zappa, a casa dos Chambers recebe a visita de Jimi Hendrix, que já havia cruzado com os rapazes do Alice Cooper no VIP Club em Phoenix. Ao ficar sabendo do tal contrato com Zappa, Hendrix perguntou se a banda tinha um empresário. Como não tinha, Jimi pediu a eles que aparecessem no hotel Landmark, onde estava hospedado. O Landmark Motor Hotel já era uma lenda: Jim Morrison ficava por lá quando não tinha para onde ir. O Creedence Clearwater Revival também se hospedava por lá. As GTOs estavam morando lá e Janis Joplin viria a morrer nesse hotel em outubro de 1970.
O empresário judeu.
Shep Gordon estava desempregado na noite em que ouviu aquela garota gritando. E ele era perito em berros de garotas, pois havia acabado de abandonar um emprego de oficial de condicional na Corte Juvenil de Los Padrinos, na cidade de Downey, há cerca de meia hora ao sul de Los Angeles. Naquele mesmo dia dirigiu até LA e ficou rodando sem destino até ver a placa de “Há vagas” na fachada do Landmark Hotel. Os gritos da garota aconteceram por volta da meia noite e ele desceu correndo as escadas a tempo de ver dois corpos se debatendo à beira da piscina, um rapaz e uma moça. Temendo que a garota pudesse estar sendo violentada, Shep empurrou o rapaz para longe. Mas ao invés de se sentir grata, a garota se levantou e acertou um soco na boca do herói, gritando os maiores impropérios. Não se tratava de uma curra, mas sim do bom e velho sexo selvagem.
Na manhã seguinte, ainda se sentindo um completo idiota e com os lábios inchados, Shep se aventurou na piscina. Assim que chegou ouviu uma risadinha histérica.
“Hei, você é o cara que eu bati ontem à noite?”
Era a garota. Ninguém menos que Janis Joplin, sentada em um canto da piscina junto de Hendrix e os Chambers Brothers.
Hendrix se aproximou.
“Diz aí, rapaz, o que você faz da vida?”
“No momento, nada.”
“Você é judeu?”
“Sou”
“Então você devia ser empresário.” E voltando-se para Lester Chambers, completa: “Você não tem aqueles garotos de Phoenix lá no porão? Por que não apresenta a banda pra esse cara? Ele é judeu. Ele devia ser um empresário. Chame os garotos agora, talvez ele possa cuidar deles”.
E foi assim que Vincent conheceu o seu empresário (e amigo para o resto da vida) Shep Gordon.
No dia seguinte estavam todos reunidos: Frank Zappa e seu empresário Herbie Cohen, Vincent e os outros músicos do Alice Cooper e também Shep Gordon.
“Apenas assinem o contrato aqui,” disse Zappa aos rapazes.
“Primeiro a gente precisa ouvir a opinião do nosso empresário,” Vincent replicou.
“Que empresário?” Zappa perguntou.
“Este cara aqui,” e apontaram para Shep Gordon.
“De onde ele apareceu?”
“Nós o conhecemos ontem à noite.”
“Ontem à noite e já é o empresário de vocês?”
É óbvio que Frank e Herbie ficaram contrariados. Eles esticaram a folha de papel em direção aos rapazes e disseram que dariam a eles seis mil dólares por ano. Mas teriam que abrir mão dos direitos comerciais sobre as músicas.
Nesse momento Shep deu o ar da graça: “Não, nós vamos dividir os direitos.” Disse isso de forma intuitiva, pois ninguém ali sabia que raio queria dizer aquilo. Mais tarde Shep explicou que, se aqueles caras queriam os direitos, é porque isso devia valer alguma coisa. E assim nasceu a filosofia do empresário perfeito Shep Gordon: “Ninguém vai nos comprar barato”.
Como a maioria dos músicos na banda ainda era menor de idade, a lei mandava que os pais também assinassem aquele contrato com a Straight Records (esse era o nome da gravadora de Frank Zappa). E ninguém estava confortável de assumir nenhum contrato em nome daquele bando de irresponsáveis, por mais que eles ficassem enchendo o saco dos pais para assinarem. Ainda mais agora que existia um empresário na jogada ditando as regras do tal contrato.
Pois foi o próprio quem salvou a situação. Disse aos pais que ele não faria parte do contrato e que assim poderia ser chutado fora caso as coisas começassem a dar errado. E quanto aos 15% de sua parte, eles foram acordados com um aperto de mão apenas (aliás, Shep Gordon nunca teve um contrato formal com Vincent).
E assim o Alice Cooper se tornou artista da Straight Records.
Belezuras para você
Podemos então dividir a carreira da banda em antes e depois de Shep Gordon, que de imediato entendeu que se ele não fizesse o grupo ganhar dinheiro rapidinho, sua parte seria 15% de nada. Logo após assistir ao primeiro ensaio que fizeram para ele, tratou de entrar em ação. Shep sabia que a banda tinha potencial e personalidade. E que ela assumiu o compromisso de estar com um álbum pronto em apenas um mês. Confiando em sua intuição, reuniu o grupo e disse que não queria dar uma de produtor, mas também não gostaria que qualquer um pegasse o material deles e transformasse seu som em um The Who ou Yardbirds da vida. Eles tinham que ser o Alice Cooper e a melhor maneira de garantir isso era entrar nos estúdios já no dia seguinte e gravar tudo ao vivo. Gravariam as músicas que tinham várias vezes e escolheriam os melhores takes.
Em três dias as 13 músicas do disco Pretties For You estavam gravadas. E logo ganharam uma luxuosa capa gatefold. Para comemorar a proeza, a banda tocou três noites no Whisky a Go Go com Frank Zappa and the Mothers. Havia muita expectativa por parte da Straight Records e até uma promessa de bônus se as vendas ultrapassassem 150 mil álbuns. Mas o disco foi lançado em junho de 1969 e nenhuma das músicas sequer tocou uma vez em uma única rádio, nem naquelas estações perdidas na Casa do Chapéu. Fracasso total.
Mas ao menos agora, como artistas de gravadora, tinham mais shows agendados. Tocaram com Steppenwolf, The Guess Who, Led Zeppelin, Santana… E também com Frank Zappa e os outros artistas da Bizarre/Straight, como Tim Buckley, Captain Beefheart e Mothers of Invention. Eram sempre os últimos da lista, até mesmo abaixo das GTOs, mas estavam lá.
A verdade é que o Alice Cooper, desde seu comecinho, tinha uma grande tendência ao mau gosto. E seu som não tinha nada do paz e amor pregado pelas bandas da costa oeste na época. Eles não tinham ideais, não escondiam que estavam lá tocando por Ferraris, loiras gostosas, glamour e ultraje. Eram completamente caóticos e, principalmente, posavam como a melhor ilustração do cartão de visitas do seu boss Frank Zappa: “Nós estamos nisso só pelo dinheiro.”
Um dinheiro, aliás, nada excepcional: 20 dólares semanais no bolso de cada um. Mas estavam hospedados no Landmark, tocavam bastante, sobrava algum para pagar Shep Gordon e gozavam, no mínimo, de alguma curiosidade quando caminhavam pela rua. Podia-se dizer que Vincent e seus amigos estavam vivendo a vida.
Tocar bastante significava ensaiar mais e ensaiar mais significava progredir. Pena que na mesma proporção em que o som deles melhorava, as portas onde costumavam tocar iam se fechando, pois ninguém mais tolerava a porralouquice deles no palco.
Motor City
Teriam que sair de L.A.. E a oportunidade surgiu na primavera de 1970, quando receberam uma oferta para tocar em um festival em Detroit. A banda estava financeiramente quebrada, mas topou e acabou tendo de emprestar alguma grana para a viagem até Motor City. Iriam tocar com os combos locais Iggy and the Stooges, MC5, Frost, Bob Seger e Ted Nugent and The Amboy Dukes, nomes que nunca tinham ouvido falar até então. Mas a recepção do público foi tão calorosa que resolveram se mudar de L.A. e se estabelecerem na cidade.
No começo não foi nada fácil. Estavam falidos e precisavam fugir de um hotel para o outro sempre que a gerência apresentava a conta. Felizmente isso durou pouco, pois a cena roqueira em Detroit era tão aquecida quanto os motores da Ford e da General Motors. Como estavam conquistando cada vez mais fãs, acabaram abrindo para várias bandas inglesas que visitavam a cidade, como The Who, Savoy Brow e o Fleetwood Mac de Peter Green. Com a grana que estava entrando puderam então alugar uma casa e sossegar um pouco.
Havia muita camaradagem entre os grupos por lá, mas ao mesmo tempo a concorrência era grande. O grande rival do Alice Cooper eram os Stooges de Iggy Pop. E se Iggy passasse manteiga de amendoim em um show, os fãs logo cobravam o que Vincent e companhia iriam fazer para superá-lo. Missão difícil já que Iggy Pop sabia incendiar uma plateia como ninguém. Não há dúvida, porém, de que essa rivalidade ajudou muito o progresso da banda.
O repertório na época eram as músicas do Pretties For You e também as novas do segundo disco Easy Action, que foi lançado pela Straight em março de 1970. Novamente a repercussão foi zero, mas a banda se garantia faturando algo em torno de 400 dólares por semana tocando nos inferninhos de Detroit, o que não era nada mal para uma banda que foi chutada da costa oeste. Agora eles eram uma banda da cidade do selo Motown e, embora não fossem negros e nem contratados da gravadora, bastava a aura da Motown para impor um certo respeito no resto do país. E tinha um detalhe importante que ainda não foi abordado aqui: Vincent Damon Furnier nasceu em Detroit em 4 de fevereiro de 1948. Portanto, ele estava de volta à sua cidade natal e pronto para conquistar tudo a que tinha direito.
A galinha dos ovos de ouro.
Shep Gordon não descansava. Gastava todo o seu tempo procurando uma forma de chamar a atenção nacional para seus pupilos. Em um par de shows em Seatle e Vancouver junto com o Mothers e The Guess Who, ele ficou realmente impressionado com a banda canadense. Várias de suas músicas estavam subindo nas paradas: “American Woman”, “She’s Come Undone”, “No Time”… Shep resolveu então procurar o produtor dos últimos discos do Guess Who, Jack Richardson, em seu estúdio chamado Nimbus 9 em Toronto.
Richardson, no entanto, não ficou nada impressionado com o Alice Cooper. E não queria nenhum envolvimento com eles. Como Shep era cabeça dura, procurou uma forma de obrigar o produtor a ver uma apresentação da banda. E se reuniu com dois promotores canadenses que estavam organizando o Toronto Rock’n’Roll Revival Show, um festival capitaneado por John Lennon e a Plastic Ono Band e com Eric Clapton e The Doors como grandes atrações. Graças à ajuda “descompromissada” de Shep, os promotores venderam 60.000 ingressos a cinco dólares cada. Muita grana. Como não aceitou dinheiro pelos serviços prestados, conseguiu encaixar o Alice Cooper no festival para tocar entre os Doors e John Lennon.
Vincent e seus comparsas tinham inventado na época uma performance para encerrar seus shows: eles estouravam travesseiros de penas no palco e com jatos de gás carbônico espalhavam as penas em direção às luzes estroboscópicas, provocando um efeito dos mais espalhafatosos. Nessa apresentação no festival de Toronto (veja aqui) , até John Lennon gostou desse final. Mas o ponto alto foi quando alguém da plateia jogou uma galinha no palco. Vincent pegou a penosa e a jogou de volta, achando que por ser uma ave ela voaria. Não voou e foi trucidada pelos malucos das primeiras filas.
No dia seguinte estava nas manchetes dos jornais: ALICE COOPER MATA GALINHA E BEBE SANGUE.
Vincent não imaginava o que podia se passar na mente de alguém para levar uma galinha em um show de rock. Mas graças a ela, eles finalmente ganharam notoriedade nacional. Até mesmo Zappa ligou no dia seguinte querendo saber da história, se o cantor tinha mesmo arrancado o pescoço da galinha e bebido seu sangue. Quando Vincent contou o que aconteceu realmente, Zappa disse: “Não conte isso pra ninguém. Você trucidou e bebeu o sangue da galinha e todo mundo vai odiar você por isso, o que significa que a molecada vai amá-lo.” Foram precisos anos para que finalmente a identidade de quem jogou a galinha fosse revelada: ninguém menos que Shep Gordon.
E se ele queria chamar a atenção do produtor canadense Jack Richardson, conseguiu. No dia seguinte o canadense estava mandando um rapaz de nome Bob Ezrin para conhecer a banda. Bob era um talento precoce, um desses gênios capazes de transformar qualquer bandinha meia boca em fenômeno de mercado.
Depois de ver uma apresentação do Alice Cooper no Max’s Kansas City de Nova Iorque, ele topou trabalhar com o grupo e tratou logo de por em prática o que tinha em mente: deixar a banda no estaleiro por sete meses. Eles tocariam nos fins de semana para não morrer de fome, mas o resto do tempo, 12 horas por dia, iriam trabalhar para aprimorar seu som e arrumar material para um novo disco.
Sua ideia era desconstruir o Alice Cooper para poder construí-los novamente. A começar pelo Vincent . Ezrin achava que faltava identidade na sua maneira de cantar. Bastava Jim Morrison, por exemplo, abrir a boca e todo mundo sabia que era Morrison cantando. O mesmo podia-se dizer de John Lennon ou Mick Jagger. Vincent precisava achar sua voz e começaram a trabalhar nisso. O mesmo foi feito em relação a todos os outros músicos, que praticamente reaprenderam a tocar seus instrumentos. Em breve a banda já estava compondo material para o disco que ficaria conhecido como Love It To Death, de onde sairia o primeiro sucesso do grupo: “I’m Eighteen“.
Era 1971, a gravadora Bizarre/Straight de Frank Zappa fechava as portas, o disco Love it To Death estava sendo relançado pela Warner Bros – a nova gravadora da banda, “I’m Eighteen” escalava as paradas de todo o país e Vincent havia trocado a galinha por uma cobra de estimação.
O Alice Cooper começava aí a se tornar uma lenda.
Obs: Todas as informações desta matéria foram tiradas dos primeiros capítulos do livro Alice Cooper, Golf Monster. Lançado em 2007, o livro não só fornece algumas dicas importantes para quem quer se tornar um viciado em golf (Alice Cooper é um viciado profissional), como também serve de pretexto para ele desfilar uma espécie de autobiografia. Mas como alguém que realmente viveu os anos 60, Tia Alice não lembra direito das coisas, pois cronologicamente sua narrativa não bate com as datas oficiais. Por exemplo: o incidente da galinha no Festival de Toronto aconteceu em 1969, antes ainda da banda lançar seu segundo disco ou se mudar para Detroit. No livro ele dá a entender que aconteceu em meados de 1970. Outra informação que contrasta com várias fontes da internet é seu encontro com Shep Gordon. Consta que Shep viu a banda no fracassado primeiro show no Cheetah Club e se interessou por eles, conseguindo inclusive uma audiência com Frank Zappa . Pois é, nada bate com nada. Mas o livro, que teve coautoria de Keith e Kent Zimmerman vale, e muito, pela diversão.
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